Acórdão nº 698/09.4TBLSA-Z.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelV
Data da Resolução07 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: *** I – Relatório ([1]) “A MASSA INSOLVENTE DE J (…), LDA.”, com os sinais dos autos, intentou ação declarativa de condenação, ao tempo sob a forma de processo ordinário (em 04/06/2012), contra 1.º - A (…) e mulher, 2.ª – E (…), ambos com os sinais dos autos, e 3.º - J (…), também com os sinais dos autos, pedindo que os RR. sejam condenados, solidariamente, a reintegrar no património da A. quantia de € 200.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, vencidos, desde 23/03/3009 (data do depósito do cheque em questão), e vincendos, até efetivo e integral pagamento, sendo que até à data de instauração da ação ascendem a € 25.621,92, Para tanto, alegou, em síntese: - o 1.º e a 2.ª RR. (marido e mulher) foram sócios da sociedade “J (…) Lda.”, tendo a 2.ª R. desempenhado as funções de gerente dessa sociedade entre 23/06/1997 e 10/02/1999, data em que renunciou à gerência, sendo substituída pelo 3.º R.; - em 11/02/2009 os 1.º e a 2.ª RR. cederam as respetivas quotas ao 3.º R., vindo a sociedade a ser declarada insolvente por sentença proferida em 08/02/2010, transitada em julgado em 24/03/2010; - em 19/12/2008 os 1.º e a 2.ª RR., na qualidade de únicos sócios daquela sociedade, declararam vender à sociedade “In(…)” oito prédios, pelo preço global de € 476.257,95, pago de forma escalonada mas integralmente; - a última parte do preço, de € 200.000,00, foi paga por cheque, datado de 23/03/2009, emitido sobre o BES e à ordem da sociedade agora insolvente (A.); - contudo, nunca esse cheque entrou no caixa da sociedade, vindo antes a ser endossado e depositado numa conta terceira, titulada pelos 1.º e a 2.ª RR.; - os três RR., em decisão conjunta e comunhão de esforços, subtraíram do caixa social tal quantia de € 200.000,00, que utilizaram, ilicitamente, em proveito próprio, sendo por isso solidariamente responsáveis pelo seu reembolso, desde a data em que o cheque foi depositado.

Os RR. contestaram conjuntamente, excecionando a caducidade do direito de ação e impugnando diversa factualidade alegada pela A.. Assim, invocaram que, apesar de o cheque de € 200.000,00 ter sido depositado em conta dos 1.º e a 2.ª RR., o respetivo montante foi creditado na contabilidade da sociedade e destinado ao pagamento de obrigações já vencidas da mesma, sendo que tais RR. haviam acordado, anteriormente à celebração da cessão de quotas, e como condição da mesma, o seu reembolso pelas prestações suplementares e empréstimos efetuados, motivo pelo qual o cheque lhes foi endossado.

Concluíram pela improcedência da ação e sua absolvição do pedido.

Replicou a A., pugnando pela improcedência da matéria de exceção deduzida.

Em saneador-sentença, foi julgada procedente a exceção da caducidade, com absolvição dos RR. do pedido, mas a A. recorreu, vindo a Relação de Coimbra a revogar a decisão recorrida, julgando improcedente aquela exceção e ordenando o prosseguimento do processo ([2]), o que, em revista, veio a ser confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça (doravante, STJ) ([3]). Dispensada a audiência prévia, foi saneado o processo e foram enunciados o objeto do litígio e os temas da prova, sem reclamações.

Procedeu-se depois à audiência de julgamento, com produção das provas, seguida da prolação de sentença (datada de 19/10/2016), julgando a ação parcialmente procedente, nos seguintes termos: “… condeno solidariamente os réus a pagar à autora a quantia de € 81.323,43 (…), acrescida de juros à taxa legal, atualmente de 4%, vencidos desde a citação, e vincendos até integral pagamento, absolvendo-os do remanescente do pedido.” (cfr.

fls. 460 a 483, com negrito subtraído).

Da sentença vieram todos os RR. – inconformados somente em matéria de direito – interpor recurso conjunto, apresentando alegação, culminada com as seguintes (…) A A./Recorrida contra-alegou, pugnando pela total improcedência do recurso.

*** O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo ([4]), tendo neste Tribunal ad quem sido mantido o regime e o efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação recursória, ao conhecimento do mérito da apelação, cumpre apreciar e decidir.

*** II – Âmbito do Recurso Sendo o objeto dos recursos delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo delimitado em sede de articulados – como é consabido, são as conclusões da parte recorrente que (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor e aqui aplicável (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([5]) –, está em causa na presente apelação saber ([6]): a) Se ocorre nulidade da sentença, por falta da fundamentação e omissão de pronúncia (art.º 615.º, n.º 1, al.ª b) e d), do NCPCiv.); b) Se foi proferida decisão-surpresa (art.º 3.º, n.º 3, do NCPCiv.); c) Se está (in)demonstrado o requisito da ilicitude, de que depende a obrigação indemnizatória por facto ilícito (art.º 483.º, n.º 1, do CCiv.); d) Se ocorre, ou não, abuso do direito (art.º 334.º do CCiv.); e) Se está excluída a responsabilidade do 3.º R..

