Acórdão nº 184/13.8TBTND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Setembro de 2017
Magistrado Responsável | MARIA JO |
Data da Resolução | 12 de Setembro de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção): I – RELATÓRIO M (…) intenta a presente ação declarativa sob a forma de processo sumário contra a E (...) , S.A., Pedindo a condenação da Ré a, expensas suas, alterar o local de implantação do poste de média tensão situado a cerca de 3,9 m da casa de habitação da Autora, alegando, em síntese, que, junto à casa onde reside, existe um poste de média tensão integrado numa linha propriedade da ré que, para além de causar ruído do transporte da energia, causa ruido com o vento e cria campos magnéticos que lhe afetam o descanso e a saúde.
A Ré contesta por exceção, invocando a incompetência material do tribunal, competência que atribuiu ao tribunal administrativo, e por impugnação, alegando que a linha se encontra licenciada, é verificada periodicamente, as emissões magnéticas da linha encontram-se dentro dos parâmetros legais, não causando mais barulho que os restantes objetos que se encontram à volta da casa tais como árvores.
Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a invocada exceção de incompetência material dos tribunais judiciais, elaborando a Base Instrutória.
Realizada a audiência de julgamento, o juiz a quo proferiu sentença, julgando a julgar a ação procedente, condenando a Ré a remover o poste de média tensão que implantou próximo da casa da autora.
Inconformada com tal decisão, a Ré dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões: 1 - Não pode, desde logo, a recorrente concordar com a interpretação vertida pelo tribunal a quo no seu douto despacho saneador, maxime, dos artigos 576, nº 2, 577 al. a) do C. P. Civil e artigo 4º do ETAF, que julgou improcedente a exceção dilatória de incompetência absoluta do tribunal recorrido, quanto à matéria; 2 - Porquanto, de facto e de direito, o que a autora peticionou nos presentes autos se reconduz a uma modificação de um projeto de uma instalação elétrica de serviço público, devidamente aprovado e licenciado por ato de administração pública (Estado Português); 3 - Não tendo, sequer, a autora recorrida peticionado qualquer indemnização pela constituição da servidão administrativa, configurando, sem qualquer dúvida, a ação nos termos de uma relação jurídico-administrativa.
4 - É incontroverso que a competência ou jurisdição de um tribunal se determina pela forma como o autor configura a ação, definida pelo respetivo objeto, tal como se mostra delimitado pelo pedido formulado (pelo efeito jurídico pretendido) e pela respetiva causa de pedir.
5 - Deste modo, face à natureza jurídica da relação material controvertida, seria competente o Tribunal Administrativo e não o Tribunal Judicial, nos termos do artº 18º, nº 1 e 2 da Lei nº 3/99 de 13.01 (LOFTJ), em conjugação com os artigos 66º e 67º do C.P.C 6 – Entendimento que tem sido sufragado pelo Tribunal dos Conflitos, podendo ver-se, a contrario sensu, o recente Acórdão de 19.06.2014 (Processo nº 09/14) – Conflito negativo de jurisdição ou o Acórdão de 10.07.2012 (Processo nº 03/12) – Conflito de Jurisdição.
7 – Neste sentido, não se conforma a recorrente com o entendimento do tribunal a quo que julgou improcedente a exceção dilatória de incompetência absoluta, em razão da matéria, invocada pela ré recorrente na sua contestação, impondo-se, assim, a revogação do despacho saneador e a consequente absolvição da instância da recorrente; 8 – Sem prejuízo do exposto, verifica-se, ainda, uma errónea apreciação da prova produzida nos presentes autos, impondo-se a reapreciação da matéria de facto dada como assente de forma a que conste como Não Provado que do poste emana, de forma permanente, um ruído baixo que aumenta de volume quando faz vento, tornando-se alto; 9 – Discorda a recorrente, igualmente, que se tenha dado como Provado que a Autora acordava várias vezes por noite devido ao descrito ruído, principalmente quando faz vento; 10 – Errou, pois, o tribunal a quo em dar como provado o Ponto 11 da Factualidade Assente, porquanto não ficou demonstrado que a autora recorrida tenha, de facto, acordado várias vezes (ou durma mal) devido ao alegado ruído provocado pelo poste ou linha elétrica da ré recorrente; 11- Porquanto não ficou provado o pretendido efeito causal do poste e rede elétrica sobre a saúde e o repouso da Autora recorrida (conforme, aliás, atestou a perícia médica junta aos autos); 12 – Assim como não ficou demonstrada a existência de evidências científicas de que os campos eletromagnéticos, decorrentes do transporte de energia elétrica, dentro dos valores legais, pudesse ter contribuído para o aparecimento dos problemas cardíacos sofridos pela autora recorrida; 13 - Destarte, deveria o tribunal recorrido, face ao acervo probatório produzido nos presentes autos, ter dado como Não Provado que a recorrente alguma vez tenha colocado em causa o repouso e descanso da autora recorrida, sendo ainda certo que o poste e a rede elétrica, instalada em terreno vizinho, cumpria e cumpre com todas as normas de segurança, nomeadamente com as distâncias regulamentares previstas no Regulamento de Segurança das Linhas Elétricas de Média Tensão (Decreto Regulamentar nº 1/92, de 18.02.); 14 – Por outro lado, a decisão recorrida violou, ostensivamente, o princípio constitucional ínsito no artº 18º da CRP e o normativo constante do artigo 335 do C.Civil, porquanto da ponderação em concreto dos direitos em confronto, à luz do referido princípio da proporcionalidade, não foi escolhido o meio adequado, indispensável e racional para a preservação de ambos os direitos fundamentais; 15 - O tribunal recorrido não fez, pois, uma concreta ponderação sobre os interesses em jogo, nomeadamente, ao não aferir a intensidade da alegada violação do direito ao repouso, optando por não determinar produção de prova pericial que suportasse, objetivamente, a existência de ruídos nocivos provenientes da rede elétrica da recorrente; 15 – Ao decidir como decidiu, o Mmo Juiz fez, assim, errada interpretação dos meios de prova, violando, além do mais, o disposto no artigo 18º, nº 2 da CRP e do artigo 335ºdo C. Civil, bem como os artigos 96, 99, 476, nº 2 e 576, nº2 do C.P.C. , o artº 12º do Decreto Lei nº 29/2006, de 15 de Fevereiro e o Decreto Regulamentar nº 1/92, de 18 de Fevereiro (Regulamento de Segurança de Linhas Elétricas de Alta Tensão); Nestes termos e nos melhores de Direito, conforme douto suprimento de Vªs. Excelências, deverá revogar-se o douto despacho saneador que considerou improcedente a invocada exceção de incompetência absoluta do tribunal, absolvendo da instância a recorrente, ou, caso assim não se considere, a sentença ora recorrida e, em consequência, ser proferido Acórdão absolvendo a Recorrente do pedido.
* A Autora apresentou contra-alegações no sentido da improcedência do recurso.
Cumpridos os vistos legais nos termos previstos no nº2, in fine, do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., arts. 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil[1] –, as questões a decidir são as seguintes: 1. Impugnação da decisão proferida no despacho saneador sobre a...
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