Acórdão nº 232/13.1GBTCS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução08 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, os Juízes que compõem a 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I - Relatório No âmbito dos autos de Processo Comum (Tribunal Singular) registados sob o n.º 232/13.1GBTCS, da Comarca da Guarda – Trancoso – Instância Local – Secção de Competência genérica – J1, em 16/6/2016, foi proferida Sentença, cujo Dispositivo é o seguinte: “4. DECISÃO Assim, e pelo exposto, decide-se: 1. Absolver o arguido A.... da prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137º, nº1 e 2, do Código Penal.

  1. Condenar o arguido A... pela prática em autoria material de um crime p. e p. pelo art. 148.º, n.º 1 do Cód. Penal, perpetrado na pessoa da ofendida E... na pena de 110 (cento e dez) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a quantia global de 660,00€ (seiscentos e sessenta euros); 3. Condenar o arguido A... pela prática em autoria material de um crime p. e p. pelo art. 148.º, n.º 1 do Cód. Penal, perpetrado na pessoa da ofendida D... na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (eis euros), o que perfaz a quantia global de 480,00 (quatrocentos e oitenta euros); 4. Em cúmulo jurídico das penas parcelares, condena-se o arguido A... na pena única de 160 (cento e sessenta) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros) o que perfaz a quantia global de 960 (novecentos e sessenta euros 5. Condenar A... na sanção acessória de inibição de condução de veículos a motor, prevista e punida nos termos do artigo 147º do Código da Estrada, pelo lapso temporal de 45 (quarenta e cinco).

  2. Condenar o Arguido nas custas do processo, com 3 (três) UC´s de Taxa de Justiça14 - cfr. art. 8º do RCP e tabela III.

  3. Mais se julga procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido contra o Arguido por C.H.E.D.V., EPE e em consequência condena-se o mesmo a pagar àquela Entidade a quantia de €748, 71 (setecentos e quarenta e oito euros e setenta e um cêntimos), acrescida de juros vincendos sobre a mesma desde a data da notificação para contestar o pedido cível até integral e efectivo pagamento.

  4. Julgar totalmente procedente o pedido de indemnização civil formulado por B... e C... em representação da sua filha menor, a ofendida D... contra G..... SA e em consequência condena-se a mesma a pagar à ofendida D... a quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros), acrescidos de juros de mora à taxa de 4% desde a notificação para contestar o pedido de indemnização civil até efectivo e integral pagamento.

  5. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado por E... e marido F.... contra G... SA e em consequência condena-se a mesma a pagar aos demandantes as quantias elencadas na fundamentação de direito, num total de 141.178,43 € (cento e quarenta e um mil cento e setenta e oito euros), acrescida do quantum indemnizatório relativo à perda do mencionado veículo cujo apuramento se relega para liquidação em execução de sentença, acrescidos de juros de mora à taxa de 4% desde a notificação para contestar o pedido de indemnização civil até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se a Demandada do demais peticionado.

  6. Condenar, ainda, a Demandada e os Demandantes E... e F... e a Demandada Civil nas custas cíveis, atinentes ao pedido de indemnização por estes deduzido, na proporção do respectivo decaimento – cfr. art. 527º n.º2 do CPC – sendo ainda condenada a Demandada civil na totalidade das custas cíveis inerentes ao pedido de indemnização civil no que respeita ao pedido formulado pelos legais representantes da menor D... .

    Proceda-se a depósito - art.º372º nº5 do C.P.P.

    Boletim ao registo criminal - cfr. art. 374º, nº3, al. d), do CPP.

    Comunique à ANSR e IMT.” **** A demandada civil, não se conformando com a citada Decisão, veio, em 1/9/2016, interpor recurso, extraindo da motivação as seguintes conclusões: 1. Hoje, ao contrário do que sucedia na vigência do CPP de 1929, é obrigatória uma motivação da matéria de facto que não pode limitar-se a uma remissão para os meios de prova.

  7. (…).

  8. (…).

  9. A fundamentação ou indicação dos motivos para dar como provada a matéria dos factos considerados provados nºs 4, 6, 22 a 26, 31, 33 a 46, 50 e 51 não assenta em prova produzida, não tendo sido feito um exame crítico das provas.

  10. Na verdade, quanto aos factos 4 e 6, foi determinante, segundo a Meritíssima Juiz a quo, o depoimento da testemunha H... , o qual, por sinal, não assistiu ao acidente e, como tal, não pode corroborar, nessa qualidade, a versão do acidente trazida pela ofendida e demandante civil E... .

  11. A referida testemunha limitou-se a apresentar conclusões suas (por ex., quando, sem ter visto, diz que foi o veículo conduzido pelo arguido que invadiu a faixa contrária por onde circulava o da demandante E... ) com base em pressupostos que não referiu, não constam da douta sentença, logo não sindicáveis pela meritíssima Juiz a quo.

