Acórdão nº 1336/11.0TBLRA-N.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução07 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] * 1 – RELATÓRIO Por sentença proferida a 13 de Abril de 2011, foi declarada a insolvência da sociedade “P (…) SA.

”.

* O Sr. Administrador veio apresentar o seu parecer no sentido da insolvência ser qualificada como culposa por violação b), d, h) e i) do nº 2 e al. a) do nº 3 do art. 186º do CIRE, com afectação de (…), P (…) e J (…).

* O Ministério Público propôs igualmente a qualificação da insolvência como culposa com os mesmos fundamentos.

* Notificada a sociedade e citadas as pessoas que segundo os pareceres, deveriam ser afectados pela qualificação da insolvência como culposa, vieram os mesmos deduzir oposição, alegando, sinteticamente: - P (…) invocou ineptidão do parecer do Administrador de Insolvência e do Ministério Público. Impugnou ainda que alguma vez tivesse sido administrador da insolvente, sustentando que os actos que praticava eram determinados pelo oponente J (…); pagou o prédio que adquiriu à P (…) e elaborou a contabilidade sempre de acordo com os elementos que lhe eram fornecidos e todos os actos contabilísticos estavam devidamente documentados. Por fim, invoca a inconstitucionalidade do art. 189º na redacção conferida pela Lei nº 16/2012, de 20.04 na interpretação de que a mesma se aplica a processos iniciados antes da sua entrada em vigor.

- J (…) alegando que foi nomeado como presidente do conselho de administração da sociedade em 18.02.2011, na sequência da aquisição da maioria do capital social. No dia da penhora o oponente não se encontrava nas instalações da sociedade e só soube da diligência por um dos trabalhadores que telefonicamente lhe disse que se encontrava no local um Sr. agente de execução para efectuar a penhora. Informou que não valia a pena resistir e que era melhor deixar fazer a penhora, no entanto, o oponente desconhece quais os bens que foram levados e nunca foi notificado do auto de penhora.

Relativamente à letra confirma que determinou o seu desconto e que tinha sido informado pela administração anterior que a letra tinha sido aceite pela G (…)apenas para permitir o desconto junto do BPN, sendo por isso, uma letra de favor.

Desconhece os negócios celebrados pelo Dr. (…), em nome da insolvente, na medida em que não foram realizados no seu mandato.

Conclui que não dispôs de bens da insolvente em benefício próprio ou de terceiro, não criou ou agravou o seu passivo nem celebrou qualquer negócio ruinoso, não incumpriu a obrigação de manter a contabilidade organizada e não violou o dever de apresentação à insolvência.

J (…) invoca como fundamento para a situação de insolvência a crise dos mercados financeiros a partir de 2008. Desconhece a diligência de penhora e os bens que foram levados; todas as vendas efectuadas pela devedora eram levadas à contabilidade; as discrepâncias nos saldos credores sobre clientes são usuais sempre que aparece uma insolvência, inventam-se pagamentos e contra-créditos para abater ao saldo em dívida; A P (…) era viável e a empresa podia ter encerrado em 2010 sem passivo. Conclui que não omitiu o dever de apresentação à insolvência; não dispôs de bens da insolvente em benefício próprio ou de terceiro; não criou ou agravou o seu passivo, nem celebrou qualquer negócio ruinoso e não incumpriu a obrigação de manter a contabilidade organizada.

* O Sr. Administrador foi por despacho de fls. 206 e 207 convidado a concretizar alguns dos factos alegados no seu parecer.

* Na sequência da correcção do parecer, o Ministério Público concretizou igualmente alguns dos factos alegados inicialmente.

* Notificados, apenas o oponente P (…) veio responder.

* Foi elaborado despacho saneador, no qual se identificou o objecto do litígio, se julgou improcedente a excepção de ineptidão do parecer do Sr. Administrador e e do Ministério Público se elencaram os temas da prova.

* Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo, como se alcança das respectivas atas.

