Acórdão nº 376/14.2T9VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelALCINA DE COSTA RIBEIRO
Data da Resolução16 de Fevereiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. RELATÓRIO 1.

    Nos autos de inquérito crime, em que é queixoso e assistente, A... , foi proferido despacho de arquivamento relativamente ao crime de falsificação de documento previsto e punido pelo artigo 256º, nº 1, al. d) e nº 3, al. a), do Código Penal e ao crime de falsas declarações previsto e punido pelo artigo 97º, do Código de Notariado.

    1. O assistente, não se conformando com o despacho de arquivamento referido em 1, requereu a abertura de instrução e pronúncia dos denunciados, B ... , C ... , D ... , E... , F... , G... e H... , pela prática dos crimes de falsificação de documento e de um crime de burla, previsto e punido, respectivamente, pelos artigos 256º, nº 1, al. d) e nº 3 e 153º, nº 1, do Código Penal.

    2. Finda a instrução, foi proferido despacho de não pronúncia dos arguidos, confirmando-se o sentido da decisão de arquivamento do inquérito.

    3. Inconformada, recorre a Assistente, extraindo da respectiva motivação as conclusões que se sintetizam: «1. O despacho recorrido omitiu a decisão fáctica não descrevendo nem especificando quais os factos do requerimento de abertura de instrução que se consideram suficientemente indiciados, por prova documental e/ou testemunhal, limitando-se a enumerar os que como tal não se consideram; 2. Só após tal enumeração, o tribunal a quo podia decidir se os factos indiciados eram ou não suficientes para sujeitar ou não os arguidos a julgamento pelos crimes imputados; 3. Tais omissões acarretam a nulidade do despacho de não pronúncia; 4. Quanto à matéria fáctica o tribunal a quo é muito parco e contraditório com a prova apresentada e não contrariada por nenhuma outra prova, limitando-se a referir que não se mostram indiciados determinados factos, não fazendo qualquer alusão à prova documental junta aos autos e à prova testemunhal produzida no debate instrutório; 5. O tribunal a quo não valorou a prova documental junta aos autos, designadamente, a carta que comprova a previa preparação de partilhas, os processos de liquidação de impostos sucessórios, onde constam os imóveis que seriam partilhados e que faziam parte do acervo patrimonial dos pais da arguida, B... , além de que estes documentos seriam suficientes para provar a ligação familiar e de hereditariedade com a arguida e seus filhos também arguidos, do conhecimento também dos restante arguidos intervenientes na escritura pública; 6. Perante a prova produzida, o tribunal deveria ter considerado que os arguidos tinham conhecimento de que os factos constantes da escritura de justificação notarial e do prévio edital eram falsos, e bem assim quiserem e tiverem intenção de que estes ficassem a constar em instrumento público e, com isso, prejudicar os restantes herdeiros, obtendo para si um enriquecimento ilegítimo, através dos factos astuciosamente provocados; 7. Nenhuma outra prova foi produzida que contrariasse a prova documental produzida; 8. O indeferimento da audição do assistente não contribui para o apuramento da verdade material; 9. A arguida, B... , quis fazer seus, através da escritura de justificação notarial, teve o firme propósito de obter o registo dos mencionados prédios a seu favor, antecipando-se ao eventual processo de inventário e partilha de bens, prejudicando assim os demais herdeiros de M... e N... , designadamente o assistente; 10. E, para assim, contou com a participação dos outros co-arguidos que, perante oficial público, confirmaram como verdadeiras as declarações que sabiam ser falsas.

    4. Apesar de alguma jurisprudência descriminalizar a prestação de falsas declarações perante notário, terá que se verificar, caso a caso, se estamos perante uma situação de dolo por parte dos arguidos, revelado na intenção de causar prejuízo aos restantes herdeiros, obtendo para si ou para outras pessoas, como os filhos, benefícios ilegítimos, o que se verifica no caso sub judice.

    5. A escritura pública é um documento falso, por o seu suporte ideológico – realidade que retrata – não corresponder à realidade factual.

    6. A arguida B ... e o Exmo. Senhor Procurador defendem a manutenção da decisão recorrida.

    7. Nesta Relação, o Digno Procurador – Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

    8. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre, agora, decidir.

