Acórdão nº 833/14.0TBACB.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução16 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] * 1 – RELATÓRIO “R (…), S.A.

” e “GRUPO R (…) SGPS, S.A.

” deduziram em 07.05.2014 (cf. fls. 39), com o valor de € 30.000,01, ação que denominaram de declarativa de simples apreciação contra “B (…) – Comércio Automóvel e Imobiliário, Lda.

”, sedeada em “L (...) , Leiria”, alegando, em síntese, que sendo elas AA. e M (…) detentoras de 50% do capital social da sociedade Ré, e MB (…) e sociedades por este controladas detentores dos restantes 50% desse capital social, sociedade essa que tem como gerentes os ditos M (…) e MB (…), sucedeu que este último assinou um documento denominado “Acta da Gerência nº1”, no qual se atesta que no dia 24.01.2014 reuniu a gerência da Ré na sua sede social, que terá deliberado a mudança da sede social para “E (...), Leiria Concelho: Alcobaça Freguesia: Turquel”, documento esse que é inteiramente falso por não ter ocorrido nenhuma reunião, sendo certo que com base na sua apresentação na Conservatória do Registo Comercial foi mudada a sede da sociedade, mas na medida em que a alegada deliberação da gerência é nula (nos termos dos arts. 294º e 295º do C.Civil, aplicáveis ex vi do art. 3º do C.Comercial), por havendo dois gerentes, terem os respetivos poderes que ser exercidos conjuntamente, o que não sucedeu ao ter o gerente MB (…) atuado sozinho, e nulo sendo igualmente o registo com base nela efetuado (art. 22º, nº1, al.a) do C.Reg. Comercial), devendo ser ordenado o seu cancelamento, nos termos e para os efeitos dos arts. 20º e 22º, nº3 do C.Reg. Comercial, termos em que concluiu no sentido de que devia a ação ser julgada provada e procedente e, em conformidade: «- ser declarada nula e de nenhum efeito a deliberação da gerência, de mudança da sede social da B (...) , documentada na “Acta Gerência nº 1” junta a esta p.i. (Doc. nº 2); - ser declarado nulo o registo de mudança de sede da B (…), LDA, correspondente à Insc. 3 AP 30/20140206 e com referência à matrícula NIPC (...) ; - ser determinado à Conservatória do Registo Comercial de Alcobaça que proceda ao cancelamento da inscrição da mudança de sede da B (…)LDA, correspondente à Insc. 3 AP 30/20140206 e com referência à matrícula NIPC (...) .

» * Citada a Ré, veio a mesma apresentar a sua contestação a fls. 41, através da qual, em via de exceção, começa por deduzir a exceção de “preterição dos meios intra-societários de impugnação”, pois, no seu entendimento, só uma deliberação da assembleia geral dos sócios poderia, posteriormente, ser impugnada judicialmente, donde devia a impugnação da deliberação da gerência ter sido necessariamente submetida ao escrutínio dos sócios, em assembleia geral, prosseguindo por, em via de impugnação, sustentar, em síntese, que a reunião da gerência foi devida e regularmente convocada, e veio a ter lugar apesar da falta do gerente M (…), o qual voluntariamente não compareceu, sendo que nessa reunião veio a ser deliberado pelo único gerente que compareceu (o dito MB (…) o que carecia de ser feito, tendo ele poderes para tanto, termos em que concluiu pugnando pela improcedência da ação por não provada, com a consequente absolvição da Ré dos pedidos. * Na Audiência Prévia, foi proferido despacho que julgo verificada a referenciada exceção dilatória inominada e, consequentemente, absolveu-se a ré da instância, declarando-a extinta, tudo nos termos do disposto nos artigos 576º, n. 2, 577º, ambos do Código de Processo Civil.

* Por acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra de 8 de Setembro de 2015 (cf. fls. 140-144) veio a apelação das AA. – do mencionado despacho - a ser julgada procedente, e aquelas (sócias) admitidas a impugnar direta e judicialmente a deliberação do órgão de gestão da sociedade requerida com a consequente determinação de que “(…) a ação deve prosseguir para a 1.ª instância com a instrução dos autos que se revele necessária e imprescindível à sua boa decisão (com referência aos fundamentos de nulidade invocados), ou decisão de mérito sem mais.” * Em cumprimento deste acórdão, e após possibilitar a audiência contraditória das partes quanto à questão da competência do Tribunal, em despacho saneador proferido na imediata sequência, decidiu-se no sentido da competência, em razão da matéria, do Tribunal e do Comércio, e bem assim, com o sentido de sentença de mérito, que a deliberação em causa devia ser considerada nula/ineficaz face à violação de normas imperativas do regime de vinculação das sociedades por quotas com gerência plural -conjunta, sendo o registo correspondente susceptível de cancelamento com fundamento em decisão transitada em julgado (art. 20º do C.Reg. Com.), o que tudo se traduziu no seguinte “dispositivo”: «Pelo exposto julga-se a presente ação declarativa comum instaurada pelas coligadas sociedades R (…) S.A e Grupo R (…), SGPS contra a sociedade B (…) Lda procedente, por provada, e em consequência (i) declara-se nula a deliberação em singular tomada pela gerência da sociedade requerida que se mostra materializada na “Acta Gerência nº 1”, datada de 24.01.2014, de mudança da sua sede, por violação de normas imperativas que impunham deliberação por maioria dos gerentes em exercício ou por eles ratificados, no que a Ré vai condenada a reconhecer, e (ii) consequentemente ser assim cancelada a inscrição promovida na matrícula da sociedade requerida pela Ap.30 de 2014.02.06.

