Acórdão nº 1501/15.1T8GRD-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelPAULA DO PA
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra 1. Relatório A... intentou execução de sentença contra B... , no âmbito da qual requereu a penhora dos créditos que sejam devidos à executada provenientes do acidente de trabalho em que a mesma foi sinistrada, em relação ao qual corre termos o P. 756/16.9T9GRD.

Por despacho com data de 21/09/2016 (ref. 24546072), decidiu-se: «Fls. 28-32/ Referência 697957: De acordo com o artigo 78º da Lei dos Acidentes de Trabalho: “Os créditos provenientes do direito à reparação estabelecida na presente lei são inalienáveis, impenhoráveis, e irrenunciáveis e gozam das garantias consignadas no Código do Trabalho” [o sublinhado é nosso].

Indefere-se pois a requerida penhora de créditos.» Não se conformando com esta decisão, veio a exequente interpor recurso da mesma, finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões: […] Não foram apresentadas contra-alegações.

Admitido o recurso, os autos subiram ao Tribunal da Relação, tendo sido observado o preceituado no artigo 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da manutenção da decisão recorrida.

Não foi oferecida resposta ao parecer.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

* II. Objeto do Recurso É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).

Em função destas premissas, a única questão que importa decidir é a de saber se o crédito proveniente do direito à reparação do acidente de trabalho da titularidade da ora recorrida, na qualidade de sinistrada, é penhorável.

* III. Matéria de Facto A matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, para a qual remetemos, sem necessidade da sua repetição.

* IV. Direito A questão que importa dilucidar e resolver é exclusivamente de natureza jurídica e respeita, como já referimos anteriormente, em saber se o crédito proveniente do direito à reparação do acidente de trabalho da titularidade da ora recorrida, na qualidade de sinistrada, é penhorável.

Desconhecemos em que data terá ocorrido o alegado acidente de trabalho que vitimou a ora recorrida e, como tal, o específico regime legal que se lhe aplica (Lei 2127, de 3 de agosto de 1965, Lei 100/97, de 13 de setembro ou Lei 98/2009 de 4 de setembro).

Todavia, tal questão não é significativa uma vez que a norma que urge interpretar e que foi aplicada como justificação para o despacho que indeferiu a penhora tem-se mantido igual nos sucessivos regimes de reparação dos acidentes de trabalho no que concerne à consagração da natureza impenhorável, inalienável e irrenunciável do crédito proveniente da reparação de um acidente de trabalho [1].

O tribunal a quo considerou que atento o preceituado no artigo 78.º da Lei 98/2009, o crédito proveniente do alegado acidente de trabalho que vitimou a executada/recorrida é absolutamente impenhorável, indeferindo, assim, a requerida penhora do mesmo.

Alega a apelante que a norma em causa terá de ser interpretada com respeito pelo princípio ínsito no artigo 62.º da Lei Fundamental que comporta a proteção do credor à satisfação do seu crédito.

Analisemos a questão.

Na motivação do recurso, a apelante baseia a sua tese no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 14/04/2004, P. 479/04-1, acessível em www.dgsi.pt.

Escreveu-se no identificado aresto: «O artº 35º da Lei nº 100/97, reproduzindo ipsis verbis o que já dizia a Base XLI da Lei nº 2127, determina que os créditos provenientes dos direitos às prestações estabelecidas pela lei de acidentes de trabalho são impenhoráveis.

A decisão recorrida interpretou todavia este normativo à letra, sem atender aos ditames da restante ordem jurídica.

Mas tal interpretação sempre seria inaceitável, pois que tal norma, fixando em termos absolutos a impenhorabilidade dos bens a que se refere, contenderia pelo menos com o princípio ínsito no artº 62º da CRP, de que o direito do credor à satisfação do seu crédito é ainda manifestação.

Certo que em caso de colisão ou conflito entre o direito do credor a ver realizado o seu crédito e o direito fundamental ao percebimento das pensões emergentes de acidente de trabalho, opta a lei por sacrificar o direito do credor. Mas isto só na medida do necessário. Na realidade, só pareceria ser conforme à CRP uma interpretação que limitasse a impenhorabilidade de tais créditos ao quantum tido por razoavelmente necessário para a subsistência condigna do titular dos créditos (v. Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 4ª ed., pág 164). E isto vale integralmente para o caso da remição do capital, pois que também aqui estamos perante um direito de crédito, sucedâneo do direito de crédito ao recebimento periódico das pensões.

Acontece que, ciente de que normas como a que está em causa não seriam...

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