Na sentença, considerou-se, em suma, que tendo sido proposta pelo Sr. Administrador e pelo Ministério Público a qualificação da insolvência como culposa, afectando essa qualificação J (…), P (…) e J (…), isso com base em factualidade que integrava as als. d), h) e i) do nº 2 e al. a) do nº 3 do art. 186º do CIRE, face à factualidade apurada, importava concluir que apenas resultaram provadas circunstâncias das als. d) e h) do nº 2 do citado artigo 186º, pelo que, na medida em que as mesmas faziam presumir a culpa do administrador da Insolvente, à data da prática dos factos, J (…), importava considerar qualificada como culposa a presente insolvência e em considerar afectado por tal qualificação o referido J (…), sendo que no concernente aos outros dois oponentes, não se tendo provados factos susceptíveis de integrar qualquer uma das alíneas do nº 2 e 3 do art. 186º do CIRE, relativamente a eles o presente incidente tinha de soçobrar, o que tudo se traduziu no seguinte concreto “dispositivo”: «Decisão: Assim sendo e em face do disposto no art.º 186º, nº 2, al. d) e h) e art. 189º, todos do CIRE, qualifico a presente insolvência como culposa e nessa conformidade decido: - Declarar J (…) afectado com a declaração da insolvência como culposa e, consequentemente (art. 189º, nº 1, al. a)); - Declará-lo inibido para o exercício do comércio por um período de cinco (cinco) anos, bem como para ocupar qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa (art. 189º, nº 1, al. c); – Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente e ainda a sua condenação na restituição de bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos (art.189º nº 2 al. d) ).

- Não afectar os oponentes J (…) e P (…) pela qualificação culposa da insolvência, absolvendo-os do pedido contra si deduzido.

* Nos termos do disposto no art. 303º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a actividade processual relativa ao incidente de qualificação da insolvência, quando as custas devam ficar a cargo da massa, não é objecto de tributação autónoma.

Assim, e porque no caso concreto as custas são a cargo da massa insolvente, não há lugar a custas.

Registe e notifique.» * Inconformado com essa sentença, apresentou o administrador afectado pela qualificação, J (…) recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: (…) * Contra-alegou o Ministério Público, finalizando com as seguintes conclusões: (…) * Na sequência, a fls. 758-759, a Exma. Juíza a quo proferiu um despacho a suprir a “nulidade processual” da falta de fundamentação (arts. 195º, nº1 e 607, nº4, ambos do n.C.P.Civil) quanto aos pontos de facto provados em “7)” e “45)”, e bem assim a retificar o que reconheceu serem dois lapsos de escrita – quanto ao número de prédios vendidos (nove em vez de dez), e valor dessa venda (€ 445.900,00 em vez de € 405.900,00) – , concluindo por sustentar a não verificação da nulidade da sentença ex vi do art. 615º, nº1, al.c) do n.C.P.Civil.

* Notificado este despacho, nada mais aduzido, nomeadamente não foi restringido nem alargado o objeto do recurso por parte do Recorrente.

* Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

* 2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4, 636º, nº2 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte: - nulidade por falta de fundamentação quanto às respostas dadas aos pontos “7)” a “45)” dos factos provados; - nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a sentença [art. 615º, nº1, al.c) do n.C.P.Civil]; - erro na decisão da matéria de facto quanto ao facto dado como provado sob “46)”, o qual devia ter merecido a resposta de “não provado”; - incorreto julgamento de direito ao qualificar a insolvência como dolosa, afectando o Recorrente.

* 3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 3.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado fixado/provado pelo tribunal a quo, ao que se seguirá o elenco dos factos que o mesmo tribunal considerou/decidiu que “não se provou”, sem olvidar que tal enunciação terá um carácter “provisório”, na medida em que o recurso tem em vista a alteração parcial dessa factualidade. Tendo presente esta circunstância, consignou-se o seguinte na 1ª instância em termos de “Factos Provados”: «1º- No dia 03 de Março de 2011, a C (…), S.A., na qualidade de credora, veio pedir a declaração de insolvência da P (…), S.A.

  1. - Situação que foi declarada por sentença de 13 de Abril de 2011, transitada em julgado em 30 de Setembro de 2011.

  2. - A P (…), S.A., era uma sociedade com o capital social de 500.000,00 €, constituída em 1981 e que tem por objecto empreitadas e obras públicas, construção civil e comércio de materiais de construção.

  3. - Os órgãos sociais da aludida sociedade são constituídos por um Conselho de Administração formado por um presidente, um vice-presidente e um vogal, e por um fiscal único, com um mandato de três anos.

  4. - Desde pelo menos o ano de 2005 e até 23 de Fevereiro de 2011, do Conselho de Administração fizeram parte, J (…), na qualidade de presidente, L (…)na qualidade de vice-presidente, e S (…), na qualidade de vogal.

  5. - Entre 23 de Fevereiro de 2011 e a declaração de insolvência, o Conselho de Administração da P (…) S.A., fizeram parte, J (…), na qualidade de presidente, H (…), na qualidade de vice-presidente, e J (…), na qualidade de vogal.

  6. - Desde pelo menos o ano de 2005 até que foi declarada a insolvência as funções de Técnico Oficial de Contas da P (…), S.A...

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