Acórdão nº 107/15.0GTVRL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução07 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: No âmbito do Processo Sumário n.º 107/15.0GTVLR que corre termos na Comarca de Viseu, Lamego – Instância Local – Secção Criminal – J1, foi proferida sentença, em 17 de julho de 2015, cujo Dispositivo é o seguinte: “VII- DECISÃO Nestes termos o Tribunal decide: 1. Julgar procedente, por provada, a acusação do Ministério Público, e, em consequência, condenar o arguido A... , como autor material de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º, nº 1, alínea a) do Código Penal e 152º, nº1, al. a) e nº 3, do Código da Estrada, na pena de 4 meses de prisão; substitui-se a pena de prisão de quatro meses, em que foi condenado, por igual tempo de multa (120 dias), à taxa diária de 6,00 euros, num total de 720,00 euros, nos termos do artigo 43º, nº 1 do Código Penal.

  1. Condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 9 meses, nos termos do artigo 69º n.º 1 al. a) do Código Penal.

  2. Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.

    * De harmonia com o disposto nos artigos 69º n.º 3 do Código Penal e 500º n.º 2 do Código de Processo Penal, após trânsito, deverá o arguido entregar em 10 dias a respetiva licença de condução, sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de crime de desobediência.

    * Remeta-se boletins ao registo criminal.

    * Comunique ao IMTT e ASNR.

    * Resultando das declarações do arguido, prestadas em sede de audiência de julgamento, que o mesmo após o acidente, e com a finalidade de abandonar o local, atravessou a pé para a faixa de rodagem contrária da autoestrada –A-24, extraia certidão da presente sentença, da ata da 1ª sessão de julgamento e da gravação das declarações do arguido e remeta à entidade administrativa competente a fim de ser dado inicio ao processo contraordenacional, pela prática da contraordenação prevista no artigo 72º, do Código da Estrada.” **** Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 1/10/2015, o arguido, defendendo a sua revogação e substituição por outra que o absolva, extraindo da motivação as seguintes conclusões: 1) Os agentes da GNR, entre as 21h30 e as 22h00, bateram à porta da garagem da residência e, posteriormente, a mesma foi aberta pelo arguido A... .

    2) O arguido convidou-os a entrar, tendo aqueles, inicialmente, recusado, mas, posteriormente, acabado por entrar.

    3) A solicitação para que o arguido efetuasse o teste do álcool aconteceu dentro da respetiva garagem propriedade do arguido.

    4) A advertência acerca da possibilidade de incorrer num crime de desobediência se o arguido não efetuasse o teste ao álcool ocorreu dentro da residência/garagem do mesmo.

    5) Deveria ser dado como provado que o contacto entre as autoridades e o arguido se efetuou cerca de duas horas após a ocorrência do acidente.

    6) Deveria ter sido dado como facto assente que o arguido não foi notificado do auto de notícia (a folhas 3 do processo), do termo de constituição de arguido (a folhas 4), não lhe foram comunicados os seus direitos e deveres, o termo de identidade e residência (a folhas 5), a notificação/libertação (a folhas 6) e a concessão provisória de apoio judiciário (a folhas 7).

    7) A falta de notificação do expediente elaborado pelos agentes da GNR está convenientemente comprovada pela ausência da sua assinatura por parte do arguido, assim como pelo próprio depoimento das testemunhas.

    8) A folhas 6 dos autos, no documento “notificação/libertação”, aparece a menção de que “o arguido foi reposto em liberdade às 22h30 do dia 21.06.2015 (artigo 385.º, do CPP).

    9) Sucede que, tal como foi confirmado pelo depoimento das duas testemunhas – agentes da GNR – que se deslocaram à residência do arguido e procederam ao levantamento do auto, os mesmos não tiveram oportunidade de notificar o arguido de qualquer formalidade legal, nomeadamente da sua constituição como arguido e dos direitos e deveres inerentes a tal condição.

    10) Mormente, nunca poderia o arguido ser libertado, uma vez que nunca lhe chegou a ser comunicada qualquer detenção.

    11) Ambas as testemunhas foram categóricas em afirmar que apenas comunicaram ao arguido que a recusa à submissão do teste de álcool o levaria a incorrer num crime de desobediência e nada mais do que isso.

    12) Todo o procedimento das autoridades assentou na violação ou na inobservância das disposições da lei do processo penal, o que determina a nulidade de todos os atos praticados, nomeadamente por violação do disposto nos artigos 126.º, n.º 3, 171.º, n.º 4, 172.º, 174.º, 177.º, do CPP, 32.º, n.º 6, 34.º, n.ºs 1 e 3, da CRP.

    13) Concretamente, no artigo 126.º (métodos proibidos de prova), n.º 3, prevê-se que “ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio,…, sem o consentimento do respetivo titular”.

    14) Por conseguinte, a pretensão dos agentes de autoridade ao solicitar ao arguido que realizasse o teste de álcool, na sua residência, após as 21h00, consubstancia claramente um caso de obtenção de prova ilegal (método proibido de prova).

    15) O tribunal deveria determinar a nulidade de todo o procedimento (artigos 118.º e seguintes, do CPP), o que, em consequência, origina uma nulidade da sentença, nos termos da al. c), do n.º 1, do artigo 379.º, do CPP.

    16) Ao arguido não foi comunicada a sua constituição como arguido, a sua submissão à prestação de TIR nem lhe foram comunicados e devidamente explicitados os direitos e deveres que lhe assistiam da sua condição de arguido, entre outros.

    17) Existiu uma clara violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, e ao disposto nos artigos 58.º, 60.º e 61.º, do CPP, gerando, assim, uma nulidade da sentença, nos termos da al. c), do n.º 1, do artigo 379.º, do CPP.

    18) Compulsados os autos, veio o MP validar os atos praticados pela autoridade policial (a folhas 13 dos autos), os quais deveriam ter sido considerados irregulares por falta da sua notificação ao arguido.

    19) Falta de verificação dos elementos do crime previsto no artigo 348.º, n.º 1, al. a), do CP, por referência ao disposto no artigo 152.º, n.º 1, al. a), e n.º 3, do CE.

    20) De acordo com a jurisprudência firmada no acórdão do TRP, proferido no âmbito do processo 109/13.0GTAVR.P1, em 13/5/2015, “é indispensável ao preenchimento do tipo legal do crime de recusa a provas para deteção de álcool a atualidade da condução no momento da convocação do condutor para fazer o exame de alcoolemia, como se decidiu já no acórdão do TRL, de 17/12/2002”.

    21) O arguido tinha toda a legitimidade de se recusar a realizar o teste de deteção de álcool no sangue, não podendo tal recusa consubstanciar o crime de desobediência previsto no artigo 348.º, n.º 1, al. a), do CP: 22) Também está patente no caso sub judice a violação do disposto no artigo 32.º, n.º 2, da CRP, o princípio da presunção de inocência.

    23) A sentença padece de vícios, entre os quais erro na apreciação da prova e na qualificação jurídica sobre a matéria de facto que, aliás, pode ser sindicável por este tribunal da Relação, em razão dos seus poderes de cognição.

    24) No caso concreto, resulta que o Tribunal valorou em sentido desfavorável ao arguido, não deu como provados factos relevante para a sua absolvição, assim como fundamentou a sua decisão num entendimento contrário àquele que se pode retirar do depoimento das testemunhas e das próprias declarações do arguido.

    25) Foi errada/valorada indevidamente a prova, prova essa adquirida com o recurso a métodos de obtenção de prova proibidos por lei.

    26) Salvo o devido respeito, a pena aplicada ao recorrente é particularmente gravosa e os fundamentos que a suportam estão assentes em erradas interpretações.

    27) Perante toda a factualidade apurada, a concreta medida da pena aplicada ao arguido e o modo escolhido para o seu cumprimento (prisão efetiva) violou, designadamente, o disposto nos artigos 71.º, n.º 2, 40.º, do CP, 369.º, n.º 1, 370.º, n.º 1, do CPP, 18.º, da CRP.

    28) A livre apreciação da prova não é livre arbítrio ou valoração subjetiva, mas realiza-se de acordo com critérios lógicos e objetivos e não em especulações e incertezas.

    29) (…).

    30) (…).

    31) A sentença aqui recorrida está ferida de erro notório na apreciação da prova, por violação do disposto nos artigo 410.º, n.º 2, a), b) e c), e n.º 3, 412.º, n.ºs 2 e 3, do CPP.

    **** O recurso, em 8/10/2015, foi admitido.

    **** O Ministério Público, em 12/11/2015, respondeu ao recurso, contra-alegando, em resumo, o seguinte: 1) Não há erro notório na apreciação da prova.

    2) O artigo 126.º, do CPP não foi violado.

    3) Estão preenchidos os elementos constitutivos do crime pelo qual o arguido foi condenado.

    4) Não foi violado o princípio in dubio pro reo.

    5) A pena aplicada em concreto revela-se adequada.

    **** Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, em 13/1/2016, no sentido da improcedência do recurso, tendo realçado o seguinte: “(…). Sejamos claros e digamos, em jeito de conclusão: o essencial que o recorrente no fundo pretende escamotear é que a ordem dada pelos agentes de autoridade para a realização do teste de alcoolemia aconteceu porque ele foi interveniente num acidente de viação; daí a obrigatoriedade legal de tal pesquisa de álcool no sangue, nos termos do artigo 156.º, n.º 1, do C. da Estrada; abandonou o local na tentativa de fugir às suas responsabilidades e recusou-se a efetuar o dito exame com a ideia de evitar para si males maiores em termos de consequências jurídicas, nomeadamente penais.

    Só tal comportamento eivado de pouca civilidade obrigou os agentes de autoridade a, no cumprimento da lei e do seu estrito dever, terem atuado como atuaram.” Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, tendo o arguido, em 1/2/2016, usado do direito de resposta em que se limitou a reiterar o anteriormente alegado.

    Efectuado o exame preliminar...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT