Acórdão nº 2440/13.6TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Maio de 2017
Magistrado Responsável | V |
Data da Resolução | 09 de Maio de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório M (…), com os sinais dos autos, intentou (em 18/05/2013) ação declarativa, ao tempo sob a forma de processo ordinário, contra T (…) também com os sinais dos autos, pedindo a condenação do R. a pagar-lhe a quantia de € 50.912,50, por enriquecimento ilícito, acrescida de juros de mora legais desde a citação e até integral pagamento.
Para tanto, alegou, em síntese, que: - tendo sido casada com o R., do qual se encontra divorciada (desde 19/10/2004), juntos construíram, na pendência do casamento, a casa de morada de família, em terreno doado a ambos, mesmo que registado apenas em nome daquele; - apesar de esse imóvel ser bem comum de ambos, foi vendido pelo R., em 30/07/2010, na pendência de processo de inventário, à revelia da A., pelo preço declarado de € 162.500,00, mas que terá sido superior, tendo o demandado lucrado com a venda, após liquidação do empréstimo bancário contraído, no quantitativo de € 101.825,00, assistindo à A. o direito a metade, à luz das regras do enriquecimento sem causa.
Contestou o R., defendendo-se por impugnação, bem como afirmando que a doação referida não foi aceite pela A., sendo que teria que ser realizada por convenção antenupcial, o que não ocorreu, determinando a sua invalidade, mais alegando que a moradia foi construída pelo R. em solteiro, encontrando-se concluída na data do casamento, pelo que é bem próprio deste, que pagou todas as prestações do empréstimo, sendo que, se o prédio, vendido pelo valor escriturado, fosse bem comum, então o R. seria credor da A. pelo valor da parcela de implantação, e concluindo pela improcedência da ação e pela condenação da A., como litigante de má-fé, em multa e indemnização, em montante a fixar pelo Tribunal.
Com dispensa da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, fixando-se o objeto do litígio e os temas de prova, sem reclamações.
Foi realizada a audiência final, seguida da prolação de sentença (datada de 03/08/2016), que decidiu de facto e de direito, julgando improcedente a ação, com consequente total absolvição do R..
Inconformada com o assim decidido, veio a A. interpor recurso, apresentando alegação, culminada com as seguintes Conclusões ([1]): (…) Foi apresentada contra-alegação, concluindo o Recorrido pelo bem fundado da decisão em crise e consequente improcedência total do recurso.
Este foi admitido como apelação, com efeito meramente devolutivo e subida imediata, tendo sido ordenada a remessa do processo a este Tribunal ad quem, onde foi mantido tal regime recursivo.
Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.
II – Âmbito do Recurso Sendo o objeto dos recursos delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo delimitado em sede de articulados – como é consabido, são as conclusões da parte recorrente que (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor e aqui aplicável (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([2]) –, está em causa na presente apelação saber ([3]):
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Se deve ter-se por verificada a invocada causa de nulidade da sentença (contradição/obscuridade); b) Se ocorre erro de julgamento em matéria de facto, devendo alterar-se as respostas negativas às al.ªs d) e e) do quadro fáctico julgado não provado; c) Se, por força dessa alteração fáctica, ou por razões de ordem jurídica, deve alterar-se a decisão de direito, em termos de procedência da ação (restituição de quantia recebida a título de preço da venda de bem comum, por força do instituto do enriquecimento sem causa ou por benfeitorias realizadas).
III – Fundamentação
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Nulidade da sentença Como visto, refere a A./Apelante que os fundamentos da sentença estão em oposição com a decisão, por o raciocínio do julgador (fundamentação) apontar para uma certa conclusão, mas a decisão (dispositivo) acabar por seguir noutro sentido, ocorrendo obscuridade (não é percetível o sentido da decisão) e até ambiguidade (a decisão admite mais de um sentido).
Cabia-lhe, por isso, argumentando sobre o tema, mostrar onde se encontram consubstanciados na sentença apelada aqueles vícios geradores de nulidade da mesma, o que devia ser feito mas conclusões da apelação, já que estas, como dito, definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso.
Na verdade, como se retira do disposto no art.º 639.º, n.º 1, do NCPCiv., cabe à parte recorrente, nas suas conclusões, indicar os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
Concluindo a Apelante pela nulidade da sentença por violação do disposto na al.ª c) do n.º 1 do art.º 615.º do NCPCiv., dispõe este preceito legal, desde logo, que é nula a sentença quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão”. Trata-se, por isso, de contradição resultante de a fundamentação da sentença apontar num sentido e a decisão seguir caminho oposto ou direção diferente ([4]), inserindo-se no quadro dos vícios formais da sentença, tal como elencados nos art.ºs 667.º e 668.º do anterior CPCiv.