  2. THEMA DECIDENDUM - Nulidade da decisão instrutória; - Reinquirição do assistente na instrução; - Indícios suficientes; III – A DECISÃO RECORRIDA A decisão instrutória objecto deste recurso tem o seguinte teor: «I. RELATÓRIO No âmbito dos presentes autos, findo o inquérito instaurado contra os denunciados, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento nos termos do disposto no art. 277.º n.º 2 do Código de Processo Penal (fls. 147-153).

    Inconformado com a decisão proferida, veio o assistente A ... requerer a abertura da instrução (fls. 183-199), onde pugna pela pronúncia dos arguidos B ... , C ... , D ... , E... , F... , G... e H... , pela prática dos seguintes ilícitos criminais: – um crime de falsificação de documento, p. p. pelo art. 256.º nºs 1 al. d) e 3 do Código Penal; e – um crime de burla, p. e p. pelo art. 217.º n.º 1 do Código Penal (a referência ao art. 153.º mais não é do que um lapso).

    * Foi declarada aberta a instrução.

    No âmbito da instrução, foram inquiridas três testemunhas indicadas pelo assistente.

    Foram juntos aos autos documentos.

    * Mantêm-se os pressupostos de validade e regularidade da instância.

    Procedeu-se à realização de debate instrutório com observância do legal formalismo.

    * Questão prévia/nulidade derivada da insuficiência de inquérito: Nos termos do art. 120.º n.º 2 al. d) do Código de Processo Penal, constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais, a insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.

    Acrescenta o seu n.º 3 al. c) que as nulidades referidas nos números anteriores devem ser arguidas, tratando-se de nulidade respeitante ao inquérito ou à instrução, até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito.

    No seu requerimento para abertura de instrução, afirma o assistente, nos pontos 55 e 56, que o inquérito padece de nulidade, uma vez que o Ministério Público “não cuidou de investigar convenientemente o sucedido e, principalmente, por distracção ou omissão, não fez correcta apreciação das provas.” Ora, com o devido respeito por diferente opinião, não se pode acompanhar este raciocínio, na medida em que foram ouvidas as pessoas que se reputaram de pertinentes para a descoberta da verdade. Por outro lado, o despacho de arquivamento do inquérito é claro nas suas razões e mais não é do que o resultado da ponderação e interpretação, de facto e de direito, que o Ministério Público fez da prova carreada para os autos – o assistente pode até discordar das conclusões a que chegou a investigação, sem que tal, parece evidente, constitua motivo bastante para eivar de nulidade o respectivo inquérito.

    Nesta medida, entende-se não existir qualquer insuficiência de inquérito, reservando-se para a presente fase de instrução a recolha de outros elementos de prova que, no entender do assistente, poderão conduzir a um despacho de pronúncia.

    Pelo exposto, julga-se improcedente a invocada nulidade.

    * Não se suscitaram nem verificaram outras excepções, nulidades ou questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa – cf. o art. 308.º n.º 3 do Código de Processo Penal.

    A instrução está encerrada.

    II.FUNDAMENTAÇÃO A. Considerações gerais A instrução é uma fase processual com carácter facultativo e que visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento – art. 286.º do Código de Processo Penal.

    Se até ao encerramento de instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos ou, caso contrário, profere despacho de não pronúncia, na certeza de que se consideram suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança – cf. os art.s 283.º n.º 2 e 308.º nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal.

    O juízo a formular caracteriza-se então por ser, simultaneamente, de ordem retrospectiva (um juízo a fazer da prova realizada em torno de factos passados), bem como de ordem prospectiva (suposição acerca da produção de prova a realizar em julgamento).

    O tribunal não pretende ser fastidioso na análise do que por “possibilidade razoável” se deverá entender, porque já muito se escreveu na nossa doutrina e jurisprudência sobre o tema, não deixando contudo de tecer umas breves considerações, sintetizando as três orientações que se podem respigar consoante o grau de exigência a formular: – há quem entenda que o arguido deve ser levado a julgamento quando há a possibilidade de o mesmo ser condenado, bastando-se assim com a constatação de que é possível a simples ou a mera possibilidade de o arguido ser condenado.

    – uma outra medida de indícios suficientes é aquela que se estriba na fórmula da possibilidade preponderante ou dominante da condenação, quase que assente num modelo estatístico, de que é mais provável a condenação do que a absolvição.

    – por último, subsiste a tese, mais exigente, de que só deverá ser proferido despacho de pronúncia contra o arguido, quando haja uma forte e séria possibilidade de a condenação do mesmo vir a ocorrer em fase de julgamento.

    A posição que recolhe os favores da...

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