Acórdão nº 1420/16.4T8VIS-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução26 de Setembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Em 08.3.2016, Banco (…), S. A., instaurou, na Comarca de Viseu (Juízo de Execução), acção executiva sumária para pagamento de quantia certa contra J (…) e M (…), pretendendo obter o pagamento da quantia de € 94 849,57, correspondente à dívida de capital e juros de três contratos de mútuo com hipoteca que celebrou com os executados.

Sustada a execução e ante as vicissitudes e o circunstancialismo descritos no requerimento da exequente de 28.11.2016, esta pediu a realização da venda, nestes autos, de bem com penhora prioritária em processo de execução fiscal (e que não prosseguiu para a venda), distribuindo-se depois, sendo o caso, o produto da venda “pelos dois processos”, pretensão que lhe foi indeferida por despacho de 13.02.2017.

Inconformada, a exequente apelou formulando as seguintes conclusões: 1ª - O presente recurso vem interposto do despacho que indeferiu o prosseguimento dos presentes autos e o levantamento da sustação da execução, com vista à venda, na sua totalidade, do imóvel penhorado, face a existência de anterior penhora registada a favor da Fazenda Nacional, despacho que não poderá manter-se, por fazer incorrecta aplicação e interpretação dos art.ºs 6º, 547º, 743º e 794º do Código de Processo Civil (CPC), bem como por consentir numa inconstitucional interpretação do art.º 244º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT).

2ª - Nos presentes autos de execução por dívida com garantia hipotecária foi penhorado o imóvel hipotecado ao Recorrente, o qual constitui a habitação permanente dos executados e, portanto, a sua casa de morada de família.

3ª - A quota-parte, na proporção de ½, do imóvel encontrava-se já penhorada à ordem da Fazenda Nacional, pelo que o Recorrente reclamou créditos na correspondente execução fiscal (requerendo, a final, o prosseguimento dessa execução para a venda do imóvel em causa), dada a sustação da execução, quanto a essa quota-parte, nos termos do art.º 794º, n.º 1 do CPC.

4ª - A Lei n.º 13/2016, de 23.5, prevê que, no caso de penhora em execução fiscal de bem imóvel que corresponda a habitação própria e permanente do executado, não há lugar à realização da venda na execução fiscal, o que só não acontecerá quando o valor patrimonial dos imóveis for superior a € 574 000, o que não é o caso dos presentes autos - estas alterações viram-se plasmadas no art.º 244º do CPPT.

5ª - A nova lei e, em consequência, o CPPT, estabelecem um impedimento legal à venda dos imóveis que se encontrem nessas circunstâncias, estando o Recorrente, em face do exposto, numa situação de impasse, pois não pode obter quer pela via dos presentes autos, quer pela via dos autos em que reclamou créditos, o pagamento da dívida hipotecária (de elevado montante) na sua totalidade, ou pelo menos pela totalidade do valor do objecto da sua garantia hipotecária.

6ª - O que se revela altamente lesivo dos interesses do Recorrente – bem como dos próprios co-Executados, que têm visto penhorados os seus bens – uma vez que a presente execução está sustada quanto ao imóvel (rectius, sua quota parte) e na execução fiscal verifica-se um impedimento legal à realização da venda do bem hipotecado e penhorado, mantendo-se a penhora do Fisco apenas como mera garantia do crédito fiscal, sem quaisquer outras consequências processuais, pois a venda não se irá realizar.

7ª - Em Outubro de 2016, o Recorrente requereu o prosseguimento da referida execução fiscal para cobrança do seu crédito, mas sem êxito, não tendo as Finanças, até à presente data, se dignado responder ao aludido requerimento.

8ª - Por outro lado, nos presentes autos, requereu que o Tribunal, reconhecendo o impedimento legal à realização da venda nas Finanças, levantasse a sustação e ordenasse o prosseguimento da execução, por não se verificar o circunstancialismo do art.º 794º, n.º 1, do CPC (pendência de duas ou mais execuções dinâmicas sobre o mesmo bem), argumentando ainda que, dada a sempre necessária citação da Fazenda Nacional, esta não veria os seus direitos prejudicados pelo prosseguimento da execução.