([5]) – hoje art.ºs 614.º e seg. do NCPCiv. –, sem contender, pois, com questões de substância, que, como tais, já se prendem com o mérito, e não com o âmbito formal.
Cabia, pois, a tal Apelante sinalizar/sintetizar, nas suas conclusões, onde se encontra tal oposição/contradição, por forma a evidenciar o vício invocado.
Ora, a Apelante, no meio do seu acervo conclusivo de impugnação da decisão de facto, limita-se, na sede conclusiva, a invocar notória oposição/contradição – por, como dito, o raciocínio do julgador apontar para uma certa conclusão e a decisão seguir noutro sentido –, sem a especificar ou concretizar, de molde a apontar onde se encontra e em que se traduz.
E nem o antecedente corpo da alegação recursória esclarece onde se mostra consubstanciado esse eventual vício da sentença, já que, nesta parte, a alegação não diz mais do que a conclusão (cfr. fls. 192 v.º e 193 dos autos em suporte de papel), antes parecendo que a Apelante se situa, quanto a tal vício, no âmbito da impugnação da decisão de facto.
Tal postura da Recorrente, se dificilmente se compaginaria com a exigência de identificação nas conclusões das questões recursórias suscitadas (indicação concisa dos fundamentos do pedido recursivo, nos moldes previstos no art.º 639.º, n.º 1, do NCPCiv.), logo deixa a nu a falta de fundamentação recursória, posto que se invoca um vício da sentença mas não se mostra onde o mesmo se localiza nem em que se consubstancia em concreto, o que traduz não mais que um inconsequente inconformismo.
Acresce que a discordância perante o sentido da decisão, no concernente ao julgamento da matéria de facto, deve ser guardada para o quadro da impugnação da decisão de facto, sede onde deve ser apreciada, e não suscitada como invocação de qualquer contradição, ambiguidade ou obscuridade da sentença (cfr. conclusão 5.ª).
A ocorrer aquilo a que parece aludir a Apelante – se bem a interpretamos –, estaremos perante erro de julgamento, a apurar em sede de impugnação da decisão de facto, e não perante qualquer nulidade da sentença.
Donde que não se demonstre qualquer contradição/oposição, ambiguidade ou obscuridade com relevo em sede de nulidade da sentença.
Improcedem, pois, as conclusões da apelação em contrário.
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Impugnação da decisão de facto (…) C) Quadro fáctico da causa Após a alteração efetuada pela Relação, é a seguinte a factualidade julgada provada: «1- A autora e o réu casaram sem convenção antenupcial no dia 16 de Setembro de 2000.
2- No dia 19 de Outubro de 2004 a autora e o réu divorciaram-se por mútuo consentimento na Conservatória do Registo Civil de Leiria.
3- Na relação de bens apresentada na Conservatória do Registo Civil de Leiria para os efeitos referidos em 2, entre o mais, a autora e o réu fizeram constar o seguinte bem imóvel: Casa para habitação de rés do chão com 2 assoalhadas, cozinha, 1 casa de banho, despensa, águas furtadas com 2 assoalhadas e 1 casa de banho e logradouro, sita na Travessa (...) , lugar e freguesia de (...) , concelho de Leiria, com a área coberta de 149 m2 e descoberta de 1951 m2 inscrita na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artigo 2006 e descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob a descrição 780/19900403/ (...) , com o valor de 26.208,00 euros.
4- A autora e o réu instalaram no imóvel referido em 3 a casa de morada de família e aquando do divórcio a mesma foi atribuída ao réu até à separação de meações.
5- Por escritura de doação, outorgada no Primeiro Cartório Notarial de Leiria, no dia sete de Outubro de 1999 V (…) e mulher C (…) declararam doar ao seu neto, o aqui réu, que declarou aceitar, uma terra de cultura sita em (...) , freguesia de (...) , concelho de Leiria, inscrita na matriz predial rústica da respectiva freguesia sob o artigo 979, com o valor patrimonial de 2.420$00, descrita na Segunda Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o número 780/ (...) .
6- Na escritura referida em 5 mais declararam que esta doação se destina a entrar na futura comunhão conjugal do donatário quando casar com M (…) solteira, maior, residente na Rua Principal, (...) , Leiria, sendo que...
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