Acórdão nº 415/15.0T8GRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução17 de Janeiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra Processo n.º 415/15.0T(GRD.C1 1. Relatório 1.1.-Na Comarca da Guarda – Instância Central – Secção Cível e Criminal J2, o Município da ..., intentou acção contra Estado Português, R... Ld.ª e N..., Ld.ª 1.2. A fls. 111 teve lugar a audiência prévia, tendo sido proferido despacho a julgar a julgar a Secção Cível e Criminal da Instância Central da Comarca da Guarda incompetente em razão da matéria para a tramitação da matéria do presente processo, por ser da competência dos Tribunais administrativos e, em consequência absolveu os RR. da instância, cujo despacho se transcreve: « O Município da ... instaurou a presente ação, sob a forma (única) de processo comum, contra o Estado Português, a sociedade R..., Ld.a, e a sociedade N..., Ld.a, peticionando a condenação dos réus nos seguintes termos: a) reconhecerem que o autor, Município da ..., é dono e legítimo possuidor do prédio urbano inscrito na matriz predial de ..., por o haver adquirido por acessão industrial imobiliária, na data em que foram concluídas as obras que nele incorporou, de boa-fé, com autorização da ré R..., Ld.a; b) reconhecerem que os atos descritos na petição inicial, praticados pelo Estado Português (serviço de finanças) e a venda do prédio penhorado nos autos de execução fiscal em causa, são frontalmente violadores da lei e do direito de propriedade do autor, Município da ..., bem como das expectativas e direitos adquiridos, decorrentes da aquisição de tal prédio, pelo autor; c) verem ser declarados nulos ou anulados os atos de penhora e adjudicação de tal prédio, pelo Estado Português, através dos Serviços de Finanças da ..., em 6 de Fevereiro de 2015, à ré N..., Ld.ª, ordenando-se o cancelamento de todos as inscrições e registos, a favor da 3ª ré, a que, porventura, tal adjudicação e venda tenham dado origem, bem como a imediata suspensão do referido processo de execução fiscal; e) reconhecerem que, para o caso de não se entender como se deixa exposto, atentas as razões invocadas, sempre ao Autor Município da ..., assiste direito de retenção sobre o identificado prédio, nos termos do disposto no artigo 754.º e ss. do Cód. Civil, o que aqui se invoca para todos os legais e devidos efeitos, designadamente para lhe serem pagos todos os créditos correspondentes ao valor das obras que incorporou no prédio em questão e que supra se deixaram enumerados; f) em custas, procuradoria e no mais dos autos; g) na douta sentença, julgando-se a presente ação provada e procedente e, consequentemente, reconhecendo-se o direito de propriedade do autor Município sobre o prédio em questão, deve ser fixado prazo para o Município proceder à consignação em depósito, à ordem dos presentes autos ou de quem o Tribunal determinar do montante de indemnização que venha a ser julgado ser o correspondente ao valor do prédio antes de nele terem sido incorporadas, pelo Autor, as obras descritas nesta petição inicial.

Fundamenta a sua pretensão, em síntese, por um lado, no facto de ter adquirido o prédio em causa por acessão industrial imobiliária e, por outro lado, pelo facto do serviço de finanças ter pendente um processo de execução fiscal contra a segunda ré, tendo pendente a venda do prédio em causa, no pressuposto de que tal prédio é propriedade da segunda ré – prédio esse que, segundo alega, já foi adjudicado à terceira ré.

As sociedades rés, regularmente citadas, não contestaram.

O Estado Português, representado pelo Ministério Público, contestou a ação, começando por excecionar a competência deste tribunal, por entender que o tribunal materialmente competente para o conhecimento do mérito, quer pelo facto dos sujeitos processuais (autor e primeiro réu) serem pessoas coletivas de direito público, quer face aos pedidos formulados e à causa de pedir invocada (a reivindicação do prédio e o ato nulo ou anulável do serviço de finanças), é o Tribunal Administrativo – enquadrando a competência deste tribunal no artigo 4.º1-h) do ETAF (“compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objeto: ... h) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos”).

O autor respondeu à exceção deduzida, pugnando pela competência dos tribunais comuns.

O tribunal realizou a audiência prévia das partes, tendo conferido às partes, uma vez mais, a faculdade de se pronunciarem relativamente à exceção dilatória de incompetência material deste tribunal.

Cumpre apreciar e decidir.

Dispõe o artigo 212.º/3 da Constituição da República Portuguesa que «compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais».

Por seu turno, o artigo 211.º/1 da Constituição da República Portuguesa dispõe que «os tribunais judiciais são tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais».

Em consonância com a lei fundamental, o artigo 1/1.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais dispõe que «os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais».

E o artigo 64.º do Código de Processo Civil, em consonância ainda com o artigo 40.º/1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.o 62/2013, de 26/8), dispõe que «são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional».

Conclui-se, assim, que a competência dos tribunais judiciais, delimitada pela negativa, é uma competência residual: são da competência dos tribunais judiciais todas as causas não atribuídas a outra ordem jurisdicional, nomeadamente à administrativa.

A competência dos tribunais, tal como resulta do preceituado no artigo 5.º/1 do ETAF e do preceituado no artigo 38.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26/8), fixa-se no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente.

Vale isto para dizer que, pese embora o tribunal tivesse ponderado aceitar a competência relativamente aos pedidos deduzidos sob as als. a), b), f) e g) e supra referidos, na hipótese do autor desistir dos demais (que aparentemente são da competência do tribunal administrativo), como decorre das normas jurídicas supra citadas, fixando-se a competência do tribunal no momento da propositura da ação, é pela petição inicial deduzida (que contém a causa de pedir e os pedidos dirigidos ao tribunal) que se deve analisar qual o tribunal materialmente competente, sendo irrelevantes para tal questão as modificações de facto ou de direito que ocorram posteriormente.

Impõe-se, assim, analisar se, em face da petição inicial deduzida, a lei reserva para os tribunais administrativos a apreciação do litígio em apreço, ou, dito de outro modo, nos termos dos artigos 212.º/3 da Constituição da República Portuguesa e 1.º/1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, se está em causa «um litígio emergente de uma relação jurídica administrativa» da competência dos tribunais administrativos.

Entrando na análise da competência material dos tribunais administrativos, dispõe o artigo 4.º/1-g), h) e i) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19/2) que «compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objeto: a)A Tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares diretamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal; b) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por pessoas...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT