Acórdão nº 7471/15.9T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Setembro de 2017
Magistrado Responsável | LU |
Data da Resolução | 12 de Setembro de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] * 1 – RELATÓRIO “CONSTRUÇÕES C (…), L.
da”, sociedade comercial com sede no (...) Mira propôs acção declarativa com processo comum contra “T (…), L.
da”, sociedade comercial com sede no referido (...) , Mira, pedindo a condenação da ré a reconhecer que é ilegítima detentora do estabelecimento comercial denominado café O (...) , por nulidade do referido trespasse e a entregar à A. livre e desocupado, o rés-do-chão do prédio onde funciona, melhor identificado no artigo 2º da petição, bem como a pagar à A. a indemnização diária de 14,25 €, pela demora que a sua atitude ocasione à A., a partir do momento em que seja aprovado pela Câmara Municipal de Mira o projeto da nova construção que a A. ali pretende edificar.
Para fundamentar a sua pretensão alega que: - Adquiriu aos titulares da herança aberta por óbito de M (…) um prédio urbano, sito no referido largo (...) de Mira, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº 138 e inscrito na matriz predial da referida freguesia sob o artigo nº 6867.
- No rés-do-chão do identificado prédio funcionou durante muitos anos um estabelecimento de café, conhecido pela denominação de Café O (...) , de que, nos últimos tempos, foi rosto mais conhecido, até 2006, M (…) solteira, maior, residente em Mira.
- Em virtude de o ter adquirido, juntamente com A (…) por escritura de trespasse celebrada com F (…) e esposa A (…), a 11 de Agosto de 1983, no Cartório Notarial de Vagos. Doc. 5 - Trespasse esse que viria, depois, a ser ratificado e alteradas as cláusulas contratuais do arrendamento, através de termo de transação celebrado, aos 09/04/1985, na Ação de Despejo nº 90/84, que correu termos pelo extinto Tribunal Judicial de Vagos, em que foram autores (…) na qualidade de titulares da herança aberta por óbito de M (…), então indivisa e RR os trespassantes acima identificados e a A e referidos associados. Doc. 6 - Entretanto, os demais arrendatários foram cedendo, ao longo dos anos, a sua posição contratual à referida M (…) que, a partir dos anos 90 ficou sozinha a explorar o dito estabelecimento.
- Aos 24/04/2006, a mencionada M (…) e L (…) no Cartório do Centro de Formalidades de Empresas, em Coimbra, celebraram um contrato de constituição da sociedade a que deram o nome de “T (…), Lda”, aqui Ré. Doc. 7.
- A partir dessa altura a sociedade Ré passou a comportar-se como se dona fosse do dito estabelecimento.
- Porém, não foi celebrado qualquer documento que formalizasse o trespasse do estabelecimento da mencionada M (…), para a referida sociedade.
- Nem o dito estabelecimento fez parte do valor aportado por essa sócia para a constituição da dita sociedade.
- Pelo que o trespasse do estabelecimento é nulo por falta de forma.
* Devidamente citada a Ré, contestou alegando que a referida M (…)notificou os herdeiros a fim de exercerem direito de preferência no trespasse do estabelecimento comercial em causa e que este direito não foi pelos mesmos exercido. Mais alega que os mesmos herdeiros passaram a receber as rendas da sociedade ré, reconhecendo-a como beneficiária do trespasse apesar de este não ter sido formalizado por escritura pública. Além disso a herança notificou a ré para exercer o seu direito de preferência na venda. Finalmente alega que pagou à identificada M (…) € 60.000,00 pelo trespasse e realizou obras no estabelecimento cujo montante ascendeu a € 69.604,08.
Por isso conclui que, a julgar-se procedente os pedidos formulados pela A., o que não se concebe, deverá o pedido reconvencional ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser a A. Reconvinda condenada a pagar à R. reconvinte a quantia global de 129.604,08€uros (cento e vinte e nove mil seiscentos e quatro euros e oito cêntimos), acrescida de juros de mora legais desde a citação até efetivo e integral pagamento.
A autora replicou alegando que os titulares da herança terão acreditado que o trespasse se teria concretizado e foi nessa convicção que receberam rendas e notificaram a ré para eventual exercício do direito de preferência na venda.
* Em despacho pré-saneador (cf. fls. 142-147), foi julgada a Ré parte ilegítima e, por via de tal, absolvida da instância, e bem assim julgado extinto o pedido reconvencional por inutilidade superveniente da lide.
Na sequência imediata, requereu a Ré a intervenção provocada de M (…) solteira, maior, residente na Rua (...) Mira, contribuinte nº (...) , o que foi admitido ao abrigo do disposto no art. 261º do n.C.P.Civil (intervenção principal provocada do lado passivo), considerando-se renovada a instância extinta.
* Veio, subsequentemente, a ser proferido despacho saneador, afirmando-se a verificação tabelar dos pressupostos processuais (designadamente a legitimidade das partes verificada a intervenção na causa de M (…)), determinado o objeto do litígio e elencados os temas de prova sem quaisquer reclamações.
Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais, conforme consta da respectiva ata.
Na sentença, considerou-se, em suma, que face à factualidade apurada, importava concluir no sentido de que, sendo certo que a invalidade do trespasse e a sua ineficácia em relação ao senhorio são fundamento da resolução do contrato de arrendamento relativa ao local onde está instalado o estabelecimento trespassado, sucedia que, por força do disposto no art. 1049º do C.Civil, o locador não tinha direito à resolução do contrato se tivesse reconhecido o beneficiário da cedência como tal, pelo que, independentemente de os primitivos senhorios terem agido no convencimento de que, de facto, havia sido celebrado um válido contrato de trespasse com a nova arrendatária, reconheceram esta nessa qualidade, donde, não podia agora a Autora, que sucedeu na posição dos primitivos locadores, vir opor à locatária a invalidade do trespasse, termos em que improcedia a acção, e ficava prejudicado o pedido reconvencional, o que tudo se concretizou no seguinte concreto “dispositivo”: « DECISÃO Pelo exposto, julgo a ação totalmente improcedente por não provada e em conformidade, absolvo a ré do pedido, ficando prejudicada a apreciação do pedido reconvencional.
* Custas da ação a cargo da autora (artº 527º, nº 1 e 2 do CPC) e da reconvenção a cargo da ré.
Registe e notifique.» * Inconformada com essa sentença, apresentou a Autora recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: (…) * Contra-alegou a Ré, extraindo do respetivo articulado as seguintes “conclusões”: (…) * O Exmo. Juiz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida devidamente instruído.
Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
* 2 – QUESTÕES A DECIDIR: o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 635º, nº4 e 639º do n.C.P.Civil – e, por via disso, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, as questões são: - desacerto da decisão de improcedência da acção, fundada na aplicação do art. 1049º do C.Civil, na medida em que este normativo apenas retira ao locador o direito de resolver o contrato quando tenha reconhecido o beneficiário da cedência como tal, o que não ocorreu na situação dos autos, atento o facto “não provado” retirado do art. 12º da contestação? - desacerto dessa mesma decisão, fundada na aplicação do art. 1049º do C.Civil...
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