Acórdão nº 225/12.6 GCSCD. C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelISABEL VALONGO
Data da Resolução17 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I - Relatório Pelo Tribunal Judicial da Comarca de VISEU - Instância Local de Santa Comba Dão – Sec. Comp. Gen. – J1, sob acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, os arguidos - A...., filho de (...) e de (...) , nascido a 19-06-1966, residente no (...) , Carregal do Sal, - B...., filho de (...) e de (...) , nascido a 25-09- 1974, residente na (...) , Carregal do Sal, - C...., conhecido por “ CC...”, solteiro, desempregado, filho de (...) e de (...) , nascido a 06.02.1980, residente na (...) , Carregal do Sal, - D...., filho de (...) e de (...) , nascido a 04.08.1986, residente em (...) , Tondela, - E... , solteiro, comerciante de sucata, filho de (...) e de (...) , nascido a 21.07.1958, residente na (...) , Tabua, Imputando aos arguidos A... , B... , C... e D... , a prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 204º, nº2 al. e) e 26º, todos do C.P E imputando ao arguido E... , a prática em autoria material de um crime de receptação, p. e p. pelo disposto no artigo 231.º, n.º 1 do C.P.

* Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença proferida a 11-07-2016, decidiu: “- Absolver os arguidos B... , C... e D... , da prática em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 204º, nº2, al. e), do Código Penal; - Absolver o arguido E... , da prática como autor material de um crime de recetação, previsto e punido pelo art. 231º, nº1 do Código Penal.

- Julgar totalmente improcedente o pedido de indemnização civil deduzido por F... , a fls. 248 e ss. e, consequentemente absolver do mesmo os demandados B... , C... , D... e E... .” * Foi ordenada a separação do processo em relação ao arguido A... - cfr acta da audiência de julgamento.

* Inconformada com a sentença dele interpôs recurso a assistente F... , concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1.

A recorrente discorda da decisão do Tribunal a quo que absolveu os arguidos B... , C... e D... , da prática em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 204º, nº2, al. e), do Código Penal; absolveu o arguido E... , da prática como autor material de um crime de receptação, previsto e punido pelo art. 231º, nº1 do Código Penal e julgou totalmente improcedente o pedido de indemnização civil deduzido por F... , a fls. 248 e ss. e, consequentemente absolver do mesmo os demandados B... , C... , D... e E... .

  1. O Tribunal a quo não fez uma correcta qualificação jurídico-penal dos factos carreados para os autos, na medida em que, com o devido respeito, a correcta subsunção dos mesmos levaria à condenação dos arguidos.

  2. A recorrente põe em causa o julgamento das alíneas a) a v) da factualidade dada como não provada, assim como o julgamento dos pontos 12 e 19 da factualidade dada como provada, na medida em que considera que a prova carreada para os autos, foi idónea a provar que a recorrente provocou os danos no veículo da assistente.

  3. A apreciação da prova feita pelo tribunal, que conduziu à matéria provada e não provada, com especial relevo para a apreciação da prova constituída pelos autos de reconstituição do crime, na sua conjugação com os demais elementos de prova produzidos, deveria merecer uma diferente conclusão.

  4. Considerou o tribunal recorrido, no que respeita à reconstituição do facto, que esta só teve lugar após a tomada de declarações aos arguidos, nessa qualidade e que a ser valorado na parte confessória era uma forma de ludibriar a proibição de prova pelo que não poderia ser atendido, nem valorado.

  5. Ora, o meio de prova previsto art. 150.º do CPP, tendo um valor de prova permitida em julgamento, com autonomia, pode contar com a colaboração do arguido e pode seguir-se à confissão deste. Tem ainda a vantagem de materializar e objectivar o carácter pessoal da confissão, prevenindo alterações de estratégia de defesa em audiência. (Simas Santos e Leal Henriques, no CPP anotado, 2.ª edição,1999,I Vol., pag.794).

  6. O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado a reconstituição do facto como um meio de prova autonomizado que não impondo a participação do arguido, não a exclui, quando este se disponha a participar, não estando os órgãos de polícia criminal que tenham acompanhado a diligência pode prestar declarações sobre o modo como decorreu e os termos em que decorreu. Tais declarações do arguido ou de outros intervenientes no acto não estão abrangidos na proibição do art.356.º, n.º7 do C.P.P. (Ac STJ de 5-1-2005, proc. n.º 04P#”/&, in www.dgsi.pt).

  7. No mesmo sentido se pronunciou o Supremo Tribunal, em, acórdão de 20-4-2006, proc. n.º 06P363, in www.dgsi.pt, especificando que os contributos verbais do arguido, para o modo como a reconstituição é feita, não se reconduz ao estrito conceito processual de declarações, por serem instrumentais em relação à recriação do facto. Mesmo que prestadas a solicitação de órgão de polícia criminal não são informações prestadas pelo arguido à margem do processo, nem conversas informais, pois que se destinam a esclarecer o auto de reconstituição, meio de prova previsto no art.150.º do CPP, de acordo com o mesmo acórdão.

