Acórdão nº 4114/15.4T8ACB-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Setembro de 2017
Magistrado Responsável | CATARINA GON |
Data da Resolução | 12 de Setembro de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.
A..., S.A., com sede no (...) , Mem Martins, instaurou execução contra B...
, residente na (...) , Reguengo do Fetal, pedindo o pagamento da quantia de 13.586,20€, acrescida de juros vencidos no valor de 11,91€ e juros vincendos, juntando como título executivo uma livrança subscrita por C...., Ldª (entretanto declarada insolvente) e avalizada pelo Executado e alegando que tal livrança se destinou a garantir o cumprimento do contrato nº 47837, cuja cópia junta aos autos.
O Executado veio deduzir oposição, por embargos, a tal execução, aceitando ter dado o seu aval na livrança em questão quando esta se encontrava em branco, alegando, porém, que, enquanto sócio gerente da referida sociedade, não subscreveu a letra de câmbio dada à execução, uma vez que a assinatura “ B... ” aposta no local destinado ao aceitante não corresponde à assinatura que o executado costuma utilizar e não foi feita pelo seu punho. Sustenta que a aludida livrança padece de nulidade por vício de forma e que essa nulidade se estende ao avalista e alega que no âmbito do processo de insolvência referente à sociedade “ C... , Lda.” a embargada reclamou um crédito no valor global de €968,98 referente ao contrato de locação financeira do veículo da marca AA... , modelo V(...) , com a matrícula FQ(...) , sendo esse o contrato que a livrança visou garantir. Assim – diz – sendo o Processo de Insolvência a sede própria para a reclamação do crédito pela Embargada e tendo o mesmo sido aí reclamado, nada mais haverá a peticionar, devendo declarar-se extinta a presente execução.
A Exequente contestou, alegando, em suma: que a assinatura constante na frente da livrança foi aposta pelo Executado; que, ao alegar o contrário, o Executado litiga de má-fé e age em abuso de direito, sendo certo que não só assinou a livrança na qualidade de legal representante da subscritora e na qualidade de avalista, como também assinou, nessas duas qualidades, o contrato de locação financeira, sem que impugne estas assinaturas; que a quantia aposta na livrança é efectivamente devida à Exequente e corresponde às rendas vencidas e não pagas e respectivos juros e despesas, ao capital vincendo até ao termo da locação e respectivos juros, bem como despesas de contencioso e imposto de selo; que o valor do crédito reconhecido no processo de insolvência foi reconhecido pelo respectivo Administrador da Insolvência quando ainda estava a ser negociada a opção de recusa do cumprimento do contrato, sendo certo que, até à data, não foi devolvida a viatura nem foram pagos os valores para a sua aquisição e, nestas circunstâncias, tem o direito de exigir do Executado a totalidade do crédito resultante da falta de restituição da viatura, sendo certo que a circunstância de ter um crédito reconhecido no processo de insolvência da subscritora não a impede de exigir o pagamento ao avalista Conclui pela improcedência dos embargos, pedindo ainda que o Embargante seja condenado como litigante de má-fé.
Foi realizada a audiência prévia, no âmbito da qual se entendeu que as questões suscitadas na oposição eram, exclusivamente, de direito e que o estado dos autos permitia o conhecimento da causa sem necessidade de mais prova, razão pela qual foi concedido prazo para que as partes viessem alegar por escrito.
Só a Exequente apresentou alegações, onde reafirmou a posição assumida na contestação.
Foi então proferido despacho saneador e, entendendo-se que era possível a apreciação do mérito da causa, foi proferida decisão que julgou os embargos improcedentes.
Inconformado com tal decisão, o Executado/Embargante veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões: I – O recorrente não subscreveu a letra de câmbio dada à execução.
II - A assinatura “ B... ” aposta nos locais destinados ao subscritor e ao avalista não é a assinatura do recorrente, não foi feita pelo seu próprio punho e não passa de uma groseira falsificação.
III – Tendo sido executado apenas o ora recorrente como pretenso avalista da livrança dos autos, é-lhe licito opor à exequente, portadora da livrança, no domínio das relações imediatas, todas as exceções que à subscritora seria lícito invocar.
IV - A falsidade da assinatura no verso do título, mesmo no domínio das relações imediatas, não responsabiliza o seu presumível autor.
V - A obrigação do recorrente/avalista é nula, por vício de forma.
VI - Tendo sido declarada insolvente a sociedade “ C... , Lda.”, no âmbito do Processo de Insolvência n.º 1050/11.7TBPMS, que correu termos pelo extinto 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Porto de Mós, e tendo a recorrida, no âmbito do mencionado Processo de Insolvência, apenas reclamado um crédito no valor global de €968,98 contra a referida sociedade, referente ao contrato de locação financeira do veículo da marca AA... , modelo V(...) , com a matrícula FQ(...) , trato, nada mais haverá a peticionar, devendo declara-se extinta a execução.
