Acórdão nº 39/14.9JACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Abril de 2016
Magistrado Responsável | MARIA PILAR DE OLIVEIRA |
Data da Resolução | 20 de Abril de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório No processo comum colectivo 39/14.9JACBR da Comarca de Coimbra, Instância Central de Coimbra, Secção Criminal, J2, o arguido A... , identificado nos autos, foi sujeito a julgamento acusado da autoria dos seguintes crimes: - Um crime de violação agravado, p. e p. pelo artigo 164º, nº 1, alínea a) do Código Penal, conjugado com o artigo 177º, nºs 1, alínea a), 6 e 7 do mesmo preceito legal – práticas de sexo oral; - Um crime de violação agravado, p. e p. pelo artigo 164º, nº 1, alínea b) do Código Penal, conjugado com o artigo 177º, nºs 1, alínea a), 6 e 7 do mesmo preceito legal – introdução superficial da língua do arguido na vagina da menor, - Um crime de coacção sexual agravada, p. e p. pelo artigo 163º, nº 1, /1 do Código Penal, conjugado com o artigo 177º, nºs 1, alínea a), 6 e 7 do mesmo preceito legal – restantes práticas sexuais mantidas com a menor C... ; No que respeita à menor J... : - Um crime de abuso sexual de menor, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 171º, nº 1 do Código Penal.
Realizada a audiência de julgamento, em 14 de Abril de 2015 foi proferido acórdão absolvendo o arguido da totalidade dos crimes que lhe forma imputados.
Inconformado, recorreu o Ministério Público, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1- Neste recurso, extensivo à decisão em matéria de facto, manifesta-se discordância pele exclusão de meios de prova que eram e são legalmente admissíveis e livremente valoráveis, além de se pretender demonstrado que as declarações prestadas, pelo arguido, não foram plenamente consideradas e, por isso, devidamente valoradas, tudo isto com implicação directa e decisiva na enumeração de factos provados e não provados e determinante da subsunção dessa factualidade ao direito.
2- Diversamente do que no acórdão absolutório se afirma, o arguido A... não negou haver praticado os factos. Bem pelo contrário e ainda que numa versão irrealista e de desculpabilização, o arguido deixou explicitamente perceber que admitia a objectividade dos factos.
3- Por sua vez e ainda contrariamente ao que o douto Colectivo de Juízes veio a considerar, a menor C... não se recusou a depor. Foi chamada a depor e até depôs sobre factos objecto do processo, sendo certo que, para desaparecer a proibição de valoração de depoimento indirecto - cuja razão de ciência radicasse naquele testemunho - bastaria que a mencionada ofendida houvesse sido chamada a depor - neste sentido, o Acórdão do TRC, de 26 de Novembro de 2008, proferido no Proc. n.º 27/05.6GDFND.Cl, disponível em www.dgsi.pt.
4- No entanto e mesmo na perspectiva do entendimento do douto Colectivo de Juízes (de que não teria havido prestação de depoimento), padecendo a criança ofendida de uma afectação psico-afectiva grave, passível de ser enquadrada no apontado conceito alargado de anomalia psíquica, sempre se estaria perante uma das excepções que, nos termos do citado artigo 129°, n.º 1, dispensaria o depoimento da menor, podendo e devendo o testemunho de quem a ouviu ser legalmente admitido e, como meio de prova, devidamente valorado.
5- Salvo melhor entendimento, o disposto nos artigos 356°, n.º 7, e 357°, n.º 2, do CPP, não tem aplicação no caso destes autos. Conforme Acórdão do STJ, de 15 de Fevereiro, proferido no Proc. n.º 06P4593 [disponível em www.dgsi.pt] e além da "conversa informal" não haver sido mantida com um arguido, tudo se passa no plano da recolha de indícios de uma infracção de que o OPC acaba de ter notícia, nada legalmente obstando a que, no seu depoimento, em audiência de julgamento, o agente de autoridade até pudesse relatar o conteúdo de diligências de investigação e, concretamente, o conteúdo dessa conversa.
6- Da valoração de diversos meios de prova [pericial, documental, por declarações e por depoimento] e da sua concertação, em conjugação ainda com as regras da experiência. Designadamente, - do relatório da perícia médico-legal (observação psicológica) efectuada à menor C... , onde se dá nota do sentimento de medo desta criança, relativamente ao pai, que dela abusava sexualmente; além disso, nesse relatório conclui-se pela credibilidade do discurso da criança; - do depoimento de M... , que assume evidente relevância, na medida em que, por um lado e enquanto directo, afirma que o relacionamento entre os pais da menor C... “não era bom”: atestando mesmo que a mãe, B... , era fisicamente agredida pelo arguido, tendo-a mesmo visto com marcas dessa violência - cfr. acta de fls. XX e ficheiro n.º 20141201100929_2298997_2870708.html (minutos 03.00 a 05.30), e, enquanto indirecto, descreve, com indicação da respectiva razão de ciência e com utilização de expressões de uma criança, as práticas sexuais a que a pequena C... foi submetida, pelo arguido, seu pai, quando a esposa deste se não encontrava em casa: - o pai mandava-a despir e despia-se também - que lhe metia aquilo dos homens adultos na boca dela e que às vezes se engasgava, mas que ele continuava na mesma - aquando da sua narrativa, a menor C... fez alguns gestos do que então tinha que fazer - por vezes, quando não era ... quando não lhe punha na boca, sentava-a no colo dele, de costas para ele e que lhe punha aquilo dos homens no rabo - que por vezes se queixava que lhe doía, mas que o pai continuava e que lhe fazia força no corpo dela para continuar [ficheiro referido, minutos 06.50 a 10.15); - do depoimento da menor J... que, por si (depoimento directo), pôde afirmar a apetência do arguido para a prática de crimes sexuais com menores e, em função do relato que lhe foi feito pela sua amiga C... (depoimento indirecto), tornou possível concretizar os actos sexuais a que esta foi repetidamente forçada pelo pai; - do depoimento da Inspectora da Polícia Judiciária, P... , que confirmou que lhe foram relatados pormenores de práticas sexuais e como era recomendado, a esta, pelo pai, que guardasse silêncio e como lhe era recomendado, pelo pai, que guardasse silêncio; - do teor dos relatórios de psicologia, subscritos pela Dr.ª Q... e pela Prof. Doutora R... , antes parcialmente transcritos; - das declarações do arguido, que não deixam de constituir, ainda que numa versão fantasiosa e de desculpabilização, a admissão objectiva dos actos sexuais praticados com a filha, é fundado e imperioso estabelecer, como provados, além dos antes fixados, os seguintes factos: a) A menor C... tinha, assim, o pai como pessoa agressiva e que era necessário não contrariar, pois temia deste modo desencadear uma crise de fúria deste, até porque já as tinha presenciado em casa, fosse quando dirigidas à mãe.
b) Neste contexto familiar, aproveitando-se do temor que a menor C... tinha para consigo, que em momento não concretamente apurado, mas que se iniciou seguramente no início do verão de 2013 e se prolongou até finais de Janeiro de 2014, sempre no interior da residência do arguido e família, sita na (...), (...) , aproveitando-se de alturas em que ficava sozinho com a menor C... , designadamente por a mãe desta ter ido, por exemplo, às compras ou efectuar outra tarefa doméstica do género, o arguido chamava a menor C... ao quarto do casal.
e) A menor C... , com medo de contrariar o pai, ia.
d) Com os dois dentro do quarto do casal, o arguido fechava a porta e tirava a sua roupa, ficando nu em frente à menor, sua filha.
e) Tirava também - ou exigia à sua filha que tirasse - a roupa que a criança trazia vestida, ficando assim a menor despida.
f) Em seguida, o arguido tinha com a menor, sua filha, um de varros tipos de comportamentos distintos, a seguir descritos, sendo que cada um destes comportamentos ocorreu por repetidas vezes durante o período acima indicado.
g) Por vezes, o arguiclo sentava-se na cama e puxava a sua filha C... para o seu colo, de costas virada para si:f}:íú" seguida, com o seu pénis crecto, colocava-o no ânus da menor e, alheando-se de queixas dolorosas da criança, fazia pressão com o corpo da criança cm sua direcção, procurando e logrando deste modo satisfazer os seus instintos libidinosos.
h) Noutras ocasiões, sempre no interior do quarto do casal e com a porta fechada, com os dois nus, o arguido agarrava a cabeça da menor C... e com a outra mão segurava no seu pénis erecto, que colocava no interior da boca da criança .
i) Em seguida, continuando a agarrar a cabeça da sua filha, fazia movimentos repetidos para a frente e para 'trás, obrigava-a ainda a fazer com a boca movimentos de sucção em vai e vem, procurando ejacular e deste modo obter a satisfazer dos seus instintos Iibidinosos.
j) Quando mantinha com a menor C... , sua filha, cada um dos tipos de práticas acima indicadas, o arguido ainda beijava a menor na boca, acariciava-a com as mãos na zona do peito e vagina, pegava nas mãos da menor C... e obrigava-a a esfregar o seu pénis repetidamente e passava a sua boca e língua na zona vaginal da menor, em movimentos ritmados, procurando com tais condutas e deste modo obter a erccção do seu pénis e concretizar então cada uma das práticas acima descritas.
l) O arguido, depois de terminar cada uma das condutas acima indicadas, advertia a menor C... , por repetidas vezes, em tom sério e agressivo, para esta não contar nada a ninguém do que sucedia entre os dois: m) A menor C... , receosa do pai, nada contava e suportava em silêncio estes comportamentos do pai para consigo.
n) O arguido manteve estas condutas para com a menor, por diversas vezes e pelo menos entre inícios do verão de 2013 até finais de Janeiro de 2014.
o) O arguido, pelo menos entre o início do verão de 2013 e até finais de Janeiro de 2014, pedia à sua filha C... para que esta convidasse e levasse "amiguinhas" lá para casa, para poder manter com estas as mesmas práticas de cariz sexual que mantinha com a filha.
p) A menor C... , percebendo os intuitos do pai, não acedia aos seus pedidos.
q) O arguido aproveitava-se da pouca idade da criança e temor que esta tinha para consigo para obter a colaboração da menor nas...
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