Acórdão nº 2664/15.1T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Abril de 2016
Magistrado Responsável | ORLANDO GON |
Data da Resolução | 27 de Abril de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.
Relatório Pelo Tribunal Coletivo da Comarca de Leiria – Instância Local de Leiria, Secção Criminal, J2 –, foi realizada audiência de julgamento, nos termos dos artigos 471.º e 472.º do C.P.P. e, no seu final, por acórdão de 20 de Outubro de 2015, foi decidido proceder ao cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido A...
e condenar este nas seguintes penas únicas, a serem cumpridas sucessivamente: - primeiro cúmulo jurídico (processos 431/09.0PBVFX, 136/09.2JALRA, 139/08.4PATVD, 65/08.7GBCLD, e 87/10.8PAAMD): quatro anos de prisão efetiva, trezentos dias de multa à taxa diária de cinco euros e, ainda, setecentos euros de coima pela contraordenação, p. e p. pelo artigo 97º do Novo Regime Jurídico das Armas; e - segundo cúmulo jurídico (processos 75/12.0PEAMD e 15/11.3GACLD): quatro anos e três meses de prisão efetiva.
Inconformado com o douto acórdão dele interpôs recurso o arguido A... , concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1- O presente recurso, o qual versa sobre matéria de direito, vem interposto do douto acórdão do Tribunal recorrido, o qual decidiu condenar o ora Recorrente nas seguintes penas únicas, as quais deverão ser cumpridas sucessivamente: - primeiro cúmulo jurídico (processos 431/09.0PBVFX, 136/09.2JALRA, 139/08.4PATVD, 65/08.7GBCLD, e 87/10.8PAAMD): quatro anos de prisão efectiva, trezentos dias de multa à taxa diária de cinco euros, e ainda setecentos euros de coima pela contra-ordenação p. e p. pelo artigo 97° do Novo Regime Jurídico das Armas; - segundo cúmulo jurídico (processos 75/12.0PEAMD e 15/11 3GACLD): quatro anos e três meses de prisão efectiva.
2 - Nesta perspectiva o Tribunal a quo condenou o arguido sem a devida ponderação sobre essas circunstâncias atenuantes, não observando assim o estatuído no artigo 71° C.P., condenando o mesmo numa pena única com a qual discordamos.
3 - Recorre-se igualmente da decisão recorrida, porquanto não fez uma correcta interpretação das normas contidas nos artigos 77° e 78° C.P, violando assim outros normativos, nomeadamente, os artigos 50° a 57° C.P..
4 - Assim, resulta que, o que interessa aqui discutir é: - se devem ser cumuladas numa pena única penas de diferente natureza, nomeadamente, penas de prisão efectiva e penas de prisão suspensas; - se deve ser cumulada a coima aplicada no “primeiro cúmulo” atendendo ao teor do artigo 77° C.P.; - se as penas de multa pagas voluntariamente deverão ser englobadas no cúmulo; - se, a medida concreta da pena única aplicada ao arguido, por não terem sido valoradas, ou valoradas deficientemente, determinadas circunstâncias atenuantes resultantes das decisão recorrida, foi excessiva.
5 - A aplicação de uma pena única no caso de concurso de crimes pressupõe que estejam em causa penas da mesma natureza.
6 - No caso vertente, foi englobada no “Segundo Cúmulo Jurídico” uma pena de prisão efectiva (Processo n° 75/12.OPEAMD) com uma pena de prisão suspensa (Processo n° 15/11.3GACLD), ora, salvo o devido respeito, estas não têm a mesma natureza.
7 - Porém, e pese embora aquele entendimento ser maioritário, perfilhamos a tese da corrente minoritária, a qual impede o cúmulo jurídico de penas de prisão efectiva e de penas de prisão suspensas. No mesmo sentido: Conselheiro Henriques Gaspar, Ac. STJ de 02/06/2004, Proc° 4P1391 em www.dgsi.pt: Ac. STJ de 20/04/2005, Procº 04P4742 em www.dgsi.pt...
8 - As duas penas em causa são de natureza diversa. A pena de prisão suspensa é uma pena de substituição. Tal como referido no Acórdão do Tribunal de Coimbra de 11/09/2013, Processo n° 108/08.4SFLSB-A.L1-3 disponível em www.dusi.pt: “Cumular reclusão com liberdade, é operação que se mostra, em si mesma, impossível.” 9 - De facto, a pena suspensa, prevista no artigo 50° do C.P., enquanto pena de substituição é de natureza diferente da pena de prisão, tendo em conta a sua natureza e função político- criminal que lhe está inerente.
10 - A pena de prisão suspensa não se traduz, por si só, numa pena de prisão efectiva já que, a mesma tem requisitos específicos de imposição, bem como, regras próprias de cumprimento (artigos 50° a 54° C.P.) e de eventual revogação (artigo 56° C.P.). A pena de prisão suspensa pode abranger a imposição de regras de conduta ou deveres específicos, sendo certo que, ao contrário da pena de prisão efectiva, a sua imposição não priva o condenado da sua liberdade.
