Acórdão nº 847/10.0TBFIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Março de 2017
Magistrado Responsável | EMIDIO FRANCISCO SANTOS |
Data da Resolução | 07 de Março de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra A... , SA, com sede na rua (...) Lisboa, propôs a presente acção contra B... , SA, com sede em Figueira da Foz, pedindo: 1. A condenação da ré no pagamento de € 182 376,96, acrescidos dos juros e custos do financiamento respeitante ao lote V do loteamento da Quinta x(...) , Figueira da Foz, que a autora seja obrigada a suportar desde a propositura da acção até à conclusão da reparação do lote V; 2. A condenação da ré no pagamento de € 263 500,96, acrescidos do valor de 8 500 euros, a multiplicar pelo número de meses durante os quais a ré permanecer, desde a data da propositura da presente acção, em situação de incumprimento em relação ao lote (...) da (...) , na Figueira da Foz.
Fundamentos dos pedidos: 1. No âmbito da sua actividade, a autora e a ré celebraram um contrato, através do qual a ré se obrigou a construir um edifício de habitação e comércio, situado no lote V do loteamento da Quinta x(...) , na Figueira da Foz; 2. A empreitada estava sujeita ao preço global de € 1255 847,55, acrescido de IVA; 3. A ré não concluiu a obra no prazo estipulado e a obra que realizou apresenta defeitos; 4. Tais circunstâncias causam prejuízos à autora, porquanto a comercialização das fracções que compõem o edifício construída no lote V foi atrasada e dificultada pela forma como a ré executou os trabalhos; 5. Para a execução da empreitada, a autora realizou um contrato de financiamento cujos custos esperava legitimamente amortizar e deixar de suportar a partir da conclusão da empreitada; 6. O incumprimento da ré impediu-a de atingir esse objectivo, pelo que os prejuízos que decorrem de a autora ter de suportar, para além do prazo estipulado para a execução dos trabalhos, juros e custos do financiamento contraído para a execução da empreitada, devem ser imputados à ré; 7. Esses juros e custos, contados desde Janeiro de 2009 até à presente data são no valor de € 182 376,96.
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A estes juros deverão acrescer os juros e custos que venham a ser suportados pela autora até à reparação das conclusões das anomalias cima alegadas; 9. A autora e a ré celebraram um contrato de empreitada de construção e um pavilhão industrial, situado no (...) , na Figueira da Foz; 10.A obra deveria estar concluída em 12 de Julho de 2007, o que não aconteceu; 11.A obra tem defeitos e as chaves interiores e exteriores estão na posse da ré, o que impossibilita a autora comercializar o edifício devido a defeitos e à não entrega das chaves, o que corresponde a um prejuízo mensal de € 8 500, que é a renda mensal de um armazém, com as características daquele que foi construído pela ré. A ré contestou, concluindo pela improcedência da acção. Na sua defesa impugnou as alegações de facto que sustentavam a pretensão da autora, alegou que, após a constatação das anomalias, a ré procedeu á sua reparação, que a autora entrou na posse exclusiva do prédio urbano construído no lote V em 24 de Março de 2009, que alguns dos alegados defeitos não lhe são imputáveis ou que nunca lhe foram comunicados, que os defeitos do prédio não impediram nem impedem a comercialização normal do prédio; que a empreitada não foi concluída no prazo previsto inicialmente porque, após o contrato de empreitada, a autora introduziu alterações ao projecto aprovado e solicitou à ré a execução de inúmeros trabalhos não previstos no projecto aprovado; que as anomalias não impediam a obtenção da licença de utilização nem a comercialização do prédio; que a autora teve a possibilidade de obter a licença de utilização a partir de 14 de Janeiro de 2009 e ter iniciado a comercialização do mesmo; que a ré obteve a licença de utilização em Agosto de 2009; que não há qualquer nexo de causalidade entre o modo e o tempo em que a ré executou o contrato e os alegados prejuízos; Quanto à empreitada do lote (...) alegou, em, síntese, que a ré reparou todas as anomalias reconhecidas por ambas as partes e que a autora tinha acesso à obra; que os defeitos apontados permitiam que a autora utilizasse a obra, a arrendasse e comercializado; que a autora tinha chave do portão principal, que tinha as chaves dos 4 portões elevatórios que davam acesso ao interior da obra; que as portas interiores estavam abertas e a ré tem apenas as chaves das portas exteriores de alumínio; que a autora tem utilizado a obra; que a autora tem acesso a todos os compartimentos, divisões e espaços interiores da obra, podendo mostrá-los a que quiser A autora respondeu. Na réplica ampliou o pedido, com novo pedido de condenação da ré no pagamento à autora da quantia de € 157 500.
