Acórdão nº 186/14.7GCLSA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução09 de Janeiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Lousã – Instância Local – Secção de Competência Genérica – J1, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal singular, do arguido A...

, com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material e concurso efectivo, de dois crimes de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137º, nºs 1 e 2 do C. Penal, e de uma contra-ordenação muito grave, p. e p. pelos arts. 1º, f) 146º, o), do C. da Estrada.

O Centro Hospitalar e Universitário de B..., EPE, deduziu pedido de indemnização contra a Companhia de Seguros C... , SA, contra o Fundo de Garantia Automóvel, contra o arguido e contra D... , com vista à sua condenação no pagamento da quantia de € 22.330,73, acrescida de juros de mora desde a ‘citação’ e até integral pagamento, pela assistência hospitalar prestada a E... .

O assistente F... e o demandante civil G.... deduziram pedido de indemnização contra a Companhia de Seguros C... , SA e, subsidiariamente, contra o Fundo de Garantia Automóvel, com vista à sua condenação no pagamento da quantia de € 177.250 por danos patrimoniais e não patrimoniais.

Por despacho proferido na audiência de julgamento de 1 de Fevereiro de 2016 [acta de fls. 524 a 531] foi indeferida a nulidade do acto de leitura do aditamento ao NUIPC de fls. 10, invocada pelo arguido.

Por despacho proferido na audiência de julgamento de 8 de Março de 2016 [acta de fls. 640 a 643] foi comunicada uma alteração da qualificação jurídica, que passou, também, a ser feita pelo art. 69º, nº 1, a) do C. Penal, sem que tenha havido oposição.

Por despacho proferido na audiência de julgamento de 11 de Março de 2016 [acta de fls. 735 a 738] foi comunicada uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, nada tendo sido oposto ou requerido.

Por sentença de 11 de Março de 2016, depositada a 14 do mesmo mês [fls. 739] e corrigida por despacho de 16 de Junho de 2016 [fls. 880] foi o arguido condenado, pela prática de dois crimes de homicídio por negligência, p. e p. pelos arts. 137º, nº 1 e 69º, nº 1, a) do C. Penal, na pena de vinte e oito meses de prisão por cada um e, em cúmulo, na pena única de quatro anos de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de vinte e quatro meses, e pela prática da imputada contra-ordenação muito grave na coima de € 100.

Mais foi decidido absolver da instância civil, por ilegitimidade passiva, o Fundo de Garantia Automóvel, o arguido e o demandado D... e condenar a demandada Companhia de Seguros C... , SA. no pagamento ao demandante Centro Hospitalar e Universitário de B... , EPE, da quantia de € 22.330,73, acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal, desde a ‘citação’ e até integral pagamento, e no pagamento ao assistente e ao demandante G... da quantia de € 177.250, acrescida de juros vencidos e vincendos desde a notificação do pedido e até integral pagamento.

* Inconformado com o despacho de 1 de Fevereiro de 2016, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: 1. Entendeu a Mmª Juíza a quo, aquando do interrogatório da testemunha J.... , que prestou depoimento na sessão de julgamento que teve lugar no dia 01.02.2016, o qual se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, cujo início ocorreu pelas 15:03:36 horas e termo pelas 15:45:34 horas, proceder à leitura "Aditamento ao NUIPC 186/14.7GCLSA", junto a fls. 10 dos presentes autos, elaborado pelo Órgão de Polícia Criminal, em 25.08.2014, leitura que ocorreu do minuto 19 ao minuto 24 da gravação supra citada.

  1. Acontece que, constando de tal documento declarações alegadamente prestadas pelo arguido, ora recorrente, antes do mesmo assumir tal qualidade, foi arguida na sessão de julgamento de 01.02.2016, a nulidade da leitura de tais declarações, gravada através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, cujo início ocorreu pelas 16:47:58 horas e termo às 16:49: 00 horas.

  2. Porém, por despacho proferido na mesma audiência de discussão de julgamento, que teve lugar em 01.02.2016 e que se encontra gravada através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, cujo início ocorreu pelas 17:21:45 horas e termo às 17:26:05 horas, foi indeferido o requerido.

  3. Salvo o devido respeito, sem qualquer razão ou fundamento material e jurídico, como tentaremos demonstrar.

  4. No art. 125° do CPP, o legislador português estabeleceu o princípio da legalidade da prova.

  5. No caso em análise nos presentes autos estamos perante um “Aditamento” a uma Participação de Acidente de Acidente de Viação, junto a fls. 10 dos autos, efetuada por Órgão de Polícia Criminal e de onde efetivamente constam declarações alegadamente proferidas pelo arguido nos presentes autos, ainda que em momento anterior à assunção de tal qualidade processual.

  6. Começará por se referir que, não consta nem da ata, nem da gravação da audiência de discussão e julgamento, que a Mma Juíza a quo, antes da decisão de proceder à leitura do “Aditamento” aqui em causa, tenha apresentado justificação legal para a permissão de tal leitura.

  7. Acresce que, não foi igualmente conferido aos sujeitos processuais, em especial ao arguido, ora recorrente, a possibilidade de exercício do direito ao contraditório, quanto a tal questão, direito esse constitucionalmente consagrado e de especial relevância no âmbito das garantias constitucionais.

  8. Assim, entendemos que, de facto, atento o disposto nos artºs 2°, 20° e 32° da Constituição da República Portuguesa e o disposto nos art.ºs 125.°, 327º e 356° do CPP, o ato de leitura do "Aditamento" aqui em causa, na parte referente às declarações do arguido, padece, efetivamente, de nulidade, uma vez que, por um lado não foi dada a possibilidade ao ora arguido de exercer o seu direito ao contraditório, e, por outro lado, visto não ser admissível a sua leitura por do mesmo constarem declarações do arguido nos presentes autos, o que se requer seja declarado, com as legais consequências.

    Sem prescindir, 10. nos termos do disposto na alínea d), do nº 1. do art. 61° e do art. 343º ambos do CPP o arguido tem o direito de se remeter ao silêncio, direito que o arguido usou, até ao momento, na audiência de discussão e julgamento.

  9. Tal direito ao silêncio decorre do princípio da presunção de inocência, constitucionalmente consagrado no nº 2 do art. 32.° da Constituição da República Portuguesa.

  10. O direito ao silêncio, significa que o arguido não pode ser obrigado, nem deve ser condicionado, a contribuir para a sua própria incriminação, isto é, tem o direito a não ceder ou fornecer informações ou elementos que o desfavoreçam, ou a não prestar declarações, sem que do silêncio possam resultar quaisquer consequências negativas ou ilações desfavoráveis no plano da valoração probatória.

  11. Sendo certo que, da conjugação do direito ao silêncio com o princípio da presunção de inocência resulta, ainda, a proibição da leitura, na audiência de discussão e julgamento, das declarações que o arguido tenha prestado, durante a fase de inquérito, perante órgão de polícia criminal, bem como a proibição de testemunho do órgão de polícia criminal acerca dos depoimentos ou das conversas informais que tenha mantido com o arguido, no decurso do inquérito, caso o arguido faça uso do direito ao silêncio durante a audiência de discussão e julgamento, como ocorre nos presentes autos.

  12. E é precisamente por isso que só as afirmações por ele produzidas no integral respeito de decisões de sua vontade podem ser utilizadas como meio de prova.

  13. Na verdade, salvo o devido respeito por opinião diferente, entendemos que, se a conversa do arguido, com os órgãos de polícia criminal, ocorre antes de ter sido constituído arguido, por maioria de razão, não poderão tais conversas ser usadas como meio de prova.

  14. Admitir-se o contrário é, em nosso entender, subverter por completo todo o sistema penal, permitindo que “entre pela janela o que não se permite que entre pela porta”! 17. Acresce que, tais declarações alegadamente prestadas pelo ora Arguido ao Órgão de Polícia Criminal e que constam do "Aditamento" de fls. 10 não foram obtidas no âmbito de qualquer atividade investigatória ou cautelar levada a cabo pelo Órgão de Polícia Criminal, como buscas ou apreensões.

  15. Por outro lado, nessa ocasião, o Órgão de Polícia Criminal tinha já conhecimento de elementos que lhe permitiam saber estar perante o principal suspeito do cometimento dos alegados crimes em discussão dos presentes autos.

  16. E por isso, tinha a obrigação legal de constituir o mesmo como arguido nesse momento, para que o mesmo pudesse socorrer-se do seu estatuto processual. Porém, não o fez (!) limitando-se a verter as suas alegadas declarações no "Aditamento" de fls. 10! 20. Cumpre ainda referir que, apesar das alegadas declarações do Arguido constarem do "Aditamento" de fls. 10, não foram respeitadas pelo Órgão de Polícia Criminal as regras de recolha de prova, uma vez que o ora Arguido não teve qualquer possibilidade de controlar se as declarações que alegadamente prestou correspondem, de facto, às que constam vertidas no "Aditamento" aqui em causa, dado que o mesmo não teve conhecimento do seu teor, nem o assinou.

  17. Sempre poderia dizer-se que, não correspondendo à verdade as declarações constantes do "Aditamento" aqui em causa, poderia o Arguido, em sede de Audiência e Discussão de Julgamento, contraditá-las 22. Porém, mais uma vez, estaríamos perante a mais atroz subversão do estatuto processual do arguido e perante uma clara violação do seu direito ao silêncio, uma vez que tal corresponderia a obrigar o arguido a falar contra a sua...

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