Acórdão nº 1288/11.7TBVIS-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Fevereiro de 2017
Magistrado Responsável | MARIA JO |
Data da Resolução | 07 de Fevereiro de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção): I - RELATÓRIO MV (…) e MC (…) vêm, por apenso à execução que contra si é deduzida por S (…) – Instituição Financeira de Crédito, S.A., deduzir oposição à execução mediante embargos de executado, Alegando em síntese, 1. Quanto à executada MC (…): desconhece o conteúdo e condições do contrato subjacente à emissão da livrança exequenda, as quais nunca lhe foram comunicadas, impugnando a própria livrança por ter sido apresentada apenas uma fotocópia; nunca lhe foi prestada qualquer informação acerca do contrato, designadamente esclarecendo-a quanto às suas características e eventuais obrigações decorrentes do seu incumprimento, desconhecendo, aliás, o que é uma livrança e quais os seus efeitos jurídicos; não lhe foi entregue qualquer cópia do contrato, sendo, assim, este nulo e, por maioria de razão, a própria livrança porque emitida na sua sequência; 2. Quanto ao executado MV (…): cumpriu todas as obrigações para si emergentes daquele contrato até junho de 2010, no valor global de 4.249,63€, tendo procedido à entrega do veículo à exequente no dia 1 de julho de 2010, com um valor comercial de 9 mil euros; na sequência de pressões do exequente, o executado veio ainda a proceder ao pagamento de mais 22 prestações no valor de 150€, num total de 3.300,00€.
Ante este quadro, entendem os embargantes que a exequente age em abuso de direito, pois que tendo em conta o valor do veículo (9 mil euros), as prestações pagas na vigência do contrato (4.249,63€) e as prestações entretanto pagas pela mãe/aqui embargante (3.300,00€) consideram nada dever à exequente, sendo o preenchimento da livrança abusivo e, portanto, a quantia nela aposta inexigível.
Concluem que, na procedência dos embargos, deve a execução ser extinta.
O exequente apresenta contestação alegando, em síntese: a embargante interveio no referido contrato na qualidade de avalista do mutuário, declarando que aceitava ser avalista e ter sido informada do montante da dívida bem como das cláusulas do contrato, que declarou conhecer e aceitar, autorizando, desde logo, que, em caso de incumprimento, a exequente poderia proceder à cobrança dos valores em dívida e à execução cambiária, preenchendo a livrança em conformidade; o mutuário aceitou estabelecer a favor da exequente reserva de propriedade sobre o veículo transmitido; dado que o mutuário não cumpriu com as suas obrigações, incumprindo o pagamento integral da 13.ª prestação, vencida em 28.01.2010, nem as subsequentes, em 08.06.2010 interpelou os executados para procederem ao pagamento das quantias em dívida, concedendo-lhes um prazo de 8 dias para a regularização das importâncias devidas, findos os quais consideraria a mora convertida em incumprimento definitivo; o veículo entregue no dia 01.07.2010 foi vendido pelo melhor preço conseguido de 4.800,00€, o qual foi deduzido à quantia em dívida; porque o valor da referida venda, depois de deduzidas as despesas com a mesma, não foi suficiente para liquidar o montante devido, procedeu ao preenchimento da livrança pelo valor em dívida de 15.561,59€, correspondente à soma e subtração dos seguintes valores: 1.510,81€ referente a prestações vencidas e não pagas, 17.224,65€ de prestações vencidas em virtude da resolução do contrato e respetivos juros moratórios e imposto de selo; 1.100€ a título de despesas de contencioso e 74,21€ referente a imposto de selo com o preenchimento da livrança; a estes valores foi subtraído 4.800€ do valor da venda do veículo e 250€ pagamento efetuado a 28.06.2010; já a presente ação se encontrava pendente quando foi contactada pela embargante a solicitar o pagamento da dívida em prestações mensais, o que foi aceite e no âmbito do qual foram pagas 24 prestações no valor global de 3.600,00€, do que já foi dado conhecimento nos autos principais a 11.06.2014; relativamente à violação do dever de comunicação, refere que nunca a embargante revelou qualquer dúvida e ou solicitou qualquer esclarecimento sobre o contrato, sendo certo que o contrato lhe foi facultado para leitura e análise; a embargante, enquanto avalista, não podia invocar quaisquer vícios de vontade perante a exequente, porque fora do âmbito das relações imediatas, na medida em que não é parte na relação subjacente; caso assim não se entenda, sempre considera que a embargante atua em abuso de direito pois que depois do incumprimento contactou a exequente no sentido de obter um acordo de pagamento em prestações ao abrigo do qual liquidou 24 prestações de 150€ cada.
Conclui pela improcedência dos embargos.
Realizada audiência final, foi proferida sentença a julgar os embargos improcedentes, determinando o prosseguimento da execução.
* Não se conformando com tal decisão, os embargantes dela interpõem recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões: (…) * A embargada apresentou contra-alegações no sentido da improcedência do recurso.
Cumpridos que foram os vistos legais ao abrigo do nº2 do artigo 657º CPC, cumpre decidir do objeto do recurso. *II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo –, as questões a decidir são as seguintes 1. Impugnação da matéria de facto.
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Nulidade por falta de entrega de um exemplar do contrato e falta de comunicação das cláusulas 3. Se a invocação da nulidade por parte da fiadora constitui um abuso de direito 4. Preenchimento abusivo.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO 1. Impugnação da matéria de facto (…) * A. Matéria de facto.
São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida, com as alterações aqui introduzidas na sequência da decisão proferida quanto à impugnação dos apelantes: 1) A exequente S (…)– Instituição Financeira de Crédito, SA deu à execução a livrança constante a fls. 58, no valor de 15.561,69€, com data de emissão em 2010.12.03, em Lisboa, com data de vencimento em 2010.12.24, onde figura como sacadora a exequente e subscritor o executado MV (…) 2) No verso da referida livrança e sob os dizeres: “bom por aval ao subscritor”, consta a assinatura da aqui embargante MC (…) – fls. 58/verso.
3) Mostra-se junto aos autos a fls. 31 um documento intitulado de contrato de crédito n.º642889, onde figuram como contraentes a exequente, como mutuante, o executado MV (…) como mutuário e a executada MC (…) e J (…) como avalistas.
4) Decorre de tal documento, além do mais que aqui se dá por integralmente reproduzido, o seguinte: “(…) Condições Particulares (…) Fornecedor do Bem: Stand V (...) de (…) (…) Descrição do Bem: Viatura ligeira, marca Seat, modelo Ibiza, 1.9 TDI FR, matrícula (...) XJ; Valor do Bem: 13.500,00 EUR (…) Taxa Nominal: 11,9998% (…) TAEG: 13.92%; Número de Prestações: 84; Periodicidade e Vencimento: Mensal postecipadas, com vencimento da 1.ª prestação em 28.01.2009; Montante das Prestações: 84 prestações fixas de 243,30 EUR (…) Total do Financiamento e Encargos: 20.658,20EUR; Garantias: livrança em branco subscrita por cliente, avalista e reserva de propriedade (…) Avalistas. Declaro (amos) que aceito (amos) ser avalista (s) do cliente (s) deste empréstimo e de ter sido informado (s) por este do montante da dívida a contrair, bem como das cláusulas deste contrato, que declaro (amos) conhecer e aceitar, avalizando, para o efeito, a Livrança de Caução em branco anexa ao contrato, podendo a S (…) – Instituição Financeira de Crédito, SA em caso de incumprimento do cliente, proceder à cobrança dos montantes em dívida e à execução cambiária no caso de incumprimento, para o que expressamente dou/damos o meu/nosso acordo que a S(…) a preencha, designadamente no que se refere à data de vencimento, local de pagamento e aos valores, até ao limite das responsabilidades assumidas pelo cliente perante a S (…), por força do presente contrato, e em dívida na data de vencimento, acrescidos de todos e quaisquer encargos com a selagem dos títulos (…) Lisboa, 4 de Dezembro de 2008” – fls. 31.
5) Esse documento mostra-se assinado por ambos os executados, o executado MV (…) na qualidade de cliente e pela executada MC (…), na qualidade de avalista, a par de J (…) que também o subscreveu na mesma qualidade de avalista – fls. 31.
6) Por conta do referido contrato, foi pago à exequente a quantia de 4.249,63€ entre fevereiro de 2009 e junho de 2010 e a quantia 3.600€, por conta do acordo celebrado posteriormente à resolução do contrato, num total de 24 prestações, entre março de 2012 e fevereiro de 2013.
7) Por cartas datadas de 08.06.2010, a exequente interpelou os embargantes para procederem ao pagamento do valor global de 1.615,03€ no prazo de 8 dias, sob pena de considerar o contrato n.º642889 resolvido – fls. 32 a 34.
8) O embargante entregou à exequente o veículo de marca Seat, modelo Ibiza, 1.9 TDI FR, matrícula (...) XJ, no dia 01.07.2010 – fls. 14/verso.
9) A exequente vendeu o veículo de marca Seat, modelo Ibiza, 1.9 TDI FR, matrícula (...) XJ, pelo preço de 4.800,00€ - fls. 34.
10) Por cartas datadas de 03.12.2010, a exequente interpelou os embargantes para procederem ao pagamento do valor global de 15.561,59€, aposto na livrança, até ao dia 24.12.2010, sob pena de imediata execução judicial – fls. 35/verso e 36.
11) Mostra-se junta aos autos a fls. 15/verso carta da exequente à embargante, datada de 15.02.2012, além do mais que se dá por reproduzido, com o seguinte teor: “Assunto – Acordo de Pagamento – Contrato de Crédito n.º642889. Exma. Senhora, Na sequência do que nos solicitou, cumpre-nos informar que a S (…) a título excecional aceita um acordo judicial de 60 prestações, nas seguintes condições: - 24 prestações mensais e sucessivas de 150,00€. Mais – 36 prestações mensais e sucessivas de 350,00€; - Início dos pagamentos: Imediato (…)”.
12) Mostra-se junta aos autos a fls. 35/verso fotocópia de um...
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