9ª - O Tribunal recorrido indeferiu o requerido, numa estrita e literal visão da norma do art.º 794º do CPC, desconsiderando o caso concreto, permitindo assim uma inconstitucional interpretação do art.º 244º do CPPT, na medida em que consente que o Recorrente fique indefinida e infinitamente à espera de ver o seu crédito ressarcido, a sua garantia executada na totalidade.

10ª - O tribunal está dotado dos poderes (deveres) que lhe permitem adequar a tramitação dos autos de forma a obter a desejada celeridade processual e o melhor equilíbrio dos direitos e interesses em causa, podendo ultrapassar a situação de impasse que aquela norma causa e que se verifica nos presentes autos, por exemplo, oficiando o Serviço de Finanças em causa – caso entendesse existirem dúvidas quanto à suspensão das diligências de venda na execução – ou, desde logo, ordenando o levantamento da sustação, e o consequente prosseguimento dos autos para a venda da totalidade do imóvel penhorado, com a devida citação da Fazenda Nacional para reclamar os seus créditos, de modo a que também os direitos desta fossem cabalmente acautelados.

11ª - Pensamos não só nos deveres decorrentes do princípio da cooperação mas também, e essencialmente, no dever de gestão processual, consagrado no art.º 6º do CPC, e no princípio da adequação formal (art.º 547º do CPC), pois é por força destes dois últimos que o juiz deve adequar o processo, a sua tramitação, à sua mais célere e justa resolução.

12ª - Não vemos, pois, como o entendimento do Tribunal a quo contribui para que a tramitação do presente processo seja consonante quer com a celeridade, quer com a justeza desejadas - estamos perante verdadeiro impedimento legal à realização da venda na execução fiscal, o qual, naturalmente, importa assinaláveis e intoleráveis consequências na esfera jurídica do Recorrente, acrescidas pelo facto de o Credor Reclamante estar impedido de prosseguir com a execução fiscal, pois, nos termos do art.º 265º do CPPT, o apenso de verificação e graduação de créditos só prosseguirá se houver venda dos bens penhorados.

Está vedado ao Reclamante requerer o prosseguimento da execução e as diligências de venda.

13ª - Estabelece o art.º 794º do CPC que, sustada a execução por existência de penhora anterior, o exequente deve reclamar os seus créditos na execução à ordem da qual está registada a penhora mais antiga, ao passo que, contrariamente, o CPPT, no n.º 3 do seu art.º 218º, estabelece que “podem ser penhorados pelo órgão de execução fiscal os bens apreendido por qualquer tribunal, não sendo a execução, por esse motivo, sustada nem apensada”.

14ª - Esta última norma tem a sua origem no art.º 300º do anterior Código de Processo Tributário que estabelecia a impenhorabilidade dos bens penhorados em execução fiscal (“penhorados quaisquer bens pelas repartições de finanças, não poderão os mesmos bens ser apreendidos, penhorados ou requisitados por quaisquer tribunais”), que acabou por vir a ser julgado inconstitucional com força obrigatória geral, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 451/95, de 03.8.

15ª - O art.º 218º do CPPT, apesar de permitir ao credor Recorrente/exequente reclamar o seu crédito na execução fiscal, anula praticamente os direitos do credor, pois, ainda que reclame o seu crédito, se a execução fiscal se mantiver parada ou suspensa – como é o caso por força do impedimento legal – o Estado mantém a sua garantia, sem que o credor (que até tem hipoteca) possa, de algum modo, impulsionar o andamento daquela mesma execução.

16ª - O credor reclamante, neste caso credor hipotecário, não pode requerer o prosseguimento da execução fiscal em circunstância alguma - vê-se, portanto, numa situação de impasse (aparentemente inultrapassável), na medida em que o CPPT não prevê a possibilidade de a execução prosseguir por impulso do Reclamante em situação deste tipo, e nem se diga que, na ausência de previsão legal, valem subsidiariamente as regras do CPC, porquanto, não estando prevista na lei tributária a possibilidade de prosseguimento a requerimento de um qualquer credor reclamante, nunca as Finanças irão prosseguir com a execução...

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