  12. O tribunal recorrido aceitou a conclusão da testemunha que esta diz ter tirado com base nas marcas deixadas no talude pelo veículo da E... , nas marcas deixadas nas guardas metálicas e nos danos que os veículos apresentavam, sem explicar ou por qualquer forma se poder perceber como é que tais marcas e danos permitem concluir que o embate entre as duas viaturas foi numa ou noutra faixa.

  13. Isto para dizer que se a testemunha tivesse dito que chegou a outra conclusão, contrária àquela, o Tribunal também teria aceitado esta conclusão, porque ninguém compreendeu, nem pode compreender, porque a sentença é totalmente omissa a esse propósito, porque é que tais marcas impõem que o acidente tenha que ter ocorrido na faixa por onde circulava o veículo conduzido por E... .

  14. O que o Tribunal fez foi aceitar as conclusões da testemunha sem compreender a relação causa-efeito, partindo do efeito para compreender a causa.

  15. Portanto, com a fundamentação/motivação da matéria de facto constante da douta sentença para os factos 4 e 6, bem como 22, não podem estes ser considerados provados, por falta de fundamentação.

  16. Por outro lado, fica sem qualquer justificação/fundamentação a resposta dada nos nºs 23, 24, 25 e 26, em virtude da sua íntima conexão com os referidos na conclusão anterior, também por ausência de prova.

  17. Igualmente não foi feita prova da propriedade do veículo conduzido pela demandante E... (facto provado n.º 31), nem do seu estado antes do acidente (facto provado n.º 33), pois, para além de não terem sido inquiridas testemunhas sobre a propriedade do veículo, também não foi produzida qualquer outra prova, nomeadamente documental.

  18. Também os factos nºs 40 a 46 devem ser considerados não provados, pois trata-se de matéria que, dada a sua natureza e se correspondesse à realidade, devia ter sido (e era muito fácil) provada por documentos, nomeadamente relatórios médicos, documentos comprovativos de pagamentos de tratamentos.

  19. De igual modo, o mesmo vale para a matéria dos nºs 50 e 51, porquanto a demandante civil E... não requereu, nem foi submetida a a nenhuma perícia médico-legal que pudesse avaliar o “dano estético”, o “quantum doloris”.

  20. Em suma: não se tendo provado qual dos intervenientes invadiu a faixa contrária, ou mesmo na hipótese de terem sido os dois, o caso tem de ser resolvido com base na responsabilidade pelo risco.

  21. E sendo os veículos intervenientes do mesmo tipo ou categoria, forçoso é concluir que a responsabilidade de cada um deles é de 50%, em conformidade com o disposto no artigo 506.º, do C. C., o que significa que a demandada civil, ora recorrente, só é responsável pelo pagamento de metade das indemnizações que vierem a ser consideradas.

  22. No entanto, a indemnização pela “perda do direito à vida do feto”, no montante de € 50.000,00, que foi atribuída, na proporção de metade para cada um, aos demandantes E... e marido F... , Não é devida.

  23. E a indemnização de mais € 65.000,00 atribuída aos mesmos demandantes na proporção de € 40.000,00 para a E... e € 25.000,00 para o F... , a título de compensação pelos danos não patrimoniais decorrentes da morte do feto é exagerada.

  24. Quer o Supremo Tribunal de Justiça, quer o tribunal constitucional sempre decidiram que não há lugar a indemnização por perda do direito à vida de um feto, que faleceu antes de nascer, que, precisamente por se tratatr de um feto, trata-se de um nascimento sem vida.

  25. Por outro lado, sendo indemnizáveis os danos não patrimoniais decorrentes da perda do feto, o certo é que inqualificavelmente exagerado o montante de € 40.000,00 que foi atribuído à demandante E... e € 25.000,00 ao demandante F... .

  26. Na verdade, não se conhece jurisprudência do STJ que tenha fixado indemnização superior a € 35.000,00 (€ 17.500,00 para cada um dos progenitores), já próxima, aliás, do que é usual atribuir-se pela morte de um filho.

  27. Independentemente do que se diz nas conclusões 19 e 20, o certo é que foi bem decidido na douta sentença que o arguido não cometeu o crime de homicídio por negligência de que vinha acusado, o que implica que, estando-se no âmbito de um processo penal, não podia ser pedida (e, consequentemente, não podia ser arbitrada), nenhuma indemnização pela perda do direito à vida do feto.

  28. Na verdade, em processo penal, as indemnizações decorrem necessariamente do cometimento de um crime e, não sendo crime a morte do feto, não pode ser pedida indemnização pela perda do direito à vida do mesmo, porque, na realidade, o arguido não cometeu nenhum crime que pudesse ter originado tal perda do direito à vida.

  29. O mesmo vale para a indemnização decidida no processo crime, mas a liquidar em execução de sentença, referente à alegada destruição do veículo conduzido pela demandante E... , pois, não se tendo provado quem é o proprietário, não pode ser reconhecido tal direito ao demandante F... , acrescendo o facto de, atualmente, já não existir o crime de dano involuntário.

  30. Com efeito, o demandante F... não conseguiu fazer prova de que fosse ele o proprietário da viatura, pelo que carece de legitimidade para peticionar a...

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