Acórdão nº 1021/16.7T8GRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução12 de Setembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

1. Relatório 1.1.- A autora U..., residente na França, instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra o Banco E..., S.A., o Banco F..., S.A., e o Fundo de Resolução (pessoa colectiva de direito público), pedindo a condenação dos RR., solidariamente, a reconhecer que constituiu um depósito a prazo, comercialmente designado por Poupança Plus 1, na quantia de € 45.000,00, devendo, em consequência, ressarci-la desta quantia acrescida de juros contratuais, juros de mora vencidos desde 22/02/2016, e vincendos até efectivo e integral pagamento; caso assim não se entenda, ser declarados nulos todos os actos praticados pelo 1.º R. na aplicação do dinheiro da A. para aquisição de ações preferenciais, bem como nula a operação de intermediação financeira realizada, condenando-se, assim, os RR., solidariamente, a ressarci-la da quantia de €45.000,00, reconstituindo-se a situação de facto à data da aplicação daquela quantia e devendo esta quantia ser depositada na conta de depósito à ordem da titularidade da A, em virtude do contrato de depósito irregular celebrado com o 1.º R. e transmitido para o 2.º R.; caso assim não se entenda considerar válida a aplicação da quantia de €45.000,00 pela A., em ações preferenciais denominadas Poupança Plus, deve o 1.º R. ser condenado a indemniza-la por violação dos deveres atinentes à actividade de intermediação financeira, nos termos do art.º 483.º e ss. do Código Civil e 304.º-A e ss. do Código dos Valores Mobiliários; devem ainda os RR. ser solidariamente condenados a pagarem-lhe o valor de €5.000,00, a título de danos não patrimoniais, pelo que devem os réus ser condenados, solidariamente, a pagar ao A. a quantia global de 352.108,98 euros, acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Para o efeito alega, em síntese e com relevo para conhecimento da excepção de incompetência em razão da matéria suscitada, que: - A autora é titular da conta de depósito à ordem com o n.º ..., aberta na agência do Banco E... S.A., na Guarda e foi o banco onde a autora abriu a sua conta bancária de depósito e foi sempre cliente de perfil conservador, não investindo o seu dinheiro proveniente de poupanças pessoais, ao longo de uma árdua vida de trabalho, em produtos financeiros de risco, sendo que a conselho do seu gestor de conta, da agência do BE da Guarda, depositou a prazo o seu dinheiro numa solução de poupança que o réu Banco E... designou de Poupança Plus1 e que apresentava e vendia aos clientes como sendo verdadeiros depósitos a prazo, que gozavam de todas as garantias de depósitos dessa natureza, para além da própria garantia de isenção de risco assegurada pelo Banco E...

- Por força de uma medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal (doravante “BdP”) ao Banco E... (bem como empresas do Grupo E...) em 3 de agosto de 2014 a conta da A. no BE passou para o Banco F... de que é único accionista o Fundo de Resolução, a qual manteve o mesmo número (...) e foi determinada, entre outros pontos, a constituição da sociedade Banco F..., S.A. (aqui 2.º R.) e, bem assim, a transferência de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do BE para o 2o réu.

- Aquela deliberação implicou a transmissão dos direitos e obrigações, até então na esfera jurídica do BE, para o Banco F...

- A deliberação do BdP de 3 de agosto de 2014 (20h), na versão consolidada do Anexo 2 que consta da referida deliberação daquela entidade, de 11 de agosto (17h), determinou que se transferiam para BF, aqui 2.º Réu, todas as «responsabilidades do BE perante terceiros que constituam passivos (...)», Excluindo, apenas, dessa transmissão os litígios tendo por objecto alguma das matérias expressamente excepcionadas no próprio texto da deliberação, a qual excepciona da regra geral sobre a transmissibilidade as eventuais responsabilidades emergentes de fraude ou violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais que resultem de factos praticados antes de 31 de agosto de 2014.

- A responsabilidade que se deveria imputar ao BE transmitiu-se por esta via para a nova entidade constituída, ou seja, para o 2.º réu, Banco F..., S.A.., razão pela qual é a entidade bancária dotada de legitimidade passiva, em virtude da “cessão da 89 posição contratual” ou, segundo outros, a “sucessão” operada pela deliberação do BdP, para assumir a responsabilização decorrente de actos ilícitos praticados por um funcionário seu.

- Por força da medida de resolução adoptada pelo BdP, a relação jurídica entre a autora e o BE foi “cedida” a beneficio do BF, que é controlado pelo R. Fundo de Resolução, em que são únicos intervenientes o BdP e o Ministério das Finanças e o único acionista do BF é, por essa razão, o responsável máximo pelas relações jurídicas confiscadas e pelos prejuízos derivados dessa sub-reptícia “cessão de créditos”.

- A autora tem o direito de exigir que lhes seja pago o montante que investiu em depósitos a prazo, vendidos aos balcões do BE, bem como o direito de ser indemnizada pelos prejuízos que lhe foi causado e pelos danos morais que esta perturbação do bom cumprimento dos contratos lhe causou e tem, por isso, tanto a autora como os réus legitimidade na presente lide, a primeira porque tem interesse em demandar e os segundos porque têm interesse em contradizer.

- A relação estabelecida entre a autora e o BE, cuja transmissão o Banco de Portugal forçou que fosse feita para o Banco F..., consubstancia-se, pois, num contrato de depósito bancário.

- A conduta dos 1.º e 2.º réus viola o contrato de depósito bancário celebrado com a autora, ficando o 2.º réu responsável pelas consequências do incumprimento daquele, atenta a assunção da relação de clientela estabelecida, bem como pela sua própria conduta ao quebrar a confiança inerente à relação bancária assumida, tendo sido sob a sua alçada que os mesmos funcionários perpetuaram os efeitos da sua conduta ilícita, tentando a par e passo esconder da autora as verdadeiras consequências da sua actuação após a medida de resolução.

- São, portanto, os réus responsáveis pelas consequências contratuais emergentes do incumprimento das suas obrigações, devendo o 2.º réu (BF), por força do teor da medida de resolução, devolver o montante dos depósitos e respetivos juros ressarcir os demais danos causados.

- Se as deliberações do BdP pretendem excluir as obrigações e responsabilidades decorrentes de operações atinentes a intermediação financeira da transmissão para o BF, inequívoco será que essa intransmissibilidade não respeita às intermediações financeiras que são nulas, resultando no regresso dos valores investidos às respectivas contas de depósito bancário, e que estão na esfera das responsabilidades do réu BF..

1.2. - Citado o Fundo de Resolução contestou, excepcionando a incompetência em razão da matéria deste tribunal, por entender que o tribunal materialmente competente para o conhecimento do mérito é o tribunal administrativo - por estar em causa a sua eventual responsabilidade extracontratual por facto ilícito (e mesmo que se qualifique o seu relacionamento no quadro contratual).

Alega, para tanto, que o Fundo de Resolução é uma pessoa colectiva de direito público, que atua no exercício de funções públicas e ao abrigo de um regime especial de direito administrativo (previsto no Regime Geral das Instituições de Crédito das Sociedades Financeiras) estando sujeito às leis do contencioso administrativo (cfr. artigo 4.º, n.º 1, al. a) do ETAF e artigo 3.º, n.º 1, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos) – não lhe sendo aplicado o regime de accionista único (do Banco F...) previsto no Código das Sociedades Comerciais.

1.3. - A autora pronunciou-se a fls. 249 pugnando pela competência material deste tribunal comum.

1.4. Foi proferida decisão a julgar procedente a exceção de incompetência do tribunal em relação da matéria e por consequência declarou a Secção Cível e Criminal da Instância Central da Comarca da Guarda incompetente em razão da matéria para a tramitação do presente processo, por ser da jurisdição/competência dos tribunais administrativos e, em consequência, absolvem-se os réus da instância. 1.5. Inconformada dela recorreu a A. terminando a sua motivação com as seguintes conclusões, que se transcrevem: ...

N- Em conclusão, sendo a estrutura da causa, tal como vem configurada pela A., aqui recorrente, a determinar a competência material do tribunal, é irrelevante averiguar quais deviam ser os termos da pretensão - no fundo o que sucede com a competência do tribunal, sucede também com outros pressupostos processuais (legitimidade, forma do processo) -, ou seja, é a instância, no seu primeiro segmento...

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