Acórdão nº 26/14.7GCTND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelORLANDO GON
Data da Resolução07 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório Por despacho de 6 de Outubro de 2015, o Ex.mo Juiz da Comarca de Viseu – Instância Local de Tondela – Secção de Competência Genérica - J1, decidiu revogar a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado o arguido A...

e, consequentemente, determinar o cumprimento da pena de prisão de 3 (três) meses de prisão, em que fora condenado nos presentes autos Inconformado com o douto despacho dele interpôs recurso o arguido A... , concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1- O douto tribunal violou o disposto nos Art° 55° e 56° do CP, ao decidir e aplicar logo a revogação da suspensão, não tendo ponderado pela aplicação de medidas alternativas à Revogação da Suspensão da Execução da pena como medida de ultima ratio.

2- O douto tribunal violou o Art° 495° n° 2 do CPP, ao não ouvir presencialmente o arguido, violando o direito ao exercício do contraditório.

3- Entende o arguido que deveria ser notificado para comparecer presencialmente para ser ouvido, ao não o fazer o douto tribunal violou o disposto no Art°119 alínea b) do CPP, sendo uma nulidade insanável e que desde já se invoca.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho em conformidade e decidindo-se posteriormente, e operadas as respectivas diligencias, pela audição do arguido e consequentemente pela prorrogação do período de suspensão de execução da pena de prisão aplicada ao arguido, ora recorrente caso V. Excelências assim entendam.

O Ministério Público no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Instância Local de Tondela, respondeu ao recurso interposto pelo arguido pugnando pela sua improcedência.

O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que deve ser declarada a falta de notificação do arguido, quer da promoção do Ministério Público de fls. 149 e 150, quer do despacho que revogou a suspensão da execução da pena, com as legais consequências, dando-se provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, ordenando-se que se proceda à notificação do arguido do despacho de fls. 151, para o arguido se poder pronunciar, querendo, sobre tal promoção, pronunciando-se, depois o tribunal a quo sobre a promoção do Ministério Público.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º2 do Código de Processo Penal, não tendo o arguido respondido ao douto parecer. Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação O despacho recorrido tem o seguinte teor: « Nos presentes autos o Ministério Público promoveu que fosse revogada suspensão a execução da pena de prisão aplicada a A... – fls. 149.

Notificado o arguido e seu defensor nada vieram dizer no prazo concedido para o efeito – fls. 152 a 154.

Uma vez que o fundamento para a revogação da suspensão da execução da pena consiste no trânsito em julgado de uma sentença condenatório pelo mesmo tipo de crime, entendemos ser desnecessária a audição presencial do arguido.

Dos factos relevantes para a decisão: 1. Nos presentes autos, A... foi condenado, em autoria material e na forma consumada na prática de um crime de traficante consumidor, na pena de 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 (um) ano – fls. 54 a 63.

  1. A sentença transitou em julgado em 05.03.2014 fls. 64, 66 74..

  2. No âmbito do processo nº 93/14.3GEBNV, que correu termos na Instância Local, Secção Criminal de Benavente, o A... , foi condenado, em autoria material e na forma consumada na prática de um crime de tráfico de menor gravidade, na pena de 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano.

  3. Esta sentença transitou em julgado em 14.05.2015.

  4. Os factos pelos quais o A... foi condenado foram praticados em 26.03.2014, ou seja, durante o período da suspensão da pena de prisão - cfr. fls. 133 a 138. Do Direito: O artigo 56º do Código Penal, com a epígrafe Revogação da suspensão, tem a seguinte redacção: 1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. 2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.

Do texto da norma resulta que existem dois fundamentos básicos para a revogação da suspensão da execução da pena de prisão: A violação grosseira e consequentemente culposa dos deveres ou regras de conduta impostas ao arguido na sentença; A condenação por crime, do qual resulte que as finalidades da suspensão não puderam ser efectuadas.

A violação grosseira dos deveres ou regras de conduta impostos, de que se fala na alínea a), do n.º 1, do artigo 56º, do Código Penal, há-de constituir uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada; só a inconciliabilidade do incumprimento com a teleologia da suspensão da pena é que deve conduzir à respectiva revogação.

Importa no entanto salientar que a infracção grosseira dos deveres que são impostos ao arguido não exige nem pressupõe necessariamente um comportamento doloso, bastando a infracção que seja o resultado de um comportamento censurável de descuido ou leviandade.

A condenação por crime cometido no período da suspensão da execução da pena de prisão não dita, por si só, a imediata revogação da pena de substituição, sendo antes o juízo sobre a possibilidade de ainda serem alcançadas, em liberdade, as finalidades da punição que norteará a escolha dos regimes do artigo 55º ou do artigo 56º do Código Penal.

Com a revisão do Código Penal de 1995, o acento tónico passou a estar colocado, não no cometimento de crime (doloso) durante o período da suspensão da prisão e na correspondente condenação em pena de prisão, mas no facto de o cometimento do segundo crime e respectiva condenação revelarem a inadequação da suspensão para prosseguir as finalidades da punição.

Tendencialmente, será a condenação em pena efectiva de prisão a reveladora de que as finalidades que estiveram na base da decisão prévia de suspensão não puderam ser alcançadas.

Em caso de suspensão simples da execução da pena de prisão, a prática de um crime durante o período em que vigorava essa suspensão, só deve constituir causa de revogação, quando essa prática, em concreto (tendo em conta o tipo de crime, as condições em que foi cometido, a gravidade da situação, entre outros), demonstre que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão daquela suspensão, ou seja, se as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

A aplicação de uma pena de prisão efectiva pela prática de crime (doloso) cometido no decurso do período de suspensão da execução de pena da mesma natureza - tendo, necessariamente, subjacente o juízo de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição -, seguida da correspondente «reclusão», não pode senão conduzir à revogação da suspensão decretada, por comprometer o juízo determinante subjacente à pena de substituição, designadamente o de prognose positiva quanto ao futuro do delinquente.

Em princípio, será só a condenação posterior em pena de prisão efectiva que indiciará que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam ser alcançadas. O que não impede que condenações posteriores em pena de substituição possam concretamente revelar uma quebra da confiança na ressocialização do arguido em liberdade.

Nos presentes autos o arguido cometeu um crime contra o mesmo bem jurídico, pelo qual foi condenado numa pena de prisão suspensa na execução, ora a suspensão de execução da pena aplicada nos presentes autos, foi com base no pressuposto que o arguido se iria abster da prática de crimes ligados a estupefacientes.

Com efeito a suspensão da execução da pena de prisão é, como se sabe, uma pena de substituição em sentido próprio pois, para além de ter carácter não institucional já que cumprida em liberdade, pressupõe ainda a prévia determinação da medida da pena de prisão, cujo fim de política criminal é o afastamento do delinquente da prática de novos crimes ou seja, a prevenção da sua «reincidência».

Ora o crime praticado, de tráfico de menor gravidade, invalidou de forma definitiva a prognose favorável que fundou a suspensão ou seja, a expectativa de, através da suspensão, se manter afastado da delinquência.

Nos presentes autos acresce que o crime em causa foi praticado pouco mais do que 20 dias após o trânsito em julgado da sentença dos presentes autos, curto período que mediou entre a data da suspensão da execução da prisão e a data do cometimento dos novos factos e a circunstância de ter praticado precisamente o mesmo crime, em conjugação com a revelada personalidade, tornam inevitável a conclusão de que o juízo de prognose favorável á recorrente que determinou o decretamento da suspensão da execução da pena de prisão se mostra definitivamente arredado, face á frustração da expectativa do seu afastamento da criminalidade. Revelam a não interiorização dos conteúdos éticos subjacentes à norma punitiva.

Pelo exposto determino a revogação da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado A... e consequentemente determino o cumprimento da pena de prisão de 3 (três) meses de prisão, aplicada nos presentes autos.».

* * O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação. ( Cfr.entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1]e de 24-3-1999 [2]e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).

São apenas as questões suscitadas pelo...

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