Acórdão nº 1160/15.1T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelV
Data da Resolução14 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: ***I – Relatório “Seguros (…), S. A.

”, com os sinais dos autos, intentou ação de condenação com processo comum, contra S (…), também com os sinais dos autos, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 57.135,48, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que: - no exercício da sua atividade seguradora, celebrou com a R. um contrato de seguro do ramo responsabilidade civil automóvel, referente ao veículo automóvel de matrícula “SI (...) ”, com transferência do risco de tal responsabilidade por acidentes de viação causados por esse veículo, o qual, conduzido pela R. – portadora de uma taxa de alcoolemia (TAS) de 0,57 g/l –, foi interveniente, no dia 17/01/2010, num acidente de viação, que se traduziu num despiste e embate no muro de uma moradia, com os consequentes danos, não só nesse muro, mas ainda em passageiro transportado na viatura segura; - acidente esse devido a culpa exclusiva da R. e consequente ao seu estado de embriaguez, cabendo à A. o direito de regresso pelos montantes indemnizatórios pagos (nos termos da al.ª c) do n.º 1 do art.º 27.º do DLei n.º 291/2007, de 21-08), ascendendo ao valor global peticionado.

Contestou a R.: - excecionando a prescrição do invocado direito de regresso; - alegando que o acidente não se deveu a culpa sua, por o piso estar então molhado e chover, sendo de noite, tendo o despiste ocorrido após uma curva acentuada à esquerda, sem a inclinação adequada que permitisse conduzir com segurança; - referindo que seguia a velocidade reduzida, tratando-se de veículo antigo e sem sistema de travagem ABS nem direção assistida, sendo o local do acidente conhecido pela elevada sinistralidade; - acresce que a TAS apresentada deverá ser corrigida nos termos do Regulamento do Controlo metrológico de alcoolímetros, o que implica redução para 0,53 a 0,55, desconhecendo a R. os critérios utilizados pela A. na fixação dos valores indemnizatórios; - assim concluindo pela improcedência da ação.

A A. respondeu, pugnando pela improcedência da exceção da prescrição.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, julgando-se pela total improcedência da exceção da prescrição, após o que foram enunciados o objeto do litígio e os temas da prova.

Realizada a audiência final, com produção de provas, foi proferida sentença, datada de 06/05/2016, julgando a ação parcialmente procedente e assim condenado a R. a pagar à A. a quantia de € 57.124,98, acrescida de juros de mora, desde a citação, à taxa legal de 4% ao ano, até integral pagamento.

Inconformada, veio a R. interpor o recurso da sentença – e ainda da decisão interlocutória, datada de 19/06/2015, de improcedência da exceção da prescrição ([1]) –, apresentando alegação e as seguintes Conclusões ([2]): (…) A Recorrida, por sua vez, contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

*** O recurso da sentença foi admitido como de apelação – já o aludido recurso de decisão interlocutória foi rejeitado, por extemporâneo, como mencionado –, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo ([3]), tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime e efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

*** II – Âmbito do Recurso Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o obecto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, e 639.º, n.º 1, todos do NCPCiv. ([4]) –, está em causa na presente apelação saber ([5]): a) Se ocorre alguma das invocadas causas de nulidade da sentença; b) Se ocorreu erro de julgamento em sede de decisão da matéria de facto, obrigando à respetiva correção, com alteração do quadro fáctico (o provado e o não provado) da sentença, incluindo ampliação quanto a factos provados; c) Se deve proceder a impugnação de direito, não se mostrando preenchidos os pressupostos do pretendido direito de regresso.

*** III – Fundamentação A) Matéria de facto A factualidade julgada provada na 1.ª instância é a seguinte: «1- No dia 17.01.2010, pelas 6 horas e 45 minutos, na EN 242, ao Km 20, na localidade de Martingança, Alcobaça ocorreu um acidente de viação com o veículo ligeiro de passageiros de matrícula SI (...) , marca Fiat, modelo Uno 60 S do ano de 1989.

2- Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1, o veículo era conduzido pela ré, no sentido Pataias-Marinha Grande e ao descrever uma curva para a esquerda, despistou-se, embatendo com a parte lateral traseira direita no muro da moradia com o nº de polícia nº 13.

3- Para além da ré, seguiam no veículo, como passageiros E (…), sentado no banco de trás do lado direito, J (…) , sentando no banco de trás do lado esquerdo, P (…), sentando no banco de trás ao meio e F (…)sentado à frente, no banco ao lado da condutora.

4- O veículo referido em 1 não dispunha de cintos de segurança para os passageiros que seguissem no banco traseiro, nem dispunha de sistema de travagem ABS ou direcção assistida.