A ampliação fundamentou-se, em síntese, no seguinte: que a autora foi obrigada a celebrar um acordo de revogação do contrato-promessa de compra e venda da fracção L do prédio em causa nos autos, porquanto a promitente vendedora exigiu a referida revogação com base na existência de anomalias e na sua falta de reparação, e em resultado da conduta da ré, a autora deixou de receber € 157 500 e foi obrigado a devolver o sinal pago pela promitente compradora, no valor de € 50 000.
A ré respondeu à ampliação do pedido, pugnando pela sua improcedência.
Na audiência preliminar foi admitida a ampliação do pedido.
O processo prosseguiu os seus termos e após a realização da audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que, julgando improcedente a acção, absolveu a ré dos pedidos.
A autora não se conformou com a sentença e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo a procedência do recurso, com as demais consequências legais.
Os fundamentos do recurso, melhor desenvolvidos à frente, consistiram, em síntese, no seguinte: 1. Na alegação de que a sentença encontrava-se ferida da nulidade prevista na alínea b), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
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Na impugnação da decisão relativa à matéria de facto A ré respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
Considerando que a resolução das questões de facto tem precedência lógica sobre a resolução das questões de direito, começaremos o julgamento pela resolução daquelas questões.
A recorrente impugna, em primeiro lugar, a decisão de julgar não provada a alegação de que, para a execução da empreitada dos autos, a autora pediu um financiamento, tendo pago, desde Janeiro de 2009 até à data da instauração da acção, juros e custos a ele associados no valor de € 182 376,96.
Segundo a recorrente, os documentos de fls. 997 a 1022 e o depoimento de K... impõe se julgue provada esta alegação. Reexaminada a prova, a convicção deste tribunal é a seguinte: 1. Há indícios credíveis de que a autora pediu dinheiro emprestado para executar a empreitada dos autos; 2. Não há prova de que a autora tenha pago, em relação a tal financiamento, juros e custos, desde Janeiro de 2009 até à data da instauração da acção, no montante de € 182 376,96; 3. Não há indícios credíveis da veracidade da alegação da autora de que as deficiências do prédio impediram ou dificultaram a comercialização das fracções ou que a autora tenha suportado juros e custos a partir de Janeiro devido aos defeitos do prédio.
Vejamos.
Os indícios de que a autora recorreu a financiamento bancário para levar a cabo a empreitada em questão nos autos têm como fonte essencialmente o depoimento de K... e a informação do registo predial de fls. 945 e seguintes.
K... , director financeiro da sociedade Imoholding, a única sócia da autora, afirmou que a autora recorreu à banca para financiar a construção dos edifícios em causa nos autos. Respondendo a uma questão da mandatária do réu, disse que, se a memória lhe não falhava, financiou-se com 1 400 000,00 euros para o lote V e com 600 000,00 euros para a construção do armazém. Este depoimento é concordante com o seguinte facto que resulta da informação da Conservatória do Registo Predial: em 26 de Outubro de 2005 foi registada uma hipoteca voluntária sobre o lote V, situado em Quinta x(...) , para garantir todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir pela autora, provenientes de abertura de crédito até ao montante de € 1 400 000,00.
Embora a prova apropriada para demonstrar que a autora recorreu à Banca para financiar a construção do edifício no lote V seria a constituída por prova documental relativa à formalização do contrato de financiamento – e dizemos que seria a prova apropriada pois a nossa experiência profissional mostra-nos que os contratos de financiamento bancário são reduzidos a escrito -, a verdade é que este tribunal não tem razões para pôr em causa nem a afirmação feita pela testemunha nem a informação que resulta do registo predial. Daí que entenda que há prova bastante de que, “para a execução da empreitada, a autora realizou um contrato de financiamento”.
Do que não há prova é de que a autora tenha pago desde Janeiro de 2009 até à data da instauração da acção, juros e custos relativos a tal financiamento no valor de € 182 376,96. Vejamos.
A testemunha K... nem foi instada sobre o montante dos juros e custos que a autora pagou desde Janeiro de 2009 até à data da instauração da acção, nem se pronunciou espontaneamente sobre tal questão. O seu depoimento não trouxe pois qualquer contributo para o esclarecimento desta questão.
Dos documentos que a autora juntou em 9 de Maio de 2016 [fls. 997 a 1022] – e em relação ao qual o tribunal a quo não se pronunciou – também não resulta que a autora pagou, em juros e outros custos, relativos ao financiamento da construção no lote V o montante de € 182 376,96. Vejamos.
Os documentos em causa são documentos particulares.
O primeiro (fls. 997) foi elaborado pela própria autora e tem como título: “despesas financeiras do lote V”. Os restantes são da autoria do F ... .
Enquanto documentos particulares, cuja autoria está reconhecida, eles provam apenas que os seus autores fizeram as declarações que lhes são atribuídas [n.º 1 do artigo 376.º do Código Civil].
Quanto aos factos compreendidos em tais declarações, eles não estão provados plenamente, pois resulta do n.º 2 do artigo 376.º do Código...
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