  8. Não podia o tribunal recorrido considerar que o depoimento prestado pelos Cabos GNR, em audiência, não podiam ser valorados sob pena de estar a valorar um meio de prova proibido nos termos do art. 356.º, n.º 7 do CPP, nem por esta via desvalorizar o meio de prova dos autos constituído pelos autos de reconstituição, realizados nos termos do art. 150º do CPP.

  9. À luz das regras da experiência comum a realização de um auto de reconstituição, com contributos do arguido, sempre corresponderá a uma certa e determinada confissão a apreciar pelo tribunal de acordo com as regras do art. 127.º do CPP.

  10. Nos autos foram apresentados como meios de prova dois autos de reconstituição, a fls. 32 e segs. feitos com a colaboração do arguido C... .

  11. Tais autos foram confirmados e explicitados pelas testemunhas H... , I... , J... , em audiência. Nas transcrições que, seguidamente, se indicam.

  12. Da análise do auto de reconstituição, conjugada com o depoimento prestado pela assistente e com as declarações do arguido A... , verifica-se uma total coincidência com referido nos autos de reconstituição.

  13. Desse modo, da conjugação das diversas provas apresentadas em audiência, quer entre si, quer com as regras da experiência comum, evidencia-se a veracidade da reconstituição do crime efectuada pelo arguido, não estando o tribunal em presença de autos de reconstituição de factos que não ocorreram ou que não podiam sequer ter ocorrido.

  14. Por acórdão de 2-4-2008, proc. n.º 154/|06.1PBAVR, o Tribunal da Relação de Coimbra aceitou depoimentos de órgãos de polícia criminal que tinham recolhido declarações, cuja leitura não seja permitida, quando estes tenham também participado em auto de reconstituição e o depoimento se reporte a este meio de prova, pois que a participação do arguido no auto de reconstituição não envolve a repetição de declarações do arguido.

  15. Os autos de reconstituição, tendo sido legalmente realizados, nos termos do art. 150.º do CPP e não tendo sequer sido questionado pela defesa que os arguidos tivessem sido determinados “a participar por qualquer forma de condicionamento ou perturbação da vontade, seja por meio de coacção física ou psicológica, que se possa enquadrar nas fórmulas referidas como métodos proibidos enunciados no art.126.º do C.P.P.”. (Ac. STJ de 5-1-2005 atrás citado), não estamos perante provas que não sejam permitidas em audiência, nos termos dos artigos 355.º, n.º 2 e 356.º, n.º 1 al. b) do CPP.

  16. Os depoimentos das testemunhas, nomeadamenteOs depoimentos das testemunhas, nomeadamente os autos de reconstituição, bem como sobre a participação do arguido C... nos mesmos autos, não é uma forma de contornar ou de ludibriar a prova proibida.

  17. Ao valorar de forma diferente o Tribunal recorrido violou o que dispõem as referidas normas processuais penais e ainda o disposto nos artigos 150.º e 127.º do mesmo diploma legal.

  18. O tribunal na sua motivação apresenta um raciocínio que, ao fazer a apreciação das provas para obter os factos provados e não provados, exclui o valor dos autos de reconstituição por ter sido feito apenas após a tomada de declarações ao arguido, nesta qualidade, bem como do depoimento do elemento de polícia criminal que neles participou, o que, a ser valorado na parte confessória consubstanciaria uma violação de prova proibida.

  19. Não fez, a nosso ver, o tribunal uma correcta apreciação ou exame crítico da prova, sempre na conjugação dos autos de apreensão e dos autos de reconstituição com a globalidade da demais prova produzida, em violação as normas citadas em conjugação com o disposto nos art. 374.º, n.º 2 do CPP, sendo nula a sentença nos termos do art. 379.º, n.º 1 al. a) do diploma legal.

  20. Assim decidindo, impõe-se, ainda a seguinte consideração. Resulta do despacho de acusação, deduzida nos presentes autos, que foi imputado ao arguido D... um crime de furto qualificado, nos termos do artº 204 nº 1 al.e) do CP.

  21. Todavia, decorreu, inequivocamente, de toda a prova produzida em audiência de julgamento (e, igualmente, de toda a factualidade, indiciária, reunida em sede de inquérito) que os factos apontados ao arguido D... configuram a prática de um crime de receptação p. e p. no artº 231º nº 2 do CP, e não um crime de furto qualificado.

  22. Tal decorre, como se demonstrará, e desde logo, da confissão do próprio arguido, que menciona que comprou as colunas de destilação, em causa nos presentes autos, ao arguido E... .

  23. Nessa medida, sendo considerada nula a sentença proferida, como atrás peticionado, deverá proceder-se à alteração da qualificação jurídica do crime imputado ao arguido D... , sendo-lhe imputado um crime de receptação, p. e p. nos termos do art.º 231º nº 2 do CP, devendo proceder-se...

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