Custas pela sociedade requerida (art.527.º n.º 1 e 2 do CPC).

Valor da ação: 30.000,01 €.

Registe e notifique.» * Inconformada com esta sentença, apresentou a Ré recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: (…) * Apresentaram, por sua vez, as AA. as suas contra-alegações, das quais extraíram as seguintes conclusões: (…) * Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso – sendo certo que no despacho de admissão do mesmo foi-lhe fixado o efeito suspensivo (cf. fls. 317) – cumpre apreciar e decidir.

* 2 – QUESTÕES A DECIDIR: o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões do recuso da Ré/recorrente que no mesmo foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 635º, nº4 e 639º do n.C.P.Civil – e, por via disso, as questões a decidir são: - qual dos tribunais/secções – cível (da instância central) ou tribunal/secção de comércio – é competente, em razão da matéria, para julgar a acção (incompetência material das Secções de Comércio)?; - impossibilidade de impugnação directa de deliberações do órgão de gerência?; - desacerto na decisão de mérito igualmente suscitada pela Ré/recorrente, por considerar válida a deliberação da gerência de 24.01.2014 e, consequentemente, o registo da alteração de sede da sociedade Ré inscrito na matrícula da sociedade (inexistência de nulidade da deliberação da gerência e inexistência de nulidade do registo) [sub-questão da violação do disposto no art. 595º, nº1 al. b) do n.C.P.Civil (no processo não estavam ainda reunidos elementos suficientes para proferir uma decisão de mérito de acordo com as várias soluções jurídicas possíveis)].

* 3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Os factos a ter em conta para a decisão são os que decorrem do relatório supra, e bem assim os que foram alinhados na decisão recorrida (os quais não foram expressamente impugnados no recurso interposto), a saber: 1. A sociedade B (…), Comércio Automóvel e Imobiliário, Lda., pessoa coletiva com contribuinte fiscal n.º (...) , é uma sociedade por quotas com sede na E (...) Turquel, que tem por objeto social o comércio e o aluguer de veículos automóveis, compra e venda, revenda e arrendamento de imóveis, que se mostra descrita na Conservatória do Registo Comercial sobre o mesmo número de matrícula.

  1. Obrigando-se pela assinatura de um dos seus gerentes.

  2. O seu capital social no valor de 100.000,00 € conheceu as seguintes vicissitudes: 3.1. Com a sua constituição foi repartido pela sociedade T (…), LDA, que ficou titular de uma quota no valor de 50.000,00 € e pela B (…)LDA, titular de uma quota de 50.000,00 €.

    3.2. Em 02.03.2012, foi registada a aquisição pela R (…) S.A da quota de 50.000,00 € detida pela B (…), LDA.

    3.3. Em 18.02.2013 (i) foi registada a aquisição pela B (…) LDA de uma quota no valor de 24.500,00 €, resultante da divisão da quota detida pela R (…), S.A.; (ii) foi registada a aquisição, por MB (…), de uma quota no valor de 1.000,00 €, resultante da divisão da quota detida pela R (…)S.A; (iii) foi registada a aquisição pelo GRUPO R (…) SGPS, S.A de uma quota de 24.500,00 € resultante da divisão da quota detida pela T (…) LDA; (iv) foi registada a aquisição por M (…) de uma quota de 1.000,00 €, resultante da divisão da quota detida pela T (…), LDA.

  3. Sendo aqueles os únicos detentores do capital social da sociedade requerida á data da instauração da presente ação a 07.05.2014.

  4. Mostra-se publicada no portal da justiça uma convocatória datada de 17.01.2014, referente à sociedade requerida, subscrita pelo seu gerente MB (…), pelo qual aquele convoca o (co)gerente M (…) para uma reunião da gerência a ter lugar no dia 24.01.2014, às 15 horas, na sede social da requerida, tendo como único ponto da ordem de trabalhos a alteração da sede social do lugar P (...) Leiria, para a E (...) Turquel.

  5. Por referência àquele dia e hora mostra-se lavrado uma “ata de gerência n.º 1” pela qual o único gerente presente, MB (…), aprovou aquela ordem de trabalhos e fez inscrever a mudança de sede da sociedade requerida na Conservatória do Registo Comercial de Alcobaça (AP. 30 de 06.02.2014).

  6. O pacto social da sociedade requerida, melhor documentado a fls.53-5, cujo teor dou aqui por integrado, prevê no seu artigo primeiro número dois que “por deliberação da gerência a sede social poderá ser deslocada dentro do mesmo concelho ou para concelho limítrofe” e no seu artigo sétimo número dois que “a sociedade vincula-se pela assinatura de um gerente, à exceção das matérias referentes à venda de imóveis, para o que é necessário a intervenção de dois gerentes.”...

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