Acórdão nº 140/12.3GTVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelORLANDO GON
Data da Resolução08 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório Pela Comarca de Viseu - Instância Local de Santa Comba Dão, Secção de Comp. Genérica - J1, sob pronúncia que recebeu a acusação do Ministério Público e de um assistente, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, o arguido A.... , filho de (...) e de (...) , nascido a 15/08/1963, natural da freguesia de (...) /Luanda, viúvo, titular do CC nº (...) , válido até 15/08/1963, emitido pelo CICC de Viseu, pedreiro e residente na Rua (...) Armação de Pêra, imputando-se-lhe a prática, em autoria material e em concurso real, de dois crimes de homicídio por negligência, previstos e puníveis pelos artigos 137.º n.º 1 do Código Penal; um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punível pelo art. 148º n.º 1 do mesmo Código; e duas contraordenações muito graves, previstas e puníveis, uma pelo art.60º n.º 1 (M1) e 65º do Regulamento de Sinalização do Trânsito (aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de Outubro) com referência aos artigos 146º al. h) e 138º do Código da Estrada; e outra pelos arts. 12º n.ºs 1 e 2 do Código da Estrada, com referência ao 146º al. h) do mesmo diploma legal.

Realizada a audiência de julgamento - no decurso da qual se procedeu à alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na pronúncia, passando os mesmos a integrar ainda a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, prevista pelo art.69º n.º 1 al. b) do mesmo Código -, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 17 de março de 2016, decidiu julgar totalmente procedente, por provado, o despacho de pronúncia e, consequentemente, condenar o arguido A... : - pela prática de dois crimes de homicídio por negligência, na pena de 1 ano e 5 meses de prisão para cada um dos referidos crimes; - pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, na pena de 5 meses de prisão; - operar o cúmulo jurídico destas penas parcelares e condenar o arguido A... na pena única de 2 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo; - absolver o arguido da prática das contraordenações de que se mostra acusado; - condenar o arguido na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 7 meses, por referência aos factos integradores da contraordenação prevista nos arts. 60º e 65º do Regulamento do Código da Estrada e 146.º al. o) do Código da Estrada; e - condenar o arguido na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 7 meses, por referência aos factos integradores da contraordenação prevista no art.12.º do Código da Estrada e 146.º al. h) do Código da Estrada.

Inconformados com a douta sentença dela interpuseram recurso os assistentes B...

e C...

, concluindo a sua motivação do modo seguinte: l.ª Vem o presente recurso interposto pelos assistentes da sentença proferida nos autos em epígrafe, a qual condenou o arguido na pena única de 2 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, em cúmulo jurídico das penas parcelares, pela prática de dois crimes de homicídio por negligência na pena de 1 ano e 5 meses de prisão para cada um e pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência na pena de 5 meses de prisão.

  1. Não se conformam os assistentes com a sentença na parte restrita à parte decisória da suspensão da execução da pena única aplicada ao arguido (pena de prisão por 2 anos e 10 meses), considerando os assistentes que o Tribunal a quo não fez uma correcta aplicação do instituto jurídico da suspensão da execução da pena única de 2 anos e 10 meses.

  2. O Tribunal a quo suspendeu a execução da pena de prisão aplicada ao arguido pelos fundamentos de facto relativos às condições pessoais do arguido: não apresenta nenhuma anterior condenação; a situação dos autos consubstanciam um episódio pontual na sua vida; o arguido mostra-se pessoal e familiarmente inserido.

  3. O arguido foi acusado e condenado por dois crimes de homicídio por negligência, p. e p. pelos art°s 137° n° 1 do Código Penal, e ainda por um crime de ofensa à integridade física por negligência p. e p. pelos art° 148° n° 1 do mesmo Código, crimes estes cometidos por omissão por parte do arguido dos deveres de cuidado basilares no exercício da condução automóvel, concretamente, como foi dado como provado, por ter adormecido ao conduzir o seu veículo automóvel, no dia, hora, local dado como provado, saiu em despiste da sua via de trânsito, invadiu a faixa de trânsito contrária, transpôs o duplo traço contínuo marcado no pavimento e embateu nos veículos que circulavam em sentido contrário e em cumprimento das regras de trânsito, embatendo no veículo tripulado pelo filho e irmão dos assistentes, ora recorrentes, causando-lhe as lesões das quais resultou a sua morte, consequências estas previsíveis do acto de condução pelo arguido em estado de desatenção.

  4. No caso em apreço o grau de ilicitude do facto é elevado, a intensidade da negligência é elevada, as consequências da conduta são muito graves (duas mortes), a culpa do arguido foi grave e intensa a justificar um elevado juízo ético-social de desvalor, que só alcançará não se aplicando a suspensão da execução da pena.

  5. No caso em apreço o arguido optou pelo silêncio e optou também pela ausência à audiência do julgamento; com tal opção o arguido não permitiu que o Tribunal alcançasse a sua personalidade; o arguido ao optar pelo silêncio não goza da consideração do Tribunal para aferir da sua personalidade, designadamente para que o Tribunal alcance as circunstâncias relevantes e determinantes para a aplicação de certos institutos jurídicos, tais como, in casu, do seu arrependimento e dos efeitos que a mera ameaça da pena aplicada, suspensa, lhe causem.

  6. Ao optar o arguido, como optou no caso concreto, por não estar presente em nenhuma das sessões de julgamento, não pode o Tribunal ter em consideração que a simples ameaça da pena aplicada é o bastante para a prevenção de futuros comportamentos idênticos por parte do arguido; se por um lado o direito ao silêncio do arguido se consubstancia no direito a não falar, a não esclarecer os factos, a não explicar os acontecimentos e as suas causas, permitindo que o julgamento seja efectuado com base na objectividade das provas e na lógica dos acontecimentos, por outro lado, a não presença do arguido nas sessões de julgamento impede o Tribunal de concluir como concluiu, que o arguido merece a "oportunidade" do Tribunal, que o arguido merece a consideração da comunidade, através do direito penal aplicado em concreto, ou seja, que merece o benefício da suspensão da execução da pena.

  7. O Tribunal não dispõe de elementos para alcançar se o arguido se mostra ou não arrependido com a sua conduta anti-social, se o arguido tem sofrido com a pendência do processo, se bastará a ameaça da execução da pena da prisão para a prevenção de futuras condutas idêntica à dos autos.

  8. Atendendo a que a idade do arguido ainda lhe vai permitir uma média de vida activa de mais 20 anos, (tem actualmente 53 anos) como condutor, atendendo a que os riscos de violação das regras de trânsito ainda vão ocorrer nesse período de tempo lato, atendendo a que não se alcança se o arguido veio a ter conhecimento directo da sentença e do seu conteúdo, no mínimo, fica no...

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