Acórdão nº 21/14.6TAPCV-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelHELENA BOLIEIRO
Data da Resolução27 de Setembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório 1.

No processo comum singular n.º 21/14.6TAPCV do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Instância Local de Penacova – Secção de Competência Genérica – J1, o arguido A...

, com os demais sinais dos autos, foi condenado, por sentença proferida em 16-03-2015, pela prática, na forma continuada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 105.º e 107.º do RGIT, na pena de 300 (trezentos) dias de multa à taxa de 6,00 € (seis euros) por dia, o que perfaz a multa global de 1 800,00 € (mil e oitocentos euros).

Por despacho proferido em 17-03-2016, foi determinado que o arguido cumpra a prisão subsidiária de 182 (cento e oitenta e dois) dias, correspondentes à pena de multa aplicada e não paga, reduzida a dois terços.

  1. Inconformado, o arguido recorreu do referido despacho, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): “ 1ª O despacho, ora, posto em crise, fez uma errada aplicação do Direito, na prolação da pena de prisão subsidiária, em face do não pagamento da multa.

    2ª O Tribunal “a quo” postergou o “iter processual” entre o incumprimento do pagamento voluntário da multa e a promoção da pena de prisão subsidiária, ao prescindir da cobrança coerciva da multa no âmbito duma instância executiva, violando o comando do artigo 49º do CP, bem como, o artigo 491.º, n.º 1 do CPP.

    3ª A cobrança coerciva impõe-se num cenário de incumprimento do pagamento voluntário da multa, pois, só nessa sede se sindicará devidamente, da existência ou não de património para garantir o pagamento da multa. 4ª O Tribunal "a quo", ao não sindicar as razões dum precipitado palpite do naufrágio da execução, omitiu o dever mínimo de fundamentação do Despacho que bordou, silenciando matéria relevante para aferir da própria legalidade da conversão da multa, parcialmente, paga em prisão subsidiária.

    5ª O Tribunal "a quo" derrapou no princípio do contraditório e das garantias de defesa, ostracizando todo o lastro argumentativo erigido pelo arguido que clamava pela sua manifesta insuficiência económica e consequente impossibilidade de satisfação a pronto da pena de multa.

    6ª O Tribunal "a quo" foi, completamente, omisso na fundamentação para asseverar em despacho, como fez, que o arguido não padecia de insuficiência económica e que não havia motivo justificativo para a omissão do pagamento integral da multa.

    7ª A decisão omite, em absoluto, qualquer segmento de cabedal fáctico onde possa ancorar a tal capacidade económica que permitiu concluir não haver motivo justificativo para o não pagamento integral da multa, e que serviu de radícula para cercear, a liberdade ao arguido sendo, completamente, omissa no que tange a elencar um único facto, uma única suspeita, um único indício, para poder respaldar este juízo de ausência de motivo justificativo para o não pagamento integral da multa.

    8ª A decisão, ora, posta em crise, padece de Nulidade prevista no artigo 379°, n.º 1, alínea a) do CPP, que para os devidos efeitos aqui, expressamente, se invoca.

    9ª O Tribunal "a quo" omitiu, em absoluto, a pronúncia quanto à produção dos meios de prova requeridos pelo arguido, e que se avistavam essenciais para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, para mais, quando poderia estar em crise um bem fundamental como é a liberdade de alguém.

    10ª Ao abrigo do princípio do inquisitório, poderia e deveria o Tribunal "a quo" ter diligenciado pela produção de prova documental que confirmasse ou infirmasse a apregoada carência económica do arguido, nomeadamente, lançando mão dum expediente tão acessível, como a elaboração de um relatório social, e que foi completamente postergado. 11ª O despacho padece, do vício hipotizado no artigo 410°, n.º 2, alínea a) do CPP, que é de conhecimento oficioso, uma vez, que resulta do seu próprio teor a insuficiência para a decisão em afastar o motivo justificativo do pagamento parcial da multa, cotejada com a matéria de facto provada, que foi nenhuma! 12ª O despacho padece, ainda, da nulidade plasmada no artigo 379º, n.º 1, alínea c) do CPP, e que para os devidos efeitos, aqui, expressamente se invoca.

    13ª Resultam vítreas, ainda, as ofensas do despacho aos direitos fundamentais do arguido, com assento constitucional.

