Acórdão nº 1043/08.1TBFIG-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelFALC
Data da Resolução14 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:[1] I - Relatório: A) - 1) - Por apenso à execução, para pagamento de quantia certa, que, com base em livrança, foi intentada, em Abril de 2008, pelo “Banco C..., S.A.” contra P...

, residente na Rua ..., veio este executado, em 15/04/2015, opor-se à execução, mediante embargos, invocando, para o efeito, o disposto nos arts. 728.º e seguintes do (novo) CPC, alegando, para o que agora importa: - «[…] a livrança dada à execução foi subscrita por ele no âmbito e por causa do contrato de crédito a que o C... atribuiu o nº ..., é inexequível.

Acrescenta que, no início do ano de 2007, pretendeu adquirir um veículo automóvel usado de Marca Seat Ibiza, modelo GT-TDI do ano de 2002. Contactou, então, R..., a quem tinha já recorrido anteriormente para o ajudar nos tramites inerentes à aquisição de um outro veículo automóvel, solicitando-lhe a sua colaboração quer para procurar o veículo automóvel que pretendia quer para o ajudar a obter o crédito para aquisição do mesmo. Decorrido algum tempo, o dito R... informou-o que não estava a ser fácil encontrar um veículo com as características que pretendia, sugerindo-lhe, contudo, que fossem tratando da documentação inerente à obtenção do crédito bancário, por forma a que, uma vez encontrado o automóvel pretendido pelo ora embargante, se tornasse mais célere o processo de aquisição do mesmo.

Assim, o ora embargante assinou vários documentos cujo teor não lhe foi explicado e que se encontravam por preencher, designadamente o formulário do contrato de crédito, no âmbito das “Condições Particulares”, limitando-se, o ora opoente, a neles apor a sua assinatura, tendo, naquelas circunstâncias, entregue a R... e L... todos esses documentos, a quem forneceu ainda toda a sua identificação e identificação do NIB através do qual, uma vez concretizado o negócio em causa e obtido o sobredito financiamento, seria efectuado por débito directo o pagamento das prestações inerentes.

Posteriormente, recebeu uma carta do C..., datada de 13 de Fevereiro de 2007, a felicitá-lo pela celebração do contrato de crédito, carta essa acompanhada de um documento contendo as “informações do empréstimo” e o respectivo “plano de pagamentos, o “duplicado para o cliente” do contrato de crédito a que foi atribuído o n.º..., datado de 07/02/2007, agora já preenchido nos campos referentes às condições particulares, o que não se verificava quando o ora embargante subscreveu o respectivo formulário, a “nota informativa sobre os termos e condições do seguro de protecção ao crédito” e “inquérito de qualidade”.

Para seu espanto, do dito “duplicado para o cliente” do contrato de crédito constava como “marca e modelo” do automóvel a referência a um “Audi A3 Diesel”, sem que, contudo, se encontrasse preenchido o campo respeitante à identificação da respectiva matrícula e sendo certo que não era um veículo com essas características que o ora embargante pretendia adquirir.

Como entidade vendedora constava a sociedade comercial D..., Lda., da qual L... era e é sócia gerente, pelo que estava vedado ao ora embargante utilizar o valor financiado na compra de um veículo a outro fornecedor que não fosse o constante do contrato.

Todavia, entre aquela sociedade e o ora embargante não havia sido transaccionado qualquer veículo automóvel.

Sucede que L..., em 11 de Abril de 2007, depositou um cheque na conta n.º... do Banco E..., titulada pelo embargante, de montante igual à prestação referente ao mês de Abril, ou seja no valor de € 336,52.

Indignado com o sucedido e sentindo-se vítima de uma fraude, em 10 de Maio de 2007 deu ordem ao seu banco para cancelar a autorização para débito na sua conta das prestações inerentes a tal contrato de crédito, sendo que durante o mês de Maio de 2007 e durante o mês de Junho de 2007 remeteu ao C... comunicações a explicar toda a situação, pedindo que se considerasse sem efeito o contrato de crédito em causa, uma vez que não tinha adquirido à D..., Ldª nem um veículo de marca e modelo Audi A3 Diesel nem qualquer outro.

O C..., por cartas datadas, respectivamente de 25 de Maio de 2007 e 30 de Julho de 2007, acusando a recepção de tais comunicações respondeu-lhe, informando-o que o contrato se manteria activo.