VII - O Tribunal a quo violou e fez errada interpretação do preceituado nos artigos 17.º; 31.º e 32.º da L.U.L.L. e no artigo 260.º do C.S.C..
A Exequente apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:
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A decisão proferida na sentença ora recorrida, julgou, bem, improcedentes os embargos de executado apresentados pelo Recorrente.
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Apesar da fundamentação vertida na sentença proferida pelo Tribunal a quo, o Recorrente permanece convicto que os factos alegados pelo mesmo nos seus Doutos embargos de executado são válidos e produzem os efeitos almejados por este.
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Para o efeito, o Recorrente volta a arguir a falsificação da assinatura aposta na livrança, a nulidade da obrigação por vício de forma e a existência de uma situação de litispendência.
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No entanto, nas alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente, este inova ao arguir a falsificação da assinatura da livrança, na qualidade de avalista, quando nos seus Doutros embargos de executado já tinha confessado, no artigo 7.º do respetivo articulado, ter avalizado a livrança.
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A Recorrida, na sua contestação, aceitou a confissão aduzida pelo Recorrente, nos termos dos artigos 574.º e 465.º, ambos do CPC.
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Assim, a confissão realizada já não pode ser retirada.
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Não obstante, cumpre salientar que o Recorrente, em momento algum das suas alegações de recurso coloca em causa os factos dados como provados na sentença proferida pelo Tribunal a quo.
Ou seja, H) O Recorrente aceitou que tivesse sido dado como provado, o facto de este ter avalizado a livrança apresentada como título executivo nos autos de execução.
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Isto só demonstra a incoerência inerente às alegações aduzidas pelo Recorrente.
Vejamos, J) A Recorrida celebrou um contrato de locação financeira mobiliária n.º 48837 com a sociedade C... , Lda.
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O contrato supra referido foi assinado pelo Recorrente, tanto na qualidade de gerente da sociedade já mencionada, como na qualidade de avalista.
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A assinatura aposta no contrato, na qualidade de gerente da sociedade C... , Lda., foi devidamente reconhecida por uma entidade competente para o efeito.
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Acresce que o Recorrente também assinou o contrato na qualidade de avalista, facto este que o mesmo não contesta e encontra-se assente, como facto provado, no ponto 6 na sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo.
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Nas condições particulares e gerais do dito contrato, é possível constatar que a garantia dada é uma Livrança subscrita pelo cliente e avalizada pelos sócios.
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Tratando-se o gerente da sociedade C... , Lda. e o avalista da livrança a mesma pessoa, não pode o Recorrente pretender fazer crer a este Douto Tribunal que se tratam de personalidades diferentes.
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Em suma, o Recorrido aceita e admite que assinou um contrato de locação financeira com a Recorrida, no qual este figura como gerente da sociedade locatária e avalista, confessando igualmente nos seus Doutos embargos de executado que avalizou a livrança dada como garantia do respetivo contrato.
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No entanto, já alega que não foi ele a assinar a livrança, enquanto gerente da sociedade C... , Lda.
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Posteriormente, em sede de alegações de recurso já afirma que não assinou a livrança na qualidade de avalista.
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No momento seguinte, e porque é deveras conveniente, aproveita-se da alegada falsificação das assinaturas apostas na livrança para invocar a nulidade do título executivo por vício de forma.
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Ora, tal situação figura um autêntico abuso de direito, na vertente de venire contra factum proprium.
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Uma vez que o Recorrente, para além estar impedido de invocar a falsificação da assinatura, na qualidade de gerente da sociedade subscritora, em virtude dos embargos de executado terem sido apresentados a título pessoal, aproveitou-se de tal situação para depois invocar um vício de forma.
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Parece, à ora Recorrida, que se trata uma mera manobra dilatória.
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Não obstante os argumentos já aduzidos nas presentes contra-alegações, sempre se poderá dizer que a eventual falsificação do subscritor da livrança, apresentada como título executivo nos autos de execução, não acarreta a nulidade da obrigação, por vício de forma.
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A livrança, caracterizada pela sua abstração, literalidade e autonomia, constitui um direito cartular para as partes que figuram na mesma, não estando dependente do direito subjacente à constituição desse mesmo direito cartular.
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Os avalistas não são sujeitos materiais da relação contratual, não resultando qualquer relação imediata entre estes e o portador da livrança.
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Assim, estes não garantem o pagamento da obrigação do seu avalizado, mas sim o pagamento da livrança, pelo que a obrigação dos avalistas mantém-se mesmo no caso da obrigação que estes garantiram ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.
A
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Desta forma, as eventuais nulidades intrínsecas da obrigação avalizada não se comunicam à do avalista.
BB) No caso em apreço, o Recorrente é avalista da livrança apresentada como título executivo nos presentes autos de execução.
CC) Nos termos do artigo 32.º ex vi do artigo 77.º, ambos da...
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