Acórdão nº 2331/13.0TBVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução14 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: * A... intentou a presente acção comum contra a ré “B... , SA” pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de € 79.644,65, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação, quantia essa na qual contabilizou os danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos em consequência do acidente.

Alegou, em síntese: que foi vítima de acidente de viação que consistiu em despiste, na sequência de embate com cão de grande porte que se encontrava na via; que não logrou evitar tal embate, causado pela presença de canídeos na via, que integra a autoestrada concessionada pelo Estado Português à ré, e na qual é possível a penetração de animais, por se encontrar vedada de forma deficiente.

Contestou a ré, alegando, no essencial: que a vedação da via à data do sinistro se encontrava em boas condições, além de que as vedações em questão mereceram a prévia aprovação por parte do concedente (Estado Português); que os nós de entrada e de saída daquela infraestrutura viária não eram, nem são, vedados, sendo que a explicação mais plausível para a presença do animal na via é a da sua entrada através de um dos nós; assim, visto que a ré cumpriu devidamente o dever de vigilância e de patrulhamento da via, não lhe é imputável a presença do animal naquele local.

Pediu a improcedência da acção, por não provada.

A ré requereu ainda a intervenção principal provocada da “C..., SA – Sucursal em Portugal”, para quem, segundo alegou, havia transferido a sua responsabilidade civil decorrente de sinistros como os que estão em causa nos autos, mediante seguro facultativo, intervenção que foi admitida.

Também a interveniente apresentou contestação, confirmando a celebração do contrato de seguro invocado, esclarecendo que no mesmo foi convencionado que por cada sinistro participado, a ré suportaria uma franquia de € 5.000,00. Defendeu-se, ainda, por impugnação, considerando que no dia do acidente a ré cumprira o dever de vigilância que sobre si impendia, não lhe podendo ser assacada qualquer culpa no que à matéria da responsabilidade diz respeito. Concluiu também que a ação deveria ser julgada improcedente, por não provada.

Citado o Instituto de Segurança Social, Centro Distrital de Segurança Social de Viseu, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1º, nº 2 do DL 59/89, de 22 de fevereiro, deduziu o mesmo pedido de reembolso, solicitando a condenação da ré a pagar-lhe o montante de € 1.674,67, correspondente ao por si suportado em prestações correspondentes ao subsídio de doença liquidado ao autor, no período em que este ficou incapacitado para o exercício da sua atividade profissional em consequência do acidente em causa nos autos.

A ré contestou tal pedido de reembolso, considerando não lhe ser assacável qualquer culpa pela produção do sinistro, pugnando pela sua improcedência.

Foi realizada a audiência prévia, no decurso da qual foi proferido despacho saneador, em que foi afirmada a validade e regularidade da instância.

Foi ainda enunciado o objeto do litígio e os temas de prova, por despacho que não mereceu reclamação.

Após julgamento, foi proferida sentença que concluiu assim: “Pelo exposto, e decidindo, julgo parcialmente procedente a presente ação, e, em consequência: - condeno a ré “ B... ” a pagar ao autor A... a quantia global de € 33.024,88 (trinta e três mil, e vinte e quatro euros e oitenta e oito cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos à taxa legal de 4%, os quais serão contabilizados relativamente à quantia parcelar de € 8.524,88 (oito mil, quinhentos e vinte e quatro euros e oitenta e oito cêntimos) desde a data da citação da ré (29/7/2013 – fls 97), e sobre a quantia de € 24.500 (vinte e quatro mil e quinhentos) desde a presente decisão; - condeno a ré “ B... ” a pagar ao Centro Distrital de Segurança Social de Viseu a quantia de € 1.674,77 (mil seiscentos e setenta e quatro euros e setenta e sete cêntimos), acrescida de juros vencidos à taxa legal de 4%, desde a data da notificação da ré de tal pedido até efetivo e integral pagamento; Absolvo a ré do demais contra si peticionado pelo autor.

Custas da ação pelo autor e pela ré, na proporção do respetivo decaimento que depende de simples cálculo aritmético - cfr. artigo 527º, CPC.

Custas do pedido de reembolso pela ré.

Notifique e registe. “ Não se conformou, no entanto, a ré B... que da sentença interpôs recurso, formulando, a final da sua alegação, as seguintes conclusões: I. Quanto à matéria de facto, conclui-se que não andou bem a sentença do Tribunal a quo na apreciação da matéria de facto e concretamente no que se refere à resposta que deu aos factos provados nºs. 6.2, 6.7 e 6.10 e aos factos não provados correspondentes aos artigos 22º e 23º da contestação da R. que, de acordo com elementos constantes dos autos (mormente das transcrições efectuadas nestas linhas e designadamente das próprias declarações de parte), devia ter sido bem diferente e do seguinte teor: - 6.2 - provado que ao aproximar-se do Km 91,2, o autor avistou, à distância das luzes de estrada (máximos) do veículo, pelo menos um cão de grande porte que atravessava a via por onde o autor circulava, efectuando tal travessia do separador central para a berma (vide declarações de parte do A., especialmente entre os minutos 18m19s e 18m40s); - 6.7 - provado que o veículo do A. colidiu com o cão que efectuava o atravessamento da via, em local não apurado, mas anterior, considerando o sentido de marcha Mangualde/Viseu, ao Km 91,2, vindo a despistar-se após tal colisão, embatendo, de seguida, no separador central ao Km 91,2, sentido Mangualde/Viseu, e acabando por se imobilizar, depois ter capotado não menos de quatro vezes, em cima da linha longitudinal descontínua, a cerca de 60 metros do local de embate no separador central e a cerca de 37 metros do marco quilométrico 91,1, considerando uma linha perpendicular ao local do embate no separador central, nos termos documentados no croquis de fls. 24 (cfr. declarações de parte do A. e PAA); - 6.10 – não provado (porque pura e simplesmente, e como resultou da inspecção ao local e das fotografias juntas no seguimento desta, não é verdade que a vedação, junto à base do talude, tivesse 70 cm de altura e/ou que os respectivos postes tivessem 1,20 de altura); - artigos 22º e 23º da contestação da R. - provado que a vedação da A25, em toda a extensão do sublanço onde se situa o local do sinistro, e em ambos os sentidos de marcha, encontrava-se na data do sinistro em boas condições de segurança e conservação, não apresentando qualquer falha, ruptura, abertura ou anomalia de qualquer espécie (porque nenhuma evidência há que os funcionários da R., cujos depoimentos são transcritos nestas linhas, depuseram de forma “comprometida”, como, sem concretizar, avança a sentença); II. De referir que é manifesto que o Tribunal apoiou-se quase única e exclusivamente nas declarações de parte no tocante sobretudo à dinâmica do acidente (e ainda assim, como devia, não as considerou na sua totalidade, i. e., não considerou aquelas partes manifestamente desfavoráveis – ainda que sem noção disso da parte do declarante - aos interesses do A.), declarações essas que foram necessariamente parciais e não convencem, além do mais, quanto designadamente à dinâmica do acidente, posto que surgem desacompanhadas, como é o caso, de outros meios probatórios (cfr. o ac. da RP de 10.09.2015, tendo como relator Pedro Martins e respeitante ao proc. nº 6615/11.4TBVNG.P1, ac. esse, ao que se pensa, não publicado); III. Acresce dizer que não há nenhuma razão legítima e válida para que o Tribunal tivesse decidido pronunciar-se (ainda que negativamente) sobre os artigos 28º e 36º da contestação (estes por serem nitidamente conclusivos e directamente relacionados/interligados com os factos provados constantes dos pontos 6.40, 6.41, 6.42 e 6.43) e também sobre o artigo 24º da contestação da R. que consta igualmente dos factos não provados, dado que, quanto a este último, nem sequer de factos se trata, mas antes de mera hipótese, razão pela qual tal matéria deve ser eliminada do rol dos factos não provados. Dito isto, IV. À data dos factos estava em vigor a Lei nº 24/2007, de 18 de Julho (LN), lei esta que veio de uma vez por todas clarificar que os acidentes ocorridos em AE devem ser analisados e enquadrados (como já sucedia – ou, pelo menos, devia correctamente suceder - antes dela) no âmbito da responsabilidade extracontratual – é, de resto, essa (e não qualquer outra) a conclusão que se pode/deve tirar do disposto na Base LXXIII do Decreto-Lei nº 142-A/2001, de 24 de Abril e suas posteriores alterações; V. Ora, é verdade que com o advento da referida Lei se procedeu a uma inversão do ónus da prova (embora diferente daquele que impendia sobre os utentes da AE, não porque se trate de um ónus de prova de ausência de culpa, mas sim de um ónus positivo, de cumprimento das obrigações de segurança) que agora impende sobre as concessionárias de AE, assim se criando um regime especial e inovador para este tipo de acidentes, embora – insista-se – sempre filiado na responsabilidade extracontratual; VI. Todavia, e como bem se percebe do espírito e do texto da lei (dos nºs. 1 e 2 do artigo daquela LN), mas também do elemento histórico de interpretação (vide projecto de lei nº 164/X do BE), já não corresponde à verdade que com essa lei se tenha estabelecido uma presunção de culpa em desfavor das concessionárias, pois que se assim fosse a redacção do citado artigo 12º nº 1 seria seguramente outra, evidentemente mais próxima...

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