*** III – Fundamentação A) Matéria de facto Na 1.ª instância foi considerada – de forma incontroversa – a seguinte factualidade como provada: «1. J (…), Lda. é uma sociedade comercial por quotas registada na Conservatória do Registo Comercial da Lousã sendo titular do NIPC (...), com sede em (...), freguesia e concelho da Lousã, tendo sido constituída em 11.03.1983.

  1. O seu capital social é de € 99.759,58, representado por duas quotas, no valor singular de € 49.879,79, ambas adquiridas pelo 3.º réu em 11.02.2009, sendo que anteriormente – e desde a constituição societária – cada uma das quotas pertencia aos dois primeiros réus.

  2. O seu objeto social consiste no transporte e comercialização de quaisquer produtos ou mercadorias e comércio de materiais de construção.

  3. A 2.ª ré exerceu o cargo de gerente da sociedade desde 23.06.1997, tendo em 10.02.2009 renunciado à gerência e sido substituída pelo 3.º réu.

  4. Por sentença proferida em 8.02.2010, nos autos com o n.º 698/09.4TBLSA, e transitada em julgado em 24.03.2010, foi declarada a insolvência da sociedade J (…), Lda.

  5. A (…), sócio e gerente da sociedade I (…), Lda., celebrou em 2.08.2007, a título pessoal, com a sociedade J (…) Lda., um contrato promessa de compra e venda que tinha por objeto diversos prédios, e através do qual aquele A (…) prometeu comprar, e a insolvente prometeu vender, aqueles prédios pelo preço de € 525.000,00.

  6. Tendo as partes entretanto revogado o negócio.

  7. Por escritura pública lavrada em 19.12.2008 no Cartório Notarial com sede na (...), segundo andar, Porto, os dois primeiros réus, na qualidade de primeiros outorgantes e de únicos sócios da sociedade J (…), Lda., declararam vender pelo preço global de € 476.257,95 à I (…), Lda., representada por A (…), na qualidade de 2.º outorgante e sócio gerente, que declarou aceitar a venda, os seguintes prédios sitos na freguesia e concelho da Lousã, descritos na respetiva Conservatória do Registo Predial sob os n.ºs: a) 1.315 (matriz urbana artigo 4.963.º); b) 4.039 (matriz urbana artigo 5.402.º); c) 5.744 (matriz urbana artigo 6.596.º); d) 6.031 (matriz urbana artigo 7.210.º); e) 8.163 (matriz urbana artigo 8.403.º); f) 4.996 (matriz rústica artigo 5.319.º); g) 9.338 (matriz rústica artigo 5.315.º); h) 9.353 (matriz rústica artigo 5.308.º).

  8. O preço foi integralmente pago pelo sócio maioritário e gerente da I (…), no interesse e por conta desta, da seguinte forma: a) € 52.500,00 já haviam sido pagos à sociedade J (…), Lda., a título de sinal e princípio de pagamento, aquando da assinatura do contrato-promessa; b) € 180.542,00 foram pagos por meio de cheque visado, datado de 19.12.2008, emitido pelo BES sobre a conta pessoal do sócio maioritário da II (…), à ordem do BANIF, por instruções e a pedido da sociedade insolvente, para que fosse emitido pelo mesmo BANIF a declaração de distrate e cancelamento das hipotecas registadas sobre os prédios com os artigos matriciais respetivos 4.963.º e 5.402.º; c) € 5.215,95 foram pagos à sociedade J (…) Lda. por meio de cheque, datado de 19.12.2008, emitido sobre o BES e à ordem da desta; d) € 38.000,00 foram pagos à sociedade J (…), Lda. por meio de cheque, datado de 27.02.2009, emitido sobre o Santander Totta e à ordem daquela sociedade; e) Os restantes € 200.000,00 foram pagos à sociedade J (…), Lda. por meio de cheque, com o número 2 (...), datado de 23.03.2009, emitido sobre o BES e à ordem daquela sociedade.

  9. O cheque com o número 2 (...), datado de 23.03.2009, foi endossado pelo 3.º réu e depositado numa conta titulada pelos dois primeiros réus.

  10. Os réus, em decisão conjunta e em comunhão de esforços, subtraíram do caixa social a quantia de € 200.000,00.

  11. O montante de € 200.000,00 foi creditado na contabilidade da sociedade J (…) Lda., na conta n.º 26883 de A (…), sócio gerente da compradora I (…), Lda., emitindo-se a favor desta última o respetivo recibo.

  12. Com este valor foi liquidado um mútuo bancário ao Banco Millenium BCP pelo valor de € 20.000,00, conforme conta n.º 23111 da contabilidade.

  13. Foram pagos, pelo valor total de € 59.237,13, empréstimos concedidos à sociedade, no período compreendido entre 2002 e 2008, pelo sócio A (…) e por M (…), pai da sócia E (…)efetuados através de depósitos de numerário e de cheques, estando os mesmos refletidos nas contas n.ºs 26802 e 26803 da contabilidade.

  14. Foi pago o valor de € 6.928,16, correspondente ao reembolso de uma “letra de favor”, sacada pela sociedade insolvente e aceite por M (…) para financiamento bancário da sociedade através de desconto bancário, tendo a letra sido paga pelo aceitante junto da instituição bancária e não havendo da parte do aceitante...

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