Acórdão nº 734/15.5PBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelISABEL VALONGO
Data da Resolução08 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I. RELATÓRIO.

No processo comum singular nº 734/15.5PBLRA, da comarca de Leiria, - Inst. Local - Secção Criminal - J3, tendo sido deduzida acusação pelo Ministério Público contra A.... , divorciado, reformado, nascido no dia 3 de Dezembro de 1939, natural da freguesia da (...) , concelho de Leiria, filho de (...) e de (...) , residente na Travessa (...) , em Leiria, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.°, n.º 1, al. b) e n.º 2 do Cód. Penal, a senhora juiz rejeitou a acusação, por se revelar manifestamente infundada, nos termos do artigo 311, n.º 2, al. a) e n.º 3, alínea d), do CPP.

* Não se conformando com esta decisão, interpôs o Ministério Público recurso para este Tribunal da Relação.

Na sua motivação conclui: «1. A acusação deduzida nos presentes autos não se enquadra na previsão da al. a) do n.º 2 e da al. d) do n.º 3 do artigo 311.º do Código de Processo Penal.

  1. A acusação apenas será manifestamente infundada por os factos não constituírem crime quando assente numa constatação objectivamente inequívoca e incontroversa da inexistência de factos que sustentam a imputação efectuada.

  2. O nosso modelo processual penal vigente desde 1987 estrutura-se no princípio do acusatório, embora mitigado com uma vertente investigatória, sendo um dos seus traços estruturais a distinção clara entre a entidade que tem a seu cargo uma fase investigatória e se for caso disso sustenta uma acusação e uma outra entidade que julga, em audiência pública e contraditória, os factos objeto dessa acusação.

  3. A estrutura acusatória do processo impede que o julgador se confunda com o acusador.

    5. A alínea d), do nº 3 do artigo 311º do Código de Processo Penal não visa dar guarida a um exercício dos poderes do juiz que colida com o acusatório - o tribunal é sempre livre de aplicar o direito (princípio da livre aplicação do direito), mas não pode antecipar a decisão da causa para o momento do recebimento da acusação, devendo apenas rejeitá-la por manifestamente infundada quando a factualidade em causa não consagra de forma inequívoca qualquer conduta tipificadora de um crime, juízo que tem de assentar numa constatação objetivamente inequívoca e incontroversa da inexistência de factos que sustentam a imputação efetuada.

  4. A acusação contém todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de ilícito imputado ao arguido – crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do Código Penal.

  5. O crime de violência doméstica pode criar uma relação de concurso aparente de normas com outros tipos penais, mas não se confunde com os mesmos.

  6. O bem jurídico protegido pela norma é um bem jurídico complexo, incluindo a saúde física, psíquica e emocional, a liberdade de determinação pessoal e sexual de pessoa parte de uma relação de conjugalidade ou equiparada.

  7. A expressão “maus tratos”, fazendo apelo à “imagem global do facto”, pressupõe, no pólo objectivo, uma agressão ou ofensa que revele um mínimo de violência sobre a pessoa inserida em relação; subjectivamente uma motivação para a agressão, ofensa, achincalhamento, menosprezo; o reflexo negativo e sensível na dignidade da vítima, por via de uma ofensa na sua saúde física, psíquica ou emocional, ou na sua liberdade de autodeterminação pessoal ou sexual.

  8. A factualidade ínsita no despacho acusatório integra o tipo legal objectivo e subjectivo do crime em causa, porquanto se consubstancia num conjunto de factos (sejam ameaças, injúrias, ou comportamentos claramente violadores da vida privada da ofendida) que, ainda que, isoladamente não tenham uma gravidade significativa, analisados globalmente, patenteiam uma violência psíquica e emocional relevante, apta à subsunção no tipo.

  9. Deste modo, os elementos indispensáveis, nesta fase, para a acusação prosseguir, estão lá, e poderão ser precisados na sede própria - audiência de julgamento.

  10. A Mma. Juiz a quo ao rejeitar a acusação formulou um pré-juízo de julgamento sobre o mérito da acusação, assim violando o princípio do acusatório.

  11. O juízo assente no despacho recorrido não assentou na “constatação objectivamente inequívoca e incontroversa da inexistência de factos que sustentam a imputação efectuada”, donde não pode a acusação ser taxada de manifestamente infundada e ser liminarmente rejeitada, naquele momento processual, impondo-se que o processo prossiga para julgamento.

  12. Violou a Mma. Juiz o disposto nos artigos 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do Código Penal e dos artigos 283.°, n.º 3, al. b) e 311.°, n.ºs 2, al. a) e 3, al. d), do Código de Processo Penal.

  13. Deve o despacho recorrido deve ser substituído por outro, que receba a acusação, sujeitando-a ao debate público e contraditório do julgamento.

    Decidindo nestes termos, far-se-á JUSTIÇA!” * O arguido não contra-alegou.

    * O Exmo Senhor Procurador Geral Adjunto neste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

    * II. FUNDAMENTAÇÃO A questão a decidir é tão só a de saber se existe fundamento para rejeição da acusação.

    O despacho recorrido: “O Tribunal é competente e o processo o próprio.

    * O Ministério Público tem legitimidade para exercer a acção penal.

    * O Ministério Público acusa o arguido A... , pelos factos constantes da acusação de fls. 56 e 58, da prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, alínea a) e nº 2 do Código Penal.

    Nos termos do referido preceito: 1. Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações de liberdade e ofensas sexuais: a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;; b) (...); c) (...); d) (...); é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

  14. No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença...

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