Acórdão nº 1432/16.8T9PBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Setembro de 2017
Magistrado Responsável | MARIA JOS |
Data da Resolução | 27 de Setembro de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do Processo Comum Singular n.º 1432/16.8T9PBL do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Pombal – JL Criminal – Juiz 2, mediante acusação pública, foi o arguido A...
, melhor identificado nos autos, submetido a julgamento, sendo-lhe, então, imputada a prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 107.º, n.º 1, com referência ao artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, em conjugação com os artigos 30.º, n.º 2 e 79.º do C. Penal.
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Realizada a audiência de discussão e julgamento, por sentença de 24.03.2017, o tribunal decidiu [transcrição do dispositivo]: 1. Condenar o arguido A... , pela prática de um crime de abuso de confiança à Segurança Social, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 30º, nº 2 e 79º do Código Penal, e artigo 107º, nº 1, pro referência ao artigo 105º, nº 1, do RGIT, na pena de 110 (cento e dez) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros), o que perfaz o montante total de € 550 (quinhentos e cinquenta euros); 2. Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC`s e demais encargos do processo – artigo 8º do RCP e tabela III anexa.
(…) 3. Inconformado com a decisão recorreu o arguido, formulando as seguintes conclusões: I. No âmbito do presente processo vem o recorrente condenado pela prática do crime de abuso de confiança sobre a segurança social, p. e p. pelos artigos 107º, nº 1, com referência ao artigo 105º, nº 1, do RGIT, em conjugação com os artigos 30º, nº 2 e 79º, do Código Penal, porquanto no período compreendido entre outubro de 2010 e janeiro de 2012, não procedeu à entrega à segurança social dos valores retidos a título de contribuições e cotizações das remunerações pagas aos funcionários e gerentes da sociedade arguida I... , Lda., na pena de 110 dias de multa à razão diária de 5 €, correspondentes a 73 dias de prisão subsidiária.
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Ao contrário do que o arguido pugnou em sede de contestação, o Tribunal “a quo”, em questão prévia ao seu douto aresto, deixou entendido que os factos pelos quais vem agora condenado não integram a continuidade da conduta criminosa, pela qual foi julgado e condenado como autor do mesmo crime de abuso de confiança à Segurança Social, no âmbito do processo 694/11.1TAPBL, e respeitante ao período de novembro de 2009 a agosto de 2010, não sendo de aplicar ao caso o disposto no nº 2, do artigo 79º, do C.P.
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Entendeu o Tribunal “a quo” que a aferição do crime como continuado deve ser concretizada a um determinado lapso temporal que se finda com a dedução da respetiva acusação por referência aos factos conhecidos até àquele momento.
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O artigo 30º, nº 2, do CP impõe como únicos requisitos à aferição de um determinado crime como continuado, a realização plúrima de uma mesma conduta criminosa cuja punição fundamentalmente proteja o mesmo bem jurídico, que tal conduta seja executada de forma essencialmente homogénea e num quadro de uma solicitação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
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Requisitos esses cuja verificação se encontra demonstrada nos factos provados de ambas as sentenças.
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Não está assim imposto qualquer limite temporal ou qualquer ato processual interruptivo para a aferição de um crime como continuado.
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O entendimento demonstrado no despacho recorrido não tem assim qualquer acolhimento legal, nem mesmo doutrinal ou jurisprudencial.
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Por outro lado, o raciocínio de que a conduta criminosa continuada cessa com a ação do Ministério Público, esvaziaria de conteúdo o citado nº 2, do artigo 79º do C.P., já que a aplicabilidade de tal preceito pressupõe necessariamente o conhecimento posterior a uma condenação transitada em julgado (e naturalmente posterior à respetiva acusação) de condutas que integrem a continuação criminosa julgada.
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Por outro lado, este artigo 79º, nº 2 ao contrário do artigo 78º (para o concurso de crimes) não ressalva como condição à sua aplicabilidade que a nova conduta conhecida haja sido praticada “anteriormente àquela condenação”, circunstância da qual se extrai que tal conduta tanto pode ser anterior à primeira condenação, como posterior a ela, desde que integrante da continuação e quando conhecida posteriormente ao trânsito em julgado daquela condenação.
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Pelo que os factos imputados ao arguido nos dois processos integram a continuidade da uma mesma atividade criminosa que se iniciou em novembro de 2009 e cessou em janeiro 2012.
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Constituindo um só crime, continuado, de abuso de confiança contra a segurança social sujeito à disciplina decorrente do artigo 79º, nº 2, do C.P.
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Tal disposição legal, introduzida pelo DL 59/2007, de 04/09, veio consagrar o entendimento jurisprudencial maioritário segundo o qual, em respeito pelos princípios “in bis in idem” e do caso julgado, o conhecimento de condutas que integram a continuação, posteriormente ao trânsito em julgado da decisão condenatória, só terá lugar quando tal conduta assuma maior gravidade, situação em que a pena que for aplicável a essa conduta, por ser mais grave, substitui a pena anteriormente fixada.
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Desta disposição resulta também “à contrário” e por maioria de razão, que se as condutas posteriormente conhecidas não assumirem maior gravidade, a sua punição considera-se incluída (consumida) pela condenação anterior.
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Viola assim, à partida, o mencionado princípio, a condenação sofrida na sentença recorrida, na medida em que tal solução implica duas condenações (duas penas de multa) pela prática de um só crime, continuado.
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Deve a decisão impugnada ser revogada e/ou alterada, determinando-se que o crime pelo qual o arguido foi agora condenado integra a continuação do crime pelo qual foi julgado e condenado no âmbito do processo 649/11.1TAPBL e que a pena em que incorreu mostra-se, ao abrigo do artigo 79º, nº 2, do C.P., consumida pela condenação anterior.
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A decisão recorrida violou e/ou fez incorreta interpretação das normas constantes do artigo 30º, 78º e 79º, do Código Penal e 29º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, determinando-se que a pena aplicada ao arguido nos presentes autos se considera consumida pela condenação anterior.
JUSTIÇA 4. O recurso foi admitido, tendo-lhe sido atribuído efeito suspensivo.
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Ao recurso respondeu o Exmo. Magistrado do Ministério Público, concluindo: 1. A... interpôs recurso da sentença que o condenou pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelo artigo 107º, nº 1 e 105º, nº 1 do RGIT, prendendo-se a sua discordância não com a condenação em si, mas sim com uma questão prévia que colocou, pugnando pela aplicação aos autos do disposto no artigo 79º do Código Penal.
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Questão prévia decidida na sentença, mas que foi já alvo de ponderação semelhante anterior pelo Tribunal e MP, pelo que nada de novo existe em relação ao que já tinha sido alvo de pronúncia anterior.
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Pugnando o arguido, tanto quanto se alcança, pela simbiose completa dos processos n.º 694/11.1TAPBL, por factos semelhantes ocorridos entre Novembro de 2009 e Agosto de 2010, tendo estes autos julgado factos ocorridos entre Outubro de 2010 e Janeiro de 2012, e entendendo que deveria ter aqui aplicação o artigo 79º, nº 2 do CP, terminando com o pedido que estes factos sejam integrados como continuação do crime pelo qual o arguido foi já julgado e condenado no Processo referido, mostrando-se, no seu ver, a pena aqui aplicada consumida pela condenação anterior, não devendo estes factos ser alvo de qualquer pena.
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Sobre este artigo e posição do arguido o MP já se havia pronunciado quando o recorrente levantou a questão num âmbito errado de aplicação (cf. fls. 152 e seguintes dos autos, que aqui se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, reprodução na íntegra na motivação supra desta resposta).
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Este entendimento do MP também se encontra no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3 de Fevereiro de 2016, ao estabelecer que “I – As “condutas mais graves” referidas no n.º 2 do artigo 79º do Código Penal – versão da Lei n.º 59/2007, de 04-09 – são as que integram um tipo próximo do da condenação transitada (que proteja substancialmente o mesmo bem jurídico), mas com uma moldura penal mais severa. II – As condutas punidas pelo mesmo tipo legal, integrantes da continuação criminosa, que simplesmente revelem, no caso, um grau de ilicitude maior, ver-se-ão, nesta linha, consumidas pela condenação já transitada em julgado. III – Neste caso, não podem ser alteradas as penas aplicadas ao arguido na condenação anterior”.
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O tribunal também se pronunciou a fls. 157 e seguintes, entendendo que não havia lugar à aplicação deste artigo no caso concreto.
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Cremos que o raciocínio e leitura que o recorrente efetua sobre o artigo 79º do CP não está correto, levando, com essa leitura, a resultados intoleráveis e incompreensíveis, como sendo um completo benefício ao infrator que o legislador não quis, de todo, dar.
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Na verdade, ao pretender fazer a aplicação do artigo conforme o lê, inverte o seu sentido, já que quer a aplicação da pena anterior e não da que resultaria dos factos “novos”, sendo esta a substituir a anterior e não o contrário, levando aquele raciocínio a que metade do crime que integra a continuação (neste caso, os factos aqui em apreço) pura e simplesmente desapareçam, sejam abraçados pela condenação anterior, mas a pena ali aplicada permaneça intocada, como que se esquecendo e para nada interessando a “metade” do crime aqui em causa, que assim fica sem qualquer punição! 9. Tal resultado e leitura é manifestamente intolerável e não querido, por desprovido de sentido e lógica punitiva.
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A leitura que aqui é feita pelo MP vai também no sentido pugnado pelo Sr. Conselheiro Souto Moura, em estudo sobre “A JURISPRUDÊNCIA DO...
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