    • Assim, violou o Tribunal "a quo" o disposto no artigo 374° do CPP, quando interpretado no sentido tacitamente oferecido, de não incluir-se na estrutura da fundamentação do despacho toda a dimensão contraditória da hipótese apresentada pela Defesa e valoração crítica de todos os meios de prova não atendidos na decisão, bem como, a falta de narração crítica dos factos não provados, resvalando, claramente, para a margem do inconstitucional, por violação dos artigos 20°, 32°, n.º 1, e 205°, n.º 1 todos da CRP, imanentes dos princípios da garantia da tutela jurisdicional efectiva, desenvolvido nas garantias de defesa, onde se inclui o direito à prova nas garantias do processo criminal cuja inconstitucionalidade aqui se invoca para os devidos efeitos legais.

    • Violou, ainda, o artigo 49°, n.º 3 do CP quando interpretado no sentido oferecido, tacitamente, pelo Tribunal "a quo" que o direito à prova da razão do não pagamento da multa está na discricionariedade do Tribunal, isentando-se de expor os fundamentos para o seu afastamento, por violação dos artigos 20°, 32°, n.o1 e 5, 205°, n.o1 todos da CRP, e artigo 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, imanentes dos princípios da garantia da tutela jurisdicional efectiva e processo equitativo, desenvolvido nas garantias de defesa, onde se inclui o direito à prova nas garantias do processo criminal, cuja inconstitucionalidade aqui se invoca para os devidos efeitos legais.

    14ª Violou, assim, o Despacho em análise o plasmado nos artigos 49° do CP; 379°, n.º 1, alíneas a) e c) ambos do CPP e artigos 20°, 32°, n.º 1 e 5, 205°, n.º 1 todos da CRP, e artigo 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

    TERMOS EM QUE Nos mais de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.

    as deve dar-se provimento ao presente recurso e ipso facto:

    1. Revogar-se o Despacho recorrido.

    Assim, decidindo, farão V. Ex.

    as a costumada e recta JUSTIÇA”.

  2. Admitido o recurso, a ele respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público, apresentando as seguintes conclusões (transcrição): “1ª - O arguido A... foi condenado, por sentença datada de 16 de Março de 2015, na pena de 300 dias de multa à taxa de € 6,00 por dia, o que perfaz a multa global de € 1.800,00.

    1. - Por despacho datado de 17 de Março de 2016 determinou-se que o arguido cumprisse a pena de prisão subsidiária, de 182 dias de prisão, que correspondem à pena de multa aplicada e não paga.

    2. - O ora recorrente alheou-se por completo do andamento dos autos e, só apresentou um requerimento relativo ao cumprimento da pena aplicada, quando quase um ano decorrido após a sua condenação, se deparou com a possibilidade da conversão da pena de multa.

    3. - O arguido tinha à sua disposição, caso tivesse efectivamente assumido o desvalor da sua conduta, outras formas de cumprir a pena de multa aplicada, 'tal como requerer tempestivamente o seu pagamento em prestações ou a sua substituição por trabalho a favor da comunidade.

    4. - Todavia optou por ignorar a condenação sofrida e só lhe dedicar alguma preocupação quando se viu na iminência de cumprir prisão subsidiária.

    5. - A lei não faz depender a aplicação da prisão subsidiária da instauração de processo executivo, mas da impossibilidade de obter o pagamento coercivo.

    6. - Foi cumprido o princípio do contraditório, uma vez que o arguido foi notificado para se pronunciar acerca da promovida conversão da pena de multa em dias de prisão subsidiária e, só após ter carreado a sua posição aos autos, foi proferida decisão judicial.

    7. - O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão, explicitou as condições económicas actuais do arguido, explanando a sua convicção acerca da falta de pagamento da pena de multa ser imputável ao recorrente, uma vez que o mesmo, não fez uso dos mecanismos que a lei lhe confere, no prazo legalmente previsto.

    Pelo exposto, entendemos que negando-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida, farão, Vossas Excelências, como sempre JUSTIÇA!!”.

  3. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.° do Código de Processo Penal (doravante CPP), emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento uma vez que o recorrente tem razão na parte respeitante à falta de capacidade para o pagamento da...

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