Acórdão nº 198/15.3GCACB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução17 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Alcobaça – Instância Local – Secção Criminal – J1, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal singular, das arguidas A... e B...

, ambas com os demais sinais nos autos, imputando-lhes a prática, em co-autoria material, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º, nº 1 e 218º, nºs 1 e 2, c), ambos do C. Penal.

A ofendida e demandante C... deduziu pedido de indemnização civil contra as arguidas, com vista á sua condenação no pagamento da quantia de € 12.270, por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da decisão e até efectivo e integral pagamento.

Por despacho proferido na audiência de julgamento de 10 de Outubro de 2016 [acta de fls. 226 a 229], foi comunicada às arguidas uma alteração da qualificação jurídica, que passou a ser feita pelo crime de extorsão, p. e p. pelo art. 223º, nº 1 do C. Penal, tendo o Ilustre Mandatário das arguidas manifestado a sua discordância quanto a tratar-se de alteração não substancial de factos e requerido a faculdade de usar de novo da palavra para alegações, o que foi deferido.

Por sentença de 10 de Outubro de 2016 foram as arguidas absolvidas da prática do imputado crime de burla qualificada e condenadas, pela prática, em co-autoria material, de um crime de extorsão, p. e p. pelo art. 223º, nº 1 do C. Penal, cada uma, na pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período, com regime de prova, condicionada à observância de determinadas regras de conduta e à obrigação de pagamento à demandante, até ao termo de cada período de seis meses da suspensão, da quantia de € 500, no total de € 1.500, por conta do valor atribuído pela via do pedido de indemnização.

Mais foram as arguidas condenadas, solidariamente, no pagamento à demandante civil, da quantia € 9.520, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento.

* Inconformadas com a decisão, recorreram as arguidas, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: 1. Para verificarmos o crime de extorsão ou a violência devia ser apta ao mesmo, ou o constrangimento ser suficientemente relevante para que se considerasse o receio provocado na ofendida; 2. Se por um lado entendemos que o abanar os braços não é violência apta à extorsão, mais ainda entendemos que essa violência que se esgota no acto de abanar os braços da ofendida não se possa protelar no tempo de modo a que a Assistente levante dinheiro dias mais tarde em virtude de lhe terem abanado os braços antes; 3. Ou seja, por as arguidas abanarem os braços da Assistente a uma terça-feira, não é essa violência apta a que por exemplo a Assistente vá levantar dinheiro da sua conta bancária na segunda-feira seguinte! 4. Já o constrangimento, tem de ser apto a provocar um receio, não sendo esse constrangimento protelável de per si no tempo, tal como a violência de abanar os braços! 5. Alguns telefonemas feitos pelas arguidas dias depois não são aptos a protelar um constrangimento quando a Assistente não via e não sabia se voltaria a ver as arguidas.

  1. Para que existisse o crime de extorsão, a violência teria que ser actual (o que não sucedeu na maioria das situações e nem assim resulta da factualidade dada como assente), como o constrangimento tinha de ser idóneo a provocar o receio (o que igualmente não sucede atendendo à factualidade dada como provada); 7. Veja-se que o “atemorizar” a Assistente de que a filha pode vir a ter algum problema de saúde (que não dependeria das arguidas) não é um acto apto ao constrangimento necessário à extorsão (ponto 18 factos dados como provados); 8. Igualmente, veja-se que “o temor pela reacção das arguidas face a uma eventual recusa” não é igualmente um acto de relevo (ponto 19 dos factos dados como provados), pois aquilo que haveria de ser ponderado seria a coacção perpetuada pelas arguidas e não o receio da Assistente em não agradar as arguidas; 9. Veja-se ainda que, se atentarmos à sequencia dos art.º 10º e 11º e na sequencia dos art.º 24º e 25º da factualidade dada como assente, temos que as arguidas disseram à Assistente que a filha daquela tinha problemas que apenas seriam resolvidos se certos bens fossem benzidos para que ela se curasse (o que não denota em si um constrangimento porque qualquer mal que pudesse suceder não resultaria da acção directa das arguidas mas do facto de a filha da Assistente necessitar de tratamento espiritual) – art.º 10º e 24º da factualidade provada – ficando a Assistente “amedrontada” (art.º 11º factos provados) e “assustada” (art.º 25º da factualidade dada como provada) por aquilo que poderia suceder à sua filha na falta do dito tratamento, não resultando que tenha ficado amedrontada ou assustada no sentido do que as arguidas pudessem fazer à sua filha, ou pelo menos assim não resultando da factualidade dada como provada; 10. De toda a factualidade dada como provada nem se alcança qual o receio em concreto que as arguidas colocaram à ofendida! 11. Enferma assim a douta sentença de que ora se recorre do vício da al. a) do n.º 2 do art.º 410º do Cód. Processo Penal; 12. Atente-se que não obstante o princípio da livre apreciação da prova, não pode o mesmo prevalecer à ausência de prova ou à prova em sentido contrário; 13. Ora, o Constitucional princípio do in dubio pro reo é aplicável não apenas quanto à questão da culpabilidade ou não, do cometimento ou não da prática de um crime, mas também a qualquer outra questão que da prova produzida em sede de audiência de julgamento possa surgir com razoabilidade e que possa beneficiar o arguido; 14. Não podendo como se disse o princípio da livre apreciação da prova se sobrepor à falta de prova para o apuramento de uma concreta questão; 15. Devem as penas aplicadas se graduarem próximas do seu limite mínimo, até atendendo à sua modesta condição social, cultural e económica e inserção social para atribuição da medida da pena; 16. Bem como à sua total ausência de antecedentes criminais; 17. Não havendo noticia de qualquer processo anterior a estes factos, e não havendo qualquer condenação por factos posteriores; 18. A medida da pena deve ser atribuída em função da culpa do agente, sob pena de se violar o disposto no 1 e 2 do art.º 40º e n.º 1 do art.º 71º, ambos do Cód. Penal; 19. Sendo excessivas as penas aplicadas às recorrentes, atendendo à sua modesta condição social, cultural e económica e inserção social, bem como à sua total ausência de antecedentes criminais e não havendo notícia de qualquer processo anterior a estes factos nem havendo qualquer condenação por factos posteriores; 20. Sem prejuízo da improcedência do pedido de indemnização cível; 21. E não devendo ficar as suspensões das penas sujeitas ao pagamento de quantias pecuniárias à Assistente, pois isso não apenas desvirtua a finalidade do pedido de indemnização cível mas também poderá colocar as arguidas na contingência de cumprimento da pena de prisão caso se venha a verificar não conseguirem as mesmas pagar tal quantia monetária, até porque não pode ser expectável que as arguidas vão delinquir para obter proventos a fim de pagar a indemnização com vista a evitar o cumprimento da pena de prisão; 22. Violados se revelam, em consequência, salvo melhor opinião, os preceitos legais invocados nas presentes alegações de recurso.

    Nestes termos e nos mais de direito, deve ser julgado procedente o presente recurso, assim se fazendo … … JUSTIÇA! * Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público, alegando que os factos provados preenchem todos os elementos do tipo do crime de extorsão, por cuja prática foram as recorrentes condenadas, pelo que a sentença recorrida não enferma do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, que as penas não podem ser graduadas próximo do mínimo legal, atentos o valor do prejuízo causado, as características da personalidade das recorrentes e as exigências de prevenção geral, que é conveniente a suspensão da prisão condicionada à satisfação de deveres de natureza pecuniária, e concluiu pelo não provimento do recurso.

    * Respondeu também ao recurso a ofendida e demandante civil, afirmando a suficiência dos factos provados para a decisão proferida e consequente verificação do crime de extorsão, a inexistência de desrespeito de qualquer norma constitucional e concluiu pela improcedência do recurso.

    * Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, acompanhando a resposta do Ministério Público, afirmando a inexistência de vícios e da dúvida razoável que suportasse a aplicação do pro reo, e concluiu pela improcedência do recurso.

    * Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

    Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

    * II. FUNDAMENTAÇÃO Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

    Assim, atentas as conclusões formuladas pelas recorrentes, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são: - A incorrecta qualificação jurídica dos factos provados e suas consequências; - A excessiva medida da pena de prisão; - O incorrecto condicionamento da execução da pena de prisão.

    * Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim: A) Nela foram considerados provados os seguintes factos: “ (…).

  2. A demandante C... nasceu em 15 de Fevereiro de 1944.

  3. Tem como habilitações literárias o primeiro ano do ensino básico, correspondente ao que se designava...

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