O C... bem sabia, não podendo desconhecer, que entre o ora embargante e a D..., Ldª, não havia sido transaccionado qualquer veículo a cuja aquisição se destinaria o montante a financiar, pelo que não poderia subsistir o contrato de crédito em causa, bem sabendo, por consequência, que entre o ora embargante e o C... não havia qualquer acordo de preenchimento da livrança dada à execução. Ainda assim, não se absteve de preencher a livrança que dá à execução, o que fez abusivamente e em manifesta litigância de má-fé.[…]»[2] Alegou, ainda, que: - Foi em casa dos seus pais, na presença destes, do referido R... e da mulher deste, L..., os quais eram portadores da aludida documentação - que lhe disseram ser necessária para requerer o pretendido crédito bancário para financiamento de parte do custo do veículo automóvel -, que assinou esses documentos; - A data que em que assinou esses documentos foi anterior à data (12/02/2007) em que o C... deu como iniciado o contrato - cujo teor, como já acima se referiu, não lhe foi explicado e que se encontravam por preencher, designadamente, na parte do formulário respeitante às “condições particulares”, sendo que esse preenchimento só veio a acontecer posteriormente, no contexto de uma colaboração planificada entre o C... e a D..., Lda., sem que ele, embargante, tivesse qualquer intervenção na respectiva negociação; - O C... bem sabia, não podendo desconhecer, que à data em que o contrato de crédito em causa foi subscrito pelo ora embargante, não lhe havia sido entregue qualquer exemplar do mesmo; - Bem sabendo, igualmente, que quando o ora Embargante subscreveu esse contrato, não lhe foi lido nem explicado o respectivo clausulado, nem no que respeita às condições particulares, nem no que respeita às condições gerais.

Terminou assim o seu articulado: «[…]

  1. Deve o contrato de crédito n.º... que se junta como Doc. 3 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido ser declarado nulo, devendo a embargada ser condenada a tal reconhecer; Caso assim não se entenda, b) Deverá ser declarada a inexistência do contrato de compra e venda de um veículo automóvel cuja aquisição o contrato de crédito n.º... subscrito pelo ora embargante se destinava financiar e por consequência ser este declarado resolvido; c) Devendo, em qualquer um dos casos, ser declarado ilícito, por abusivo, o preenchimento da livrança dada à execução, e ser declarada a inexistência da obrigação exequenda, ou do título executivo ou ainda a ineficácia do mesmo; d) Devendo, por consequência, serem os presentes embargos julgados procedentes por provados, e declarada totalmente extinta a execução movida contra o embargante.

  2. Deve também a embargada ser condenada a devolver ao ora embargante a quantia de €336,52 que dele recebeu (por débito direto) a título de pagamento da primeira prestação do contrato de crédito em causa.

  3. Deve ainda a exequente, ora embargada, ser condenada como litigante de má fé, em multa e numa indemnização ao executado, ora embargante, que deverá consistir no reembolso de todas as despesas que já realizou e que irá realizar no âmbito e por causa do presente pleito judicial, incluindo os honorários da sua mandatária, nos termos conjugados no disposto na al. a) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 453.º do Código de Processo Civil. […]».

    2) - Os embargos foram recebidos, tendo o Embargado, na contestação aos mesmos, alegado, em síntese, que: - No âmbito da sua actividade, a pedido do ora Embargante, celebrou em 12-02-2007, o contrato de crédito n.º..., o qual visou custear a aquisição de um veículo automóvel de passageiros, usado, importado, da marca Audi A3 Diesel e no qual foi convencionado entre as partes o pagamento do valor mutuado em 48 prestações mensais e sucessivas no valor de 336,52€; - Uma vez que em causa estava um veículo importado, nunca poderia constar na descrição do veículo a sua matrícula; - Na data da assinatura do contrato, subscreveu o Embargante a livrança n.º..., que serviu de base à execução, sendo que os campos de preenchimento da referida livrança foram deixados em branco, para preenchimento futuro, caso se verificasse o incumprimento; - Efectuou o pagamento ao fornecedor, nos exactos termos em que o Embargante o solicitou, sendo que a livrança havia sido emitida à ordem da Embargada e entregue a esta, em caução e garantia do bom, integral e tempestivo pagamento de todas e quaisquer responsabilidades e obrigações assumidas no já mencionado contrato; - Uma vez que o Embargante não procedeu ao pagamento das quantias em dívida, em 24 de Janeiro de 2008, foi preenchida a correspondente livrança pelo valor de € 15.328,44; - o Embargante foi plenamente informado de todo o conteúdo do contrato de crédito, de todas as suas cláusulas, valores e condições, as quais lhe foram comunicadas e explicadas; - Foi respeitada a regra relativa à entrega de um exemplar ao consumidor no momento da respectiva assinatura, nos termos do artigo 6º n.º 1 do DL n.º 359/91, de 21/09.

    Terminou pedindo a improcedência dos embargos e a condenação do Embargante como litigante de má fé.

    3) - Foi proferido despacho saneador, indicou-se o objecto do litígio, bem assim como os temas de prova, elencando-se, assim, estes últimos: 1. Preenchimento das condições particulares do contrato de crédito n.º ...; 2.

    Comunicação e explicação ao embargante das condições gerais e particulares do contrato referido em 1.

    1. Entrega ao embargante de um exemplar do contrato referido em 1 no momento da sua assinatura.

    2. Ausência de declaração de vontade do embargante no sentido de adquirir à sociedade D..., L.da o veículo automóvel de passageiros Audi A3 Diesel, mencionado no contrato referido em 1, e, em consequência, de entrega ao embargante desse veículo.

    3. ...

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