Acórdão nº 173/08.4GBCNT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelJORGE FRAN
Data da Resolução07 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA Na Secção Criminal da Instância Central de Coimbra, da Comarca de Coimbra, o arguido A.... foi submetido a julgamento, em processo comum (colectivo), pronunciado pela autoria material de um crime de homicídio, p. e p. no art. 131º do Código Penal. No processo comum singular n.º 173/08.4GBCNT-A, (entretanto a estes apensado) o arguido vinha acusado pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. nos arts. 153º/n.º 1 e 155º/n.º 1,

  1. C.P.

    Tomando por base o essencial da factualidade descrita na acusação pública dos presentes autos n.º 173/08.4GBCNT, vieram os assistentes D... e E... , na qualidade de pais da vítima C... , deduzir pedido de indemnização civil contra o arguido e ainda contra “J... Seguros, S.A.”, por via do qual pedem a condenação solidária de ambos no pagamento da quantia total de € 171.600, sendo € 60.000 – € 30.000 para cada um deles – como compensação pela dor moral pelos assistentes sofrida em razão dos laços especiais de dependência e afectividade que os ligavam à sua falecida filha, € 20.000 pelo dano não patrimonial correspondente ao sofrimento vivenciado pela vítima nos momentos que precederam o seu decesso, € 70.000 pela supressão do direito à vida da C... , e ainda € 21.600 como indemnização por danos patrimoniais futuros advindos da morte daquela.

    A demandada “ J... Seguros, S.A.” apresentou contestação ao pedido cível, na parte contra si deduzida. No essencial, argumentou que não lhe caberá suportar o valor de qualquer indemnização por causa do falecimento da vítima, visto que não derivou este decesso de acidente de viação algum, inerente aos riscos de circulação do veículo automóvel conduzido pelo arguido. Não, a viatura foi empregue pelo referido arguido como meio de perpetração de um crime voluntário e por ele bem gizado, não estando em causa, portanto, um verdadeiro acidente de viação que possa reportar-nos para o âmbito de protecção ou abrangência do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel celebrado com a contestante. Pelo que, e em síntese, defendeu a demandada “ J... Seguros, S.A.” a respectiva absolvição do apontado pedido cível.

    Foi comunicada ao arguido uma alteração dos factos descritos na acusação, nominada de não substancial, à qual se opôs o arguido, por a considerar substancial; tal questão viria a ser decidida no acórdão final.

    A encerrar a audiência, viria a ser proferido acórdão, decidindo nos seguintes termos (transcrição): «Pelo exposto, julgando-se a pronúncia e a acusação provadas e procedentes: – Condena-se o arguido A... , como autor material de um crime de homicídio, p. e p. no art. 131º C.P., na pena de 12 (doze) anos de prisão; – Condena-se o mesmo arguido A... , como autor material de um crime de ameaça, p. e p. nos arts. 153º/n.º 1 e 155º/n.º 1-

  2. C.P., na pena de 10 (dez) meses de prisão; – Operando-se o cúmulo jurídico pertinente, de acordo com os critérios previstos nos arts. 30º/n.º 1 e 77º/n.ºs 1 e 2 C.P. (tomando-se em conta, em conjunto, os factos e a violenta personalidade revelada pelo mesmo), condena-se o arguido A... na pena única de 12 (doze) anos e 6 (seis) meses de prisão; – Condena-se o mesmo arguido nas custas-crime do processo, com 3 U.C. de taxa de justiça.

    (…) Por todo o exposto, julgando-se o pedido cível formulado nos autos parcialmente provado e procedente: – Condena-se o demandado A... a pagar aos demandantes D... e E... a quantia total de € 125.000 (cento e vinte e cinco mil euros), a que acrescerão juros de mora, à taxa legal, contados da data do presente acórdão, até efectivo e integral pagamento, no mais se absolvendo o demandado do contra ele peticionado nos autos; – Absolve-se a demandada “ J... Seguros, S.A.” do pedido contra si formulado nos presentes autos pelos demandantes D... e E... .

    Custas, quanto ao pedido cível, por demandantes e demandado A... , na proporção dos respectivos decaimentos (e sem prejuízo do apoio judiciário existente).» Não se conformando com o assim decidido, o arguido interpôs o presente recurso, que motivou, concluindo nos seguintes termos:

    1. Incumpre analisar desde logo a questão prévia resultante de despacho datado de 16 de Julho de 2015, considerou o Tribunal uma alteração não substancial de factos, nos termos do artigo 358.º n.º 1 do Código de Processo Penal, que se concretizou no seguinte a)“ao descrever a tal curva à direita o arguido manobrou, de modo deliberado, o veículo, por forma a que este invadisse então a via contrária e consequentemente colidisse nas guardas de proteção laterais do lado esquerdo, seguindo-se daí, em termos de trajetória, o que é descrito na acusação quanto ao momento em que o veiculo ainda rolava na via; b)“o arguido entrou pelo caminho de terra batida em questão nos autos porque assim também pretendeu, tal como foi colidir com a árvore onde colidiu porque assim igualmente o quis.

      ”c) -“após a colisão e estando a C... no interior do veículo, saiu o arguido desse mesmo interior, gerando só então ele, e de modo não concretamente apurado, o incêndio do automóvel, circunstância na qual terá sido atingido por algumas labaredas no peito, nas mãos e na cara. E, na sequência do que acaba de ser descrito, terá depois o arguido abandonado o local a pé, dirigindo-se para a sua casa.

      ” B) Assim e no exercício do contraditório veio a defesa opor-se à referida alteração, considerando estar se perante uma verdadeira alteração substancial dos factos, nos termos do artigo 359.º a qual teria de ter o acordo do arguido, do Ministério Público e do Assistente, encontrando-nos perante fatos novos que, a serem considerados provados, implicam o agravamento da dosimetria penal e até a própria qualificação jurídica do crime.

      Razão pela qual se requereu a nulidade do douto despacho de fls., da comunicação de alteração não substancial dos factos, não devendo, nem podendo, vir a ser considerado na sentença final nos termos do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2015; suscitando-se, igualmente o respetivo incidente de inconstitucionalidade da presente decisão deste Tribunal em comunicar ao arguido a alteração não substancial dos factos, tais com os apresenta, viola, de forma grosseira o disposto no Artº 163° do Código de Processo Penal e bem assim o disposto nos Artºs 32° da Constituição da República Portuguesa na interpretação que é dada ou tenha sido dada à norma do Artº 27°, do Código de Processo Penal, a violação do princípio acusatório (artigo 32º, nº 5 da CRP), a violação do direito a um processo equitativo (artigo 20º, nº 4 da CRP), bem como a proibição do princípio ne bis in idem (artigo 29º, nº 5 da CRP); C) No entanto foi a referida defesa apresentada alvo de indeferimento, alegando para tanto o Tribunal que “não estará em foco uma concretização fatual não constante de acusação conducente a uma alteração substancial dos fatos. Com efeito, os “pedaços fatuais” oportunamente mencionados pelo Tribunal apenas restringem e tentam definir - e adequar - melhor o que se passou em Audiência de Julgamento, não se descobrindo novos contextos ou situações espácio temporais diversas das descritas na acusação, pelo menos por forma a, por causa de tal alteração, cairmos em uma alteração substancial de fatos. É que, como se verá mais abaixo, a matéria fáctica comunicada faz com que devamos manter-nos no âmbito temático do Homicídio p. e p. no artigo. 131.º do Código Penal…. Pelo que, em síntese entende-se não ter havido extravasamento, com a comunicação efetuada do principio subjacente ao artigo 358.º n.º 1 do C.P.P.” D) Ora, salvo devido respeito por opinião contrária, não pode o ora recorrente concordar com tal desiderato, razão pela qual recorre da referida alteração não substancial dos fatos e da sua inclusão nos presentes autos, uma vez que a referida alteração não substancial contraria assim a douta acusação e indo muito para além da mesma, na medida em que conforme já se referiu, a mesma parte de dolo eventual (em que agente prevê um resultado ou criação de um perigo como consequência possível da sua conduta), claro elemento subjetivo do crime, para dolo direto em que o agente tem clara intenção de realizar o fato, isto é, produzir a morte de C... sob a forma de um acidente e posteriormente deflagrando um incêndio, o que configura claramente uma alteração do título subjetivo da responsabilidade do agente. Não podendo assim admitir-se que os elementos do dolo, quando não descritos na acusação, possam ser deduzidos por extrapolação dos factos objetivos, com recurso à lógica, à racionalidade e à normalidade dos comportamentos, de onde se extraem conclusões suportadas pelas regras da experiência comum.

      Não apontando na sua fundamentação, quais os factos, quais os indícios, que motivam a alteração, incorrendo assim o referido despacho em nulidade por insuficiência de fundamentação, violando o disposto no artigo 374.º do Código de Processo Penal.

    2. Ademais com a alteração perpetrada pelo Tribunal resultou assim num claro agravamento da posição processual do arguido, neste sentido acórdão do STJ datado de 21-03-2007. Assim, não poderia a douta sentença incluir fatos novos para além dos que constavam na acusação, por forma a por um lado, tal implicaria uma diminuição dos direitos de defesa do arguido, na medida em que, ficou assim irremediavelmente posta em causa a possibilidade do contraditório, de carrear para os presentes autos novos meios de prova. Sendo que, em bom rigor estes fatos cairiam na qualificação jurídica de homicídio qualificado, prevista pelo artigo 132.º n.º 2 al) h e j do C.P. no que tange à forma deliberada e intenção de matar.

    3. Razão pelo qual e salvo devido respeito por opinião contrária, a presente sentença é nula nos termos dos disposto no artigo 379.º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Penal. Mesmo que assim não se entenda o que por mero dever de patrocínio se concede, padece a presente sentença de falta de fundamentação do Tribunal nomeadamente dos artigos 97º, nº 5, 283º...

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