Acórdão nº 394/11.2TBNZR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução15 de Novembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. J (…) intentou, no Tribunal Judicial da Comarca da Nazaré, a presente acção declarativa comum contra C (…), pedindo que seja declarada e reconhecida a existência de total divergência entre as declarações emitidas por A. e Ré, na escritura de compra e venda de 19.6.2008 (que melhor identificou) e a sua vontade real [a)], que essa escritura seja declarada nula “com todas as consequências legais” [b)] e seja ordenado o cancelamento de todos os registos a favor da Ré [c)].

Alegou, em síntese: em Novembro de 1995, A. e Ré começaram a viver juntos, sendo que, desde 1996, o passaram a fazer na Rua (...) , n.º 5, 1º andar, Nazaré; à data, esse imóvel pertencia ao A., a seu pai e a seu irmão, por sucessão hereditária aberta por óbito de sua mãe; em 05.11.2004, a referida fracção foi adjudicada ao A; ao longo da vida em comum, A. e Ré contraíram vários empréstimos, sendo que a situação financeira do casal se foi degradando, pelo que se viram na necessidade de recorrer a um empréstimo em condições mais favoráveis; como o A., à época, não tinha a sua situação fiscal e perante a Segurança Social regularizada, tomaram a decisão de aquele “fazer uma venda simulada da casa de morada de família” à Ré, para que esta pudesse contrair um empréstimo à habitação, no valor de € 85 000 e, dessa forma, poderem liquidar todos os empréstimos que ambos tinham contraído, pelo que, em 19.6.2008, celebraram uma escritura de compra e venda do imóvel, sem que o então por ambos declarado correspondesse às respectivas vontades e sem que tenha havido qualquer contraprestação monetária da Ré para com o A.; aquela obteve, assim, junto da Caixa Geral de Depósitos (CGD) um empréstimo no valor de € 85 000; A. e Ré liquidaram, com aquele dinheiro, outros empréstimos que “haviam contraído em proveito comum” e combinaram que, logo que liquidassem o empréstimo junto da CGD, o imóvel em causa voltaria à titularidade do A.; contrariamente ao acordado, após ruptura da vida em comum, a Ré encetou diligências para a venda a terceiro daquele imóvel.

A Ré contestou, impugnando parte dos factos alegados pelo A. e defendendo que o negócio realizado correspondeu à vontade das partes; em sede de reconvenção, invocou a existência de determinadas dívidas do A. para consigo. Terminou pugnando pela improcedência da acção e, para a hipótese de procedência, pediu[1] a condenação do A. a reconhecer a existência das dívidas para com a Ré nos valores de € 40 000 (recebidos a título de sinal e princípio de pagamento), € 85 000 (recebidos no acto da escritura de compra e venda de 19.6.2008) e € 37 000 (benfeitorias realizadas no imóvel e suportadas pela Ré), e bem assim a condenação do A. a pagar-lhe essas quantias, os “juros às taxa praticada pela CGD e referida no contrato de mútuo celebrado com a Ré” e as “despesas de antecipação contratual que a referida CGD venha a cobrar”.

O A. replicou - concluiu pela inadmissibilidade da reconvenção (ou pela sua improcedência) e como na petição inicial.

Foi proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto (assente e controvertida).

Entretanto, o A. veio arguir a “excepção da ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário natural”, visando a sua notificação “para vir aos autos deduzir incidente de intervenção principal provocada” da CGD (na qualidade de “credor hipotecário”), pretensão que, por “completamente despida de fundamento legal”, veio a ser indeferida por despacho de 15.5.2015.

Realizada a audiência de julgamento, a Mm.ª Juíza a quo, por sentença de 08.7.2015, julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos formulados pelo A., e considerou prejudicado o conhecimento da reconvenção.

Inconformado, o A. interpôs a presente apelação, formulando as seguintes conclusões: (…) A Ré respondeu à alegação concluindo pela improcedência do recurso.

Na sequência do despacho de 12.01.2016 (1ª parte) e do incidente que lhe subjaz, o A. interpôs ainda o recurso de fls. 673, admitido a fls. 699 (“conjuntamente com o recurso anteriormente admitido”).

Atento o referido acervo conclusivo e a mencionada tramitação, importa apreciar e decidir, principalmente: a) legalidade do despacho de 15.5.2015; b) impugnação da decisão relativa à matéria de facto/relevância e atendibilidade da prova documental e da prova pessoal produzidas nos autos e em audiência de julgamento; c) ónus da prova; d) decisão de mérito; e) incidente/problemática a que se reportam os despachos de 15.10.2015 e 12.01.2016 (1ª parte).

* II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos: a) O prédio sito na Avenida (...) e Rua (...) , n.º 5, é constituído por quatro fracções autónomas, designadas pelas letras “A”, “B”, “C” e “D”, correspondentes à cave e rés-do-chão para comércio, 1º andar, 2º andar e sótão, para habitação, inscrito na matriz predial sob o art.º 3908, com o valor patrimonial de € 103 690 reportado ao ano de 2009 e descrito na Conservatória do Registo Predial da Nazaré com o n.º 5453. (A) b) O referido prédio adveio à titularidade do A., em comum e sem determinação de parte e direito, com J (…) e A (…), por sucessão hereditária por óbito de L (…), em 03.3.1991. (B) c) Em 05.11.2004, o A., seu pai e irmão, constituíram o prédio sob o regime de propriedade horizontal e procederam à partilha de bens imóveis deixados por óbito de L (…), tendo a fracção “B”, composta por 4 quartos, 1 sala, 1 cozinha, 2 casas de banho, 1 arrecadação e 1 marquise, com a área de 115 m2, sido adjudicada ao A.. (C) d) O A. e a Ré começaram a viver juntos, tal como marido e mulher, no decurso do ano de 1996, no 1º andar do prédio identificado em II. 1. a) (fracção “B”), que lhes foi disponibilizada pelo pai do A., J (…). (D) e) Aí foram residir, para além do A. e da Ré, as duas filhas da Ré, um filho do A. e a filha de ambos. (E) f) Por escritura pública outorgada em 19.6.2008 junto do Cartório Notarial da Nazaré, o A. declarou vender à Ré a fracção autónoma designada pela letra “B” e referida em II. 1. a) e b), pelo preço de € 85 000 e a Ré declarou comprar a referida fracção, tendo constituído simultaneamente, com a Caixa Geral de Depósitos um contrato de mútuo com hipoteca, no qual intervieram como fiadores da quantia emprestada E (…) e H (…). (F) g) Através da Ap. n.º 4 de 2008.6.05 a fracção “B” do imóvel identificado em II. 1. a) encontra-se registada a favor da Ré, Causa: Compra; através da Ap. n.º 5 de 2008.6.05 encontra-se registada hipoteca voluntária a favor da Caixa Geral de Depósitos, Capital: 85 000 e através da Ap. n.º 3028 de 2010.01.15 encontra-se registada uma hipoteca voluntária a favor da CGD, Capital: 37 000. (G) h) A Ré prometeu vender a M (…) a fracção identificada em II. 1. f), tendo recebido € 40 000 a título de sinal. (H) i) Quando o A. passou a viver com a Ré, ele era comerciante e ela trabalhava como auxiliar educativa. (1º) j) Durante o período de tempo em que viveram em comum, em datas não concretamente apuradas, A. e Ré procederam a obras de remodelação da casa referida em II. 1. d). (resposta aos art.ºs 3º e 4º) k) Em data não apurada e com escopo não apurado, (nomeadamente) o A. contraiu um empréstimo junto de E (…), o qual foi pago após o referido em II. 1. f). (resposta ao art.º 5º) l) Em data não apurada do ano de 2010, A. e Ré passaram a fazer vidas separadas. (resposta ao art.º 14º) m) A partir de data não apurada do ano de 2010, o A. passou a pernoitar na casa do seu pai para lhe prestar cuidados de higiene e de alimentação, em virtude de ele estar doente. (resposta ao art.º 15º) n) A Ré, no âmbito do acordo referido em II. 1. h), prometeu vender o imóvel pelo preço de € 260 000. (20º) 2. E deu como não provado: a) Tenha sido no ano de 1996 que A. e Ré fizeram obras. (2º) b) As obras realizadas tenham sido suportadas por ambos e se destinassem a “equipar a casa e a tornar habitável”. (2º) c) No ano de 2000, A. e Ré tenham realizado obras de restauro e remodelação da casa, substituindo, nomeadamente a totalidade das portas, janelas, chão e móveis da cozinha. (3º) d) No ano de 2009 hajam voltado a fazer obras de remodelação das casas de banho e da marquise. (4º) e) Haja sido para procederem ao pagamento das obras que o A. e a Ré contraíram sucessivos empréstimos, nomeadamente junto de E (…), no montante de € 50 000 e outros em nome da Ré, na modalidade de crédito pessoal, na CGD e na COFIDIS, nos montantes de € 10 000 e € 6 000, respectivamente. (5º) f) O A. tenha proposto vender a fracção identificada em II. 1. f) a A (...) . (23º) g) Em consequência da incapacidade para proceder ao pagamento dos referidos empréstimos, o A. e a Ré tenham decidido, em conjunto, a necessidade de recorrer a um empréstimo, com condições mais favoráveis, para liquidar os anteriores. (6º) h) Em 19.6.2008, o A. e a Ré hajam tomado a decisão de celebrar o acordo referido em II. 1. f) apenas para a Ré conseguir junto da CGD um empréstimo para aquisição de habitação, no montante de € 85 000, apenas com a intenção de conseguirem liquidar todos os empréstimos anteriores. (7º) i) O valor declarado na escritura referida em II. 1. f) não haja sido entregue ao A.. (8º) j) Após a Ré ter obtido o empréstimo junta da CGD, o A. e a Ré tenham procedido à entrega de todos os montantes que haviam solicitado. (9º) k) O A. e a Ré hajam combinado que procederiam à liquidação do empréstimo da CGD através do produto da venda de três imóveis adjudicados...

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