Acórdão nº 2813/15.0T8LRA-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelJAIME CARLOS FERREIRA
Data da Resolução26 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I Na Comarca de Leiria – Leiria – Inst. Central – 1ª Sec. de Comércio, correm termos os presentes autos de processo especial de revitalização de pessoa singular (PER), requeridos por E..., farmacêutica, com residência na Rua ...

Para o efeito e muito em resumo alega que se encontra em situação económica difícil, não tendo possibilidades em cumprir pontualmente algumas das suas obrigações vencidas, e não podendo obter crédito bancário.

Que, no entanto, reúne condições de recuperação económica, tendo já encetado negociações com o seu credor C... com vista à revitalização económica da Requerente, através da aprovação de um plano de recuperação para o dito efeito.

II Foi nomeado como administrador judicial provisório, nos termos do disposto no art. 17º-C, nº 3, al. a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), o Dr. V..., economista inscrito na Lista Oficial de Administradores de Insolvência e que foi indicado pela Requerente.

O referido Administrador juntou lista provisória de créditos, nos termos dos artºs 17º-D e 129º do CIRE, créditos esses que considerou serem todos a reconhecer.

Em 14 de Janeiro de 2016 veio o Sr. Administrador Judicial Provisório dar conta nos autos de que ficaram concluídas as negociações com os credores da Requerente e que o plano de recuperação foi aprovado com votos favoráveis que representam um valor superior a 2/3 dos votantes, o que no caso presente se traduz num percentagem de 77,59% (pela al. a) do art. 17º-F, nº 3) e de 68,02% ( pela al. b) do mesmo normativo) e 22,41% de votos desfavoráveis.

Juntou, em simultâneo, o Plano de Revitalização.

III Nessa sequência foi proferido o seguinte despacho: “Para a decisão de homologação do plano de recuperação importa considerar os seguintes factos: 1º- Votaram favoravelmente o plano de recuperação da devedora apresentado aos credores: a Autoridade Tributária e Aduaneira; a C..., CRL; e C...

  1. - Votaram desfavoravelmente: C... – Instituição Financeira de Crédito, SA; Banco C..., SA; Banco B...; C..., SA; e C..., SA.

  2. - Consta do plano de recuperação no que concerne ao pagamento do crédito da C..., SA: a) Liquidação da totalidade do valor de capital reclamado e reconhecido; b) Os juros vencidos desde a data de incumprimento até à data do trânsito em julgado da sentença que homologar o Plano serão anulados; c) A liquidação da totalidade da dívida será feita com a Dação em Pagamento pela entrega do imóvel que garante este financiamento, abrangendo quaisquer outras dívidas constituídas. (…)”.

  3. - De acordo com os votos remetidos aos autos pelo Sr. AJP temos que : A Autoridade Tributária e Aduaneira enviou o seu voto ao Sr. AJP em 7.01.2016; a C... – Instituição Financeira de Crédito, SA a 11.01.16; o Banco C..., SA a 13.01.16; o Banco B... a 12.01.2016; a C..., CRL a 13.01.16; A C..., SA a 13.01.16; a C..., SA a 11.01.2016; C... foi recebido a 8.01.2016.

Questões a decidir: 1º- Se o plano de recuperação em que se prevê a dação em pagamento de um imóvel a um credor sem a expressa aceitação de tal dação pelo credor visado pode ser homologado; 2º- Se o plano de recuperação pode ser homologado apesar de se encontrar ultrapassado o prazo de três meses estabelecido na lei para a conclusão das negociações.

Vejamos então, começando pela primeira questão: O processo especial de revitalização introduzido pela Lei 16/2012, de 20 de Abril, regulado nos artigos 1º, nº 2, 17º-A a 17º-I do CIRE pretendeu “assumir-se como um mecanismo célere e eficaz que possibilite a revitalização dos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente eminente mas que ainda não tenham entrado em situação de insolvência actual” (Exposição de Motivos da Proposta de Lei 39/XII, de 30 de Dezembro de 2011).

Daqui resulta que a lei disponibiliza aos devedores que se encontrem numa situação de insolvência meramente eminente dois meios judiciais: o processo de insolvência e o processo especial de revitalização, sendo que este se aplicará apenas naquelas situações em que ainda é possível a recuperação, através da negociação com os respectivos credores com vista a com eles estabelecer um acordo nesse sentido de harmonia com o preceituado no artigo 17º-A do CIRE (Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, pág. 275/276).

Este processo pré-insolvencial tem como pressuposto substantivo a recuperabilidade do devedor e visa privilegiar, sempre que possível, a manutenção do devedor no giro comercial, gizando-se soluções eficazes de combate ao desaparecimento e desmantelamento (Exposição de Motivos da Proposta de Lei supra indicada).

É um processo negocial extrajudicial do devedor com os credores, com a orientação e fiscalização do administrador judicial provisório, focalizado na obtenção de um acordo para a revitalização da devedora, permitindo que esta regularize os seus compromissos para com os seus credores de forma preventiva, isto é, antes de entrar numa situação irreversível de insolvência.

No caso vertente, o plano de recuperação apresentado obteve uma percentagem de votos positivos que satisfez os requisitos exigidos pelo nº 3 do artigo 17º-F do CIRE, pelo que o plano foi devidamente aprovado.

No que tange à homologação do plano, decorre do disposto nos artigos 17º-F, nº 5, 215º e 216º, todos do CIRE, que o juiz pode recusar a homologação do plano de insolvência aprovado pelos credores.

A não homologação do plano pode ter lugar ex officio ou a pedido de um credor.

Com efeito, pode o juiz recusar, oficiosamente, a homologação do plano de revitalização aprovado na assembleia de credores, no caso de ocorrer violação não negligenciável de regras procedimentais, ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, no entendimento das primeiras como sendo as que visam regular a forma como deverá desenrolar-se o processo, enquanto as segundas se reportarão ao dispositivo do plano de revitalização, bem como aos princípios que lhe devam estar subjacentes (Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, pág. 826).

Embora não conste na lei o que devem ser vícios não negligenciáveis, tem-se entendido (Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, obra citada, pág. 827), que revestem tal natureza todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza, diversamente se verificando quanto às infracções que afectem, tão só as regras de tutela particular, que podem ser afastadas com o consentimento do protegido, sem deixar de atender, por razoável, o critério geral utilizado pela própria lei processual no art. 195, do CPC, isto é, e na devida transposição, se pode interferir ou não com a justa tutela devida à posição dos credores e do devedor nos diversos domínios em que se manifesta, sem contudo não deixar de ter em conta, o que é livremente renunciável.

Deste modo, “tudo o que respeita à preparação e apresentação das propostas, bem como às diligências tendentes à sua aprovação, consubstancia-se em actos ou formalidades do próprio processo e com expressão nele. De modo que, bem vistas as coisas, todas as violações legais se reconduzem à adopção de procedimentos ou à omissão de formalidades que a lei exclui ou determina. Daí que, em sentido processual, que aqui parece especialmente apto para ser acolhido, a violação da lei, activa ou passivamente, comporte sempre a prática de uma nulidade processual.

Então, verdadeiramente do que se trata para decidir se ela justifica ou não a recusa de homologação de um plano aprovado pelos credores — que é, afinal de contas, aquilo que aqui está em causa —, é de avaliar a relevância, ou não, da violação constatada.

Aqui chegados parece razoável atender ao critério geral que a própria lei processual utiliza no art.° 195º do C.P.Civ.. O que importará é, pois, sindicar se a nulidade observada é susceptível de interferir com a boa decisão da causa, o que significa valorar se interfere ou não com a justa salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger — nomeadamente, no que respeita à tutela devida à posição dos credores e do devedor nos diversos domínios em que se manifesta —, tendo em conta o que é, apesar de tudo, livremente renunciável.

O que haverá então de peculiar a observar — mas isto em consequência do que o próprio artigo 215º CIRE prescreve — é que o próprio tribunal deve, ele mesmo, agindo ex officio, relevar a nulidade, sem necessidade de arguição de quem quer que seja, o que implicará recusar a homologação do plano, à semelhança, aliás, do que sucede com outras nulidades tipificadas na lei, como se vê do que determina o art. 196º do CPC” (Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, pág. 826 e 827).

Dito isto, vejamos então.

O plano propõe o pagamento da totalidade da dívida à C..., SA através da dação em pagamento pela entrega do imóvel que garante o financiamento.

O art.º 202º, nº 2 do CIRE...

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