5- O local onde se verificou o despiste é precedido de uma recta, com bom piso, e a cerca de 200 metros do mesmo existem sinais luminosos verticais reguladores do trânsito, onde a ré se encontrara parada no sinal vermelho, antes do despiste.

6- No momento do acidente era de noite e chovia.

7- O local do acidente é caracterizado por elevada frequência de acidentes, com vítimas graves.

8- A ré tem carta de condução desde 01.02.2002 e é tida por aqueles com quem convive, como uma condutora responsável, que conduz os veículos em que se faz transportar de forma cuidadosa, com velocidade moderada e adequada, quer às regras do trânsito, quer ao estado da via e do veículo, quer às condições atmosféricas.

9- Após o acidente, a ré foi submetida ao teste do álcool, através do aparelho Drager, o qual indicou uma TAS de 0,57 g/l.

10- Em consequência do acidente referido em 1 resultaram danos materiais no muro mencionado em 2, tendo a autora pago ao seu proprietário para reparação dos mesmos a quantia de € 1.180,00.

11- Em consequência do acidente referido em 1, o passageiro E (…) sofreu traumatismo crânio encefálico grave, apresentando sinais de edema cerebral difuso, HSA interpenduncular e lesão hemorrágica do esplénio do corpo caloso, sugestivos de lesão axonal difusa.

12- Para tratamento das referidas lesões foi internado no serviço de medicina intensiva em ventilação mecânica e monitorização de pressão intracraniana e pressão de perfusão cerebral, onde permaneceu até 30.01.2010, com transferência para o serviço de Neurocirurgia.

13- Em 03.02.2010 foi transferido para o serviço de pediatria do Hospital de Santo André, apresentando-se nessa data consciente, colaborante com hemiparesia esquerda com indicação para cuidados de reabilitação.

14- A autora pagou, a quantia de 10.944,98 em consultas e tratamentos médicos a E (...) .

15- A autora pagou a E (…), a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do acidente referido em 1, a quantia de € 45.000,00.

16- Com excepção de E (…), todos os demais passageiros referidos em 3 saíram incólumes do acidente.

17- No momento do acidente, E (…) vinha a dormir.

18- A partir de uma TAS de 0,2 g/l, todos os órgãos relacionados com o sistema nervoso central ficam afectados, o que acarreta a redução do campo visual periférico, assim como a capacidade de reacção, a atenção e diminuição das funções motoras.

19- A autora exerce devidamente autorizada a indústria de seguros.

20- No exercício da sua actividade, a ré celebrou com a autora um contrato de seguro titulado pela apólice nº (...) , pelo qual transferiu para a autora a responsabilidade civil decorrente de acidentes de viação em que fosse interveniente o veículo de matrícula SI (...) até ao valor de € 1.800.000,00.

».

E foi julgado não provado que: «a) Em consequência do facto referido em 5, momentos antes do despiste, a ré imprimia ao veículo uma velocidade baixa; b) No momento do acidente o piso encontrava-se escorregadio, tendo o veículo derrapado no piso molhado, perdido aderência e dado uma curva de 360º antes do embate no muro; c) Entre o muro referido em 2 e a estrada não existe qualquer passeio ou outro obstáculo ou barreira arquitectónica que pudesse evitar ou minorar a violência do embate; d) A curva referida em 2 detém uma inclinação contrária à circulação adequada; e) Até ao dia do acidente e depois do mesmo a ré nunca mais foi interveniente em qualquer outro acidente; f) À data do acidente E (…)era portador de uma elevada taxa de álcool no sangue e havia consumido substâncias psicotrópicas; g) Caso E (…) estivesse acordado no momento do acidente, as suas lesões teriam sido menos graves; h) Quando E (…) teve alta médica foi o mesmo encaminhado para recuperação com fisioterapia numa clínica adequada à sua situação médica situada na zona da Tocha; i) E (…) compareceu à primeira consulta médica mas depois recusou a frequentar tal fisioterapia, preferindo voltar à sua vida normal e voltar para casa; j) Em casa E (…) retomou a sua vida social, saindo com os amigos, bebeu bebidas alcoólicas e fez saídas nocturnas;».

*** B) Nulidades da sentença Da contradição, da omissão ou excesso de pronúncia e da condenação em quantidade superior ao pedido Invoca a Apelante que ocorrem as causas de nulidade da sentença previstas no art.º 615.º, n.º 1, al.ªs c), d) e e), do NCPCiv..

Cabia-lhe, por isso, argumentando sobre o tema, mostrar onde se encontram consubstanciados na sentença apelada aqueles vícios geradores de nulidade da mesma, o que devia ser feito mas conclusões da apelação, já que estas, como dito, definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso.

Na verdade, como se retira do disposto no art.º 639.º...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT