Acórdão nº 3988/15.3T8LRA-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução09 de Janeiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Em 30.11.2015, L (...) - Companhia de Seguros, S. A., instaurou a presente acção declarativa comum contra M (…), Lda., pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 82 890,87 e respectivos juros moratórios, para além do montante que vier ainda a despender com a regularização do sinistro objecto dos autos.

Alegou, em síntese: no exercício da sua actividade celebrou com a Ré um contrato de seguro do Ramo Acidentes de Trabalho; recebeu uma participação de sinistro da Ré, datada de 21.6.2010, referente a acidente de trabalho ocorrido no dia 18.6.2010, com o trabalhador e sinistrado J (...); o evento que vitimou o trabalhador ao serviço da Ré, e que determinou a sua morte, foi consequência da falta de condições de segurança no trabalho; na tentativa de conciliação no Tribunal do Trabalho de Leiria, em 27.4.2011, com a presença da Ré, a A. e a viúva da vítima chegaram a acordo quanto à pensão anual e vitalícia a pagar, despesas de funeral, subsídio de morte e despesas com transportes, remetendo a apreciação sobre a atribuição de responsabilidade, com fundamento na existência, ou não, de inobservância das normas de segurança no trabalho, para fase posterior; no processo-crime em que foram arguidos a sociedade Ré e outros (163/10.7GGCBR), a Ré foi condenada como autora material de um crime de violação de regras de segurança, p. e p. pelo art.º 152º-B, n.º 4, alínea a) conjugado com o n.º 1 do mesmo art.º e o art.º 11º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, decisão transitada em julgado em 21.9.2015; em cumprimento do fixado no Tribunal do Trabalho de Leiria pagou as quantias mencionadas no art.º 24º da petição inicial (p. i.), no valor total de € 32 715,30 e constituiu uma provisão matemática no valor de € 50 175,57; assiste-lhe o direito a obter o reembolso das quantias despendidas e a despender com a regularização do sinistro, à luz da apólice de acidentes de trabalho (art.º 21º da Apólice Uniforme do Seguro Obrigatório de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores por Conta de Outrem), sobre a Ré/responsável, conforme carta que lhe enviou em 30.10.2014 e a notificação judicial avulsa de 31.01.2015.

Contestou a Ré excepcionando a prescrição do direito da A., concluindo que “parte dos montantes reclamados pela A. estão prescritos nos termos do art.º 498º do CC”, e, no mais, impugnando os factos descritos na p. i..

No despacho saneador (de 27.4.2016), o Mm.º Juiz a quo julgou improcedente a invocada excepção, com a seguinte fundamentação: «A Ré M (…), Lda., invoca a prescrição o direito da Autora pelo decurso do prazo de três anos previsto no art.º 498º, do Código Civil.

A Autora respondeu alegando essencialmente que a conduta do responsável configura crime, de acordo com sentença de condenação, já transitada, cujo prazo de prescrição é de 10 anos.

Conjugando o disposto no art.º 498º, n.º 3, do Código Civil com o disposto nos artigos 152º-B, n.º 4, al. a) e 118º, n.º 1, al. b), do Código Penal, o prazo de prescrição é de 10 anos e não de três, por isso, atenta a data dos factos e a data da satisfação da indemnização, o direito da Autora não está prescrito.

Termos em que improcede a invocada excepção peremptória de prescrição.» Inconformada, a Ré apelou formulando as conclusões que assim vão sintetizadas: 1ª - A decisão recorrida padece de nulidade por FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO de facto e de direito, violando o disposto nos art.ºs 154º do Código de Processo Civil (CPC) e 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP).

2ª - A decisão em crise não foi fundamentada na forma prevista na lei, pecando por simples adesão sumária ao alegado pelas partes sem que as razões que sustentam a decisão sobre a prescrição alegada decorram de uma análise e ponderação jurídica do instituto jurídico em causa.

3ª - A delicadeza da matéria (qual o prazo de prescrição a que esta sujeito o direito de regresso da seguradora contra o tomador do seguro) atenta a panóplia de interpretações jurídicas distintas e diferentes entre si, quer do ponto de vista doutrinal quer do ponto de vista jurisprudencial exigiam uma digna e séria fundamentação.

4ª - Caberá à apelada fazer prova da deslocação patrimonial dos montantes liquidados ao sinistrado e seus familiares e das despesas que teve decorrentes do acidente de trabalho cuja responsabilidade possa ser imputada à apelante. E nos termos por aquela alegados liquidou por conta do sinistro ocorrido em 18.6.2010 (antes de proceder à Notificação Judicial Avulsa) um total de € 12 361,09 e respectivos juros de mora.

5ª - A apelante invocou que tais montantes se encontravam prescritos à data da NJA conforme excepcionado em sede de contestação.

6ª - A extensão do prazo vertido no n.º 3 do art.º 498º do Código Civil (CC) apenas se aplica ao prazo de prescrição fixado no n.º 1 - nos casos de direito de indemnização do lesado e não (também) no caso do direito de regresso da seguradora (que satisfaça indemnizações decorrentes de acidente de viação), entendimento que tem sido partilhado por grande parte da jurisprudência.

7ª - O direito de regresso da A./Seguradora contra a apelante (exercido nos termos do art.º 21º da Apólice Uniforme de Acidentes de Trabalho por conta de outrem) apenas surge com a satisfação da indemnização, com a deslocação patrimonial, e é então que se inicia a contagem do prazo prescricional, tratando-se de um direito nascido ex novo que não pode de modo algum fugir ao prazo previsto no art.º 498º[1], n. 2 do CC.

8ª - O prazo mais longo a que alude o n.º 3 do art.º 498º do CC, apenas e só se aplica em sede de indemnização aos lesados, às vítimas do dano e não ao direito de regresso.

9ª - Incorreu assim o tribunal a quo em erro de interpretação e de aplicação do direito, violando o disposto nos art.ºs 9º, n.º 1 e 498º, n.ºs 1 a 3 do CC, 154º; 613º, n.º 3 e 615º, n.º 1, b) do CPC e art.º 205º, n.º 1 da CRP.

Remata pugnando pela procedência da dita excepção ou pela revogação do despacho recorrido, “declarando-se a sua nulidade por falta na falta ou insuficiência de fundamentação bastante” (sic).

A A. respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar: a) nulidade da decisão; b) se o direito de regresso invocado pela A. se encontra prescrito e, neste contexto, se é aplicável às acções de regresso o alongamento do prazo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT