Acórdão nº 798/15.1T9GRD-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelISABEL VALONGO
Data da Resolução07 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra: I RELATÓRIO No processo de inquérito que, com o n.º 798/15.1T9GRD-A.C1 corre termos nos serviços do Ministério Público da Guarda, no âmbito do qual é investigada a prática de eventual crime de burla, o participante A... , requereu a respectiva constituição como assistente (cfr. fls. 139), pretensão que veio a ser indeferida por despacho judicial, com o fundamento na ausência de legitimidade.

Inconformado com este despacho, veio o participante A... apresentar recurso, pugnando pela sua revogação e substituição por outro que o admita a intervir nos autos naquela qualidade, para o que apresentou as seguintes conclusões: a.

“No âmbito dos presentes autos o ora Recorrente manifestou a sua intenção de se constituir como Assistente, nos termos do art. 68.º, n.º 1, alínea a) do C.P.P..

Ora, veio agora o Tribunal a quo indeferir a constituição de Assistente por parte do Recorrente, alegando, para tal a sua falta de legitimidade, em virtude do mesmo não se poder considerar titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação.

b.

A questão em causa nos presentes autos reside, portanto, no preenchimento do conceito de ofendido, enquanto titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação.

c.

Assume a qualidade de ofendido quem for titular daquele especial interesse, que constitui objecto imediato do crime (cfr. art. 68.º, n.º 1, alínea a) do C.P.P e art. 113.º, n.º 1 do C.P.).

d.

A legitimidade de ofendido deve, por conseguinte, ser aferida por reporte ao tipo legal de crime que estiver em causa.

e.

Vertendo ao concreto caso dos presentes autos veja-se que se discute o facto de B... , C... e D... terem movimentado grandes valores monetários e ainda o facto de terem adquirido um vasto património imobiliário, através de um plano previamente traçado, tudo com o património dos pais de A... , estando em causa um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art. 218.º do C.P..

f.

No crime de burla o legislador procurou acautelar o património, não só do burlado, com também de algum terceiro que, como consequência directa do engano provocado pelo agente sofra um prejuízo patrimonial.

g.

O acórdão 1/2003 do Supremo Tribunal de Justiça decidiu que o vocábulo “especialmente”, previsto no artigo 68º al. a) do CPP não deve ser compreendido como “exclusivamente”, mas sim como ‘particularmente”. Deste modo, a mesma norma pode abranger interesses relativos a mais do que apenas um ofendido; h.

No caso vertente, para além de outros burlados, o recorrente é titular de um interesse que especificamente a norma procurou proteger.

j. Ora, parece-nos claro que o Recorrente não se auto titula de só indirectamente ofendido.

k. Mas sim que existem uma pluralidade de factos que directa e indirectamente o qualificam de ofendido! 1. São elementos típicos integrantes do Crime de Burla, p. e p. pelo art. 217.º do C.P..: 1) A prática de um acto por determinado agente que, 2) propositadamente, e 3) com intenção de obter enriquecimento ilegítimo, 4) engana outra pessoa, 5) de modo a causar-lhe, a si ou a terceiro, um prejuízo patrimonial; m. Olhando para o tipo de crime de burla previsto e punido nos termos do art. 217.º do C.P., dúvidas não restam que o legislador procurou acautelar o património, não só do burlado, como também de algum terceiro que, como consequência directa do engano provocado pelo agente sofra um prejuízo patrimonial; n. Os Denunciados não se limitam a obter um proveito ilícito, para si, pelo erro intencionalmente criado, nem pretendem apenas atingir o prejuízo patrimonial dos pais do Recorrente, o. Os denunciados procuram, e conseguem, provocar um prejuízo ao Recorrente, que decorre, directamente, das suas condutas; p. O mesmo acto ilícito pode provocar prejuízo a uma pluralidade de pessoas, e portanto, provocar vários ofendidos.

q. O prejuízo provocado pelos denunciados ao Recorrente não é apenas indirecto e reflexo, mas decorre, directamente, da conduta dos denunciados, r. O recorrente é, por isso, titular de um interesse que a norma incriminatória procurou acautelar, e, portanto, tem legitimidade para apresentar a queixa e constituir-se assistente, dado que é ofendido, na extensão que o conceito deve ter, conforme fixado pelo Acórdão 1/2003 do Supremo Tribunal de Justiça, s. O Meritíssimo Juiz a quo interpretou de forma errónea o disposto no artigo 68º n.º 1 al. a) do CPP, nomeadamente, quanto ao conceito de ofendido, já que deveria ter considerado que o recorrente, sendo titular de um interesse especialmente protegido pela norma, tem legitimidade para se constituir assistente, t. Veja-se que, A... tem a certeza absoluta que as quantias utilizadas pela B... e marido, C, e que serviram para a aquisição de bens provêm das contas bancárias, das aplicações financeiras e dos negócios dos pais do recorrente. Alguns dos montantes passaram pelas contas dos pais e lhe foram tiradas sem o seu consentimento, outros valores foram desviados antes de entrarem nas contas dos Pais.

u. Ora, a sua irmã tem claramente um nível de vida que com os rendimentos declarados por ela e pelo seu marido era impossível de possuírem, v. Tem, pois, A... legitimidade em se constituir Assistente, na medida em que o dinheiro que terá sido utilizado (indevidamente) por C e B...

pertence aos seus pais, sendo evidente, portanto, que o mesmo é OFENDIDO.

w. Pois, aquando da altura das partilhas será necessário trazer tais valores à colação.

x. Constam expressamente da denúncia apresentada pelo Denunciante factos que permitem concluir que este ficou lesado nos seus interesses em virtude da conduta levada a cabo pelos Denunciados e que o Denunciante entende que consubstancia a prática do crime de burla qualificada, p. e p. pelo art.° 218.° do C.P, salvo melhor qualificação jurídica.

y. Assim, impunha-se, face às circunstâncias particulares do caso e ao tipo legal de crime em causa que se concluísse que o Denunciante, surge como titular de um interesse digno de tutela e acautelado pela norma incriminadora em apreciação.

z. Ora, sendo A... Ofendido — e não apenas Denunciante — tem o mesmo a possibilidade de se constituir como Assistente, nos termos do art. 68.º n.º 1. alínea a) do C.P.P.. o que, desde já, se requer a V. Exa. devendo para tanto ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que constitua o Recorrente como Assistente.

Nestes termos e nos melhores de Direito requer-se a V. Exa. a revogação do despacho recorrido e, em consequência, a sua substituição por outro que constitua o Recorrente como Assistente.” * Na resposta, o MP pugnou pela manutenção da decisão recorrida e consequente improcedência do recurso, concluindo que: “Esse é o entendimento sufragado unanimemente, pela jurisprudência por nós conhecida, senão vejamos: Ac. TRE de 9-10-2007, CJ, 2007, T4, pág.269: “Para efeito de constituição de assistente não têm legitimidade todas as pessoas prejudicadas com a prática de certo crime, mas tão somente os titulares de interesses que constituam objecto jurídico imediato do crime.” Ac. TRL de 3-06-2008, Proc. 3185/08 5a Secção Desembargadores: Emídio Santos e Nuno Gomes da Silva: “Num processo penal por factos susceptíveis de integrar o crime de burla, será ofendido, para efeitos de constituição de assistente, o titular do património que foi directamente prejudicado pela acção delituosa.

” E note-se que é o próprio recorrente, nas respectivas conclusões - letra w. - que dá resposta ao anseio que o motivou na instauração dos presentes autos e do recurso a que ora se dá resposta, quando refere: “aquando da altura das partilhas será necessário trazer tais valores à colação” É pois esta a pedra de toque de toda a matéria subjacente aos presentes autos.

O recorrente arroga-se de uma posição de herdeiro, relativamente aos seus pais, que se encontram vivos, e, tanto como decorre dos respetivos assentos de nascimento (cfr. certidões juntas a fls. 1233 a 1236), não se encontra registada qualquer limitação às respectivas capacidades de exercício e de disposição de bens, por via de uma qualquer limitação aos direitos de personalidade, por incapacidade, a título de interdição ou, sequer, de inabilitação.

Os pais do participante são, pois, pessoas livres e autónomas, que têm direito a gerir e a administrar os seus bens, enquanto forem vivos, da forma que lhes aprouver, o que aparentemente vêm fazendo.

Haverá determinadas limitações ao exercício livre de tais direitos, previstas na legislação de natureza civil, que poderão ser discutidas nessa jurisdição.

Será, pois, em sede de processo de partilha por óbito dos pais do participante, após tal suceder, que as disposições patrimoniais que os mesmos fizeram em vida, poderão ser levadas à colação.

Pelo exposto, por falta de legitimidade para o efeito, entendemos que deve ser mantida, nos seus precisos termos, a decisão recorrida de não admissão de A... a intervir nos presentes autos como assistente.

Termos em que, por não nos merecer qualquer censura a decisão proferida pelo M.

mo Juiz de Instrução, deverá ser negado provimento ao recurso a que ora dá resposta.

Vossas excelências, porém, Senhores...

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