11 - Ao proceder-se ao cúmulo jurídico destas duas penas (prisão efectiva e prisão suspensa), estaríamos a alterar a natureza da pena de prisão suspensa, o que teria graves repercussões na esfera jurídica do arguido, pois passaria o mesmo de uma situação de liberdade para outra completamente oposta - a de reclusão. Não atendendo aos normativos que a lei impõe para que tal estado de reclusão possa ser alcançado, nomeadamente o previsto no artigo 56° C.P.
12 - A pena de prisão suspensa é uma pena de substituição a qual se encontra condicionada: pode vir a ser declarada extinta (artigo 57° C.P.) através de procedimento adequado ou pode vir a ser revogada (artigo 56° C.P.).
13 - Nesta medida, enquanto não houver decisão de extinção da pena da revogação da suspensão, não é susceptível de execução como pena de prisão. Resulta do art° 56° C.P. que a revogação não é automática, e só esta determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença.
14 - Nesta senda, o Tribunal a quo, ao entender que estas duas penas deviam ser cumuladas, violou o artigo 56° C.P..
15 - No caso em apreço foi efectuado cúmulo jurídico (“primeiro cumulo jurídico”) onde foi o arguido condenado, para além do mais, em trezentos dias de multa e setecentos dias de coima.
16 - Contudo, não deverão tais penas entrar no cúmulo, porquanto, e embora não seja feita referência na douta decisão recorrida, o arguido cumpriu, pagando de forma voluntária, ou seja, já se encontram extintas pelo pagamento, pelo que, não deviam ser integradas no cúmulo.
17 - Como facilmente se depreende, o artigo citado, refere-se a crimes e a penas, é esta a letra da lei. Pelo que, e sem delongas, não deverá tal coima a qual corresponde a uma contraordenação sancionada através de uma coima (e não a um crime punido com uma pena), porque não prevista no artigo 77° CP, com a finalidade de ser integrada no cúmulo jurídico para efeitos de fixação de pena única, contrariando o espírito da lei.
18 - Pelo que, violou aquela decisão o preceituado no artigo 77°, n° 1 C.P.
19 - O arguido foi condenado, para além do mais, numa pena única, no âmbito do “Primeiro Cúmulo”, de 4 anos de prisão efectiva.
20 - Salvo melhor entendimento, somos de afirmar, que houve um erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410°, n° 2, c) do CPP, na medida em que, resulta do texto da decisão recorrida, por si só e conjugada com as regras de experiência comum, evidente a conclusão contrária a que chegou o Tribunal a quo.
21 - Ou seja, para a determinação da pena conjunta há que considerar o conjunto dos vários factos que integram os diversos crimes em concurso, efetuando-se uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se fosse um todo único, devendo ter em conta a existência ou não, de ligações, conexões ou pontos de contacto, entre as várias actuações, que a existirem dever-se-á ter igualmente em linha de conta o tipo de ligação, conexão, ou contacto.
22 - E é precisamente nesta linha de pensamento, que discordamos da decisão recorrida, na parte em que a mesma refere: “Em qualquer dos casos a gravidade dos factos praticados pelo arguido, numa óptica de conjunto, enquanto imagem global, é elevada tendo em conta a amplitude do leque de danosidade que os comportamentos do arguido abrangem: roubo, ameaça, injúria, simulação de crime, falsificação de documentos, furto e tráfico de estupefacientes.
A personalidade do arguido mostra uma actuação desgarrada e sem definida motivação embora com alguma influência de problemas decorrentes da toxicodependência; daqui resulta(...). (sublinhado nosso) Ao nível da valoração global dos factos, não se encontra conexão que se aponte como condicionante da actuação do arguido.
” (sublinhado nosso) 23 - Como resulta dos autos, os factos praticados pelo arguido, aqui em concurso, têm ligações, conexões e/ou pontos de contacto com o problema de adição do mesmo.
24 - Na verdade, o seu comportamento desviante vai ao encontro ao momento em que começou a consumir heroína.
25 - De realçar ainda que, nos crimes de roubo e furto o valor das coisas subtraídas é diminuto, sendo igualmente diminuto o grau e espécie de violência ou de ameaça exercida pelo arguido contra a vítima.
26 - Nos crimes de tráfico de estupefacientes, estes são todos de menor gravidade, o que demonstra a “postura” de um toxicodependente.
27 - De todo este quadro factual, toma-se indubitável a percepção de que existe, não “alguma influência de problemas decorrentes da toxicodependência”, mas, a nosso ver, de total influência de problemas relacionados com o consumo de estupefacientes, mormente: heroína e cocaína, os quais consubstanciam um fio condutor entre os factos praticados pelo arguido e a sua motivação para a prática dos mesmos - a obtenção de droga.
28 - Daí a nossa discordância, ao nível da valoração global dos factos feita pelo Tribunal a quo.
29 - Interessa também aqui referir, nesta abordagem, o estatuído no art° 71° do CP: a medida da pena é feita, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa e das exigências de prevenção; na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime depuserem a favor do agente ou contra ele.
30 - O Tribunal a quo não tomou em linha de conta as circunstâncias atenuantes, não as valorando, violando assim, o estatuído no art° 71° do CP.
31 - Importará assim valorar e ponderar o facto de o arguido ter agido motivado com o único propósito de arranjar dinheiro para adquirir a droga de que carecia, em virtude do...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO