Acórdão nº 5211/15.1T8PBL-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Janeiro de 2017
Magistrado Responsável | FONTE RAMOS |
Data da Resolução | 17 de Janeiro de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Por apenso à execução para pagamento de quantia certa movida por B (…) S. A., contra S (…), S. A., e outros, estes, para o efeito de suspender a execução (tendo na mesma data entregue os seus embargos de executado), vieram requerer a prestação de caução, mediante hipoteca, a favor da exequente, sobre o imóvel identificado nos autos (sobre o qual se encontra constituída garantia hipotecária a favor da exequente), e que, em seu entender, tendo o mesmo o actual valor de mercado de € 358 731, poderá assim garantir o pagamento da quantia exequenda (actualmente de € 121 850,94), bem como a compensação pelo decurso do tempo, despesas prováveis e honorários de agente de execução, caso a execução proceda.
Notificada, a requerida/exequente veio dizer que a caução é inidónea e insuficiente para assegurar a satisfação do crédito exequendo, tendo em consideração os ónus registados que são, substancialmente, superiores ao valor patrimonial e de avaliação, e tendo ainda em consideração que na eventualidade de o prédio vir a ser vendido em sede de execução fiscal, levará à caducidade da hipoteca constituída e/ou a constituir.
Inquirida a testemunha arrolada pelos requerentes, foi depois proferida decisão que julgou inidónea a caução oferecida e ordenou a notificação da exequente para os efeitos do art.º 910º ex vi art.º 909º ex vi art.ºs 913º, n.º 2 e 915º, do Código do Processo Civil (CPC)[1].
Inconformada, a executada S (…), S. A., apelou formulando as seguintes conclusões: 1ª - A sentença não apreciou, e se pronunciou, sobre o conteúdo, e sobre o concreto valor atribuído ao imóvel oferecido em caução, e constante do documento n.º 1 junto com o requerimento de caução, o relatório de avaliação imobiliária.
2ª - Sendo manifestamente insuficiente concluir, sem mais, que desse documento não resulta apurado o valor do imóvel, pelo facto de em abstracto e de forma genérica, a anunciada recuperação no sector imobiliário, não seja ainda notada nos Tribunais onde, de uma forma muito regular, são vendidos imóveis ou, a maior parte das vezes, são deixadas vagas as diligências de aberturas de propostas por falta delas.
3ª - A sentença, para além de não discriminar os factos concretos em que fundou a sua decisão, também deixou de proceder ao necessário exame crítico de documentos de prova, nomeadamente do citado relatório de avaliação, violando assim com tal omissão, o estatuído no art.º 615º, n.º1, alínea d), vício que é causa de nulidade da sentença.
4ª - A exigência legal de motivação da decisão sobre a matéria de facto não se pode satisfazer com considerações genéricas, sendo antes necessário que o Julgador indique as razões que, criticamente, relevaram para a formação da sua convicção, o processo lógico e racional que seguiu, sendo esta a única forma de tornar possível o controlo da razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento de facto, e de permitir ainda aos destinatários o direito de recurso.
5ª - Da análise da decisão sobre a matéria de facto é de concluir que na mesma não foi dado cumprimento ao aludido comando legal, nomeadamente quanto aos fundamentos da convicção do Julgador ficando por apurar, como o Tribunal terá concluído, em concreto, que não foi possível descortinar de forma minimamente segura o valor dos imóveis oferecidos em caução, bem como afirmar a quase impossibilidade de nos dias de hoje se apurar, com um mínimo de certeza, o valor de um qualquer imóvel.
6ª - Pelo que forçoso é concluir que se verifica também este vício de conteúdo na sentença recorrida, não se mostrando assim cumprido o disposto no art.º 615º, n.º 1, alínea b), que comina com a nulidade a sentença quando esta não especifique os fundamentos que justificam a decisão.
7ª - Sem conceder, subsidiariamente se requer, nos termos do art.º 662º, n.º 2, al. d), que seja determinado que a decisão proferida sobre o não apuramento do valor do imóvel oferecido em caução, facto essencial para o julgamento da causa, venha a ser suficientemente fundamentado pelo Tribunal a quo.
8ª - A necessidade e idoneidade da caução enquanto tal dependerão, em primeira linha, de saber se o bem hipotecado, no momento da propositura da execução pode ou não ter valor suficiente para garantir a obrigação exequenda e legais acréscimos dela resultantes.
9ª - A hipoteca existente a favor do Recorrido constituída sobre o imóvel identificado supra, só por si é suficiente para garantir a quantia exequenda e acréscimos resultantes da acção executiva, e para que o Tribunal a quo pudesse ter declarado suspensa a execução.
10ª - Não é fundamento bastante para a rejeição por inidoneidade da caução proposta pela Recorrente, o facto dos bens oferecidos já se encontrarem a garantir, por via de hipoteca voluntária anterior, o mesmo crédito.
11ª - Os fundamentos invocados na Sentença recorrida para julgar inidónea a caução são genéricos e abstractos, não se fundam em qualquer critério objectivo, lógico ou da experiência comum, que permitam apurar da sua idoneidade ou valor.
12ª - Em 08/2007, o imóvel oferecido pela Recorrente em garantia do financiamento concedido de 300 000, teria de ter o valor mínimo de € 400 000, para assim poder satisfazer o montante máximo garantido de € 402 000 da garantia hipotecária voluntariamente constituída.
13ª - Em face de toda a referida prova documental e testemunhal, como pela lógica e experiência comum, não poderia o tribunal ter dado como não provado que «que o imóvel descrito em 2) valha mais 65 % do que o montante indicado em 1;que o imóvel descrito em 2) valha actualmente no mercado € 358 731.» 14ª - Devendo tal decisão ser substituída por outra que dê como provado que o imóvel descrito em 2 dos factos provados apresenta um valor de mercado actual (06/2014) de € 358 731 (art.º 6º do requerimento inicial), e mais de 65 % da dívida exequenda (art.º 3º do requerimento inicial).
15ª - Que o diferencial entre o montante total reclamado em sede executiva e o valor dos bens, € 237 764,50, é manifestamente suficiente para suportar a quantia reclamada, e a reclamar em sede executiva.
16ª - Considerando ainda esse diferencial entre o valor da dívida exequenda e todos os acréscimos a garantir, e o actual valor de mercado do imóvel dado em garantia, deveria estar a executada dispensada da constituição de caução, e, com os mesmos fundamentos, ser a caução proposta no requerimento inicial julgada idónea.
17ª - Devendo, alternativamente a sentença considerar tal valor se afigura como bastante para acautelar ou prevenir os riscos que resultam da suspensão do processo executivo, julgando em consequência desnecessária não só a constituição de caução adicional, como por força de razão e, com os mesmos fundamentos, idónea a caução oferecida pelo Recorrente.
18ª - Foram violadas as normas dos art.ºs 615°, n.º 1, alíneas b) e d) e 733º, do CPC, e 623º, do Código Civil (CC).
A exequente não respondeu à alegação de recurso.
Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir, principalmente: a) nulidades da sentença; b) impugnação da decisão sobre a matéria de facto (erro na apreciação da prova); c) decisão de mérito (idoneidade e suficiência da caução oferecida).
* II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos: a) A exequente deu à execução uma livrança, no valor de € 120 966,50 (requerimento executivo); b) Foi constituída a favor da exequente hipoteca sobre a fracção autónoma designada pela letra “A” do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito em (....) , A (....) , descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o n.º 2511/20081113-A e inscrito na matriz predial sobre o art.º 1700 correspondente a rés-do-chão, piso zero, barracão com sala de arrumos e instalações sanitárias destinado a armazém, destinada a assegurar o montante máximo de € 402 054, referente a capital de € 300 000, registada pela Ap. 13 de 24/8/2007 (art.º 1º do requerimento inicial);[2] c) Estão também registadas na fracção descrita em II. 1. b) as seguintes inscrições: ap. 22 de 18/7/2008, consignação de rendimentos pelo prazo de 15 anos a favor do B (…), S. A., referentes a rendas; ap. 2604 de 11/9/2014, hipoteca legal a favor da Fazenda Nacional - Serviço de Finanças de Leiria 1, destinada a assegurar o montante máximo de € 343 959,88, referente a capital de € 309...
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