Acórdão nº 208/14.1JACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Novembro de 2016
Magistrado Responsável | VASQUES OS |
Data da Resolução | 16 de Novembro de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Coimbra – Instância Central – Secção Criminal – J2, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, dos arguidos, A...
e B... , ambos com os demais sinais nos autos, imputando-lhes a prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico agravado, p. e p. pelos arts. 21º, nº 1 e 24º, h) do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C, anexa.
Por acórdão de 15 de Abril de 2016, foram os arguidos absolvidos da prática do imputado crime de tráfico agravado e condenados, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelos arts. 21º, nº 1 e 25º do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, o primeiro, na pena de um ano e dez meses de prisão, e a segunda, na pena de um ano e quatro meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período, com regime de prova.
* Inconformado com a decisão, recorreu o arguido A... , formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido que condenou o recorrente A... , na pena de um ano e dez meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade.
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Não pode o recorrente conformar-se com tal decisão, quer no que tange à matéria de facto fixada, quer no que concerne à solução de direito.
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Para efeitos do disposto no artigo 412.º do CPP, impugnam-se os seguintes pontos da matéria dada por provada: Pontos 2, 3, 5, segunda parte do ponto 6, 10 e 14.
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Para dar esta factualidade como assente, socorreu-se o Tribunal a quo da prova documental junta aos autos e essencialmente do depoimento da testemunha D... , inspetora da Polícia Judiciária e da testemunha C... , antigo companheiro de cela do aqui recorrente, sendo que o depoimento desta última testemunha se encontra gravado entre as 15:31:32 e 15:58:28.
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Sucede que a testemunha C... teve um depoimento muito pouco credível, contradizendo-se e eximindo-se a qualquer responsabilidade sobre as cartas apreendidas à arguida B... , que foram escritas pelo aqui recorrente, conforme confessou, mas a pedido do seu colega de cela, a testemunha C... .
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Esta testemunha teve um depoimento completamente "atabalhoado" e contraditório ao explicar o modo como conheceu a arguida B... .
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Na verdade, de acordo com o que disse em Tribunal, embora, reafirma-se, contradizendo-se a todo o momento, para esta testemunha foi o recorrente quem apresentou a arguida B... à testemunha e não o contrário.
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Ora, existem nos autos documentos que provam que a arguida B... começou primeiro por visitar a testemunha C... e só depois é que passou a ser visita do recorrente.
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Por outro lado, estando o aqui recorrente detido a cumprir pena de prisão há vários anos, sem nunca ter usufruído de qualquer precária, ao contrário da testemunha, não é verosímil, que tenha sido ele a apresentar a arguida à testemunha.
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Na verdade, e como acabou por confessar, a testemunha conheceu a arguida B... numa das precárias que gozou antes de ter sido castigado no E.P., justamente por lhe ter sido apreendido produto estupefaciente.
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Obviamente a testemunha jamais admitiria em tribunal que tinha pedido ao recorrente para lhe escrever as referidas cartas e fazer os desenhos que constam da mesma.
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Com efeito, esta testemunha limita-se a defender-se de qualquer culpa que possa ter na existência dos escritos que serviram de suporte à condenação.
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Pelo exposto, não repugna de modo algum, nem ofende as regras da experiência comum que, ao contrário do que se deu por provado no ponto 2 do douto acórdão, o teor dos escritos apreendidos, embora escritos pelo arguido, tenham sido ditados pela testemunha C... , na altura companheiro de cela do recorrente.
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Por outro lado, o Tribunal a quo fez tábua rasa das declarações da arguida B... que assumiu e confessou que a droga apreendida se destinava ao seu consumo pessoal.
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A arguida B... é toxicodependente desde os 18 anos de idade, consumindo todo o tipo de drogas: haxixe, heroína e cocaína.
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A arguida justificou o porquê de lhe ter sido apreendido, no interior do E.P. de Coimbra, a quantidade correspondente a uma dose de canábis, explicando que a tinha escondido nas cuecas em Aveiro por causa dos NIC'S e quando chegou a Coimbra esqueceu-se de a tirar.
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Atenta a quantidade de droga apreendida (uma dose – de acordo com o exame pericial junto aos autos), o tipo de estupefaciente (canábis) e o facto de a arguida ser consumidora deste e de outros produtos estupefacientes, não repugna nem ofende as regras da experiência comum que aquela droga se destinasse ao seu próprio consumo e não certamente a entregar ao arguido aqui recorrente para este vender no interior do estabelecimento prisional.
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Considerar que a mesma se destinava ao recorrente, para este traficar no interior do E.P., só porque ia visitá-lo e porque lhe foram apreendidas duas cartas, que o recorrente assumiu ter escrito em nome de outro recluso e a pedido deste, salvo o devido respeito, não é prova cabal nem suficiente para condenar o arguido pelo crime de tráfico de produtos estupefacientes.
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Para além disso, ao aqui recorrente, a quem são apontadas instruções dadas à pessoa da arguida através de uns escritos, em momento algum daquele dia, ou qualquer outro, teve ou manteve qualquer contacto com substâncias estupefacientes ilícitas introduzidas no E.P. pela arguida B... , razão pela qual não se pode subsumir o comportamento deste em qualquer um dos comportamentos enunciados em sede do teor normativo 21º, n.º 1 do DL 15/93 de 22/1.
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Objectivamente, não pode ser condenado pela prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade.
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Por outro lado, e atendendo a que em momento algum, o recorrente acedeu à posse de tais produtos – recorde-se 1,52 gramas de resina de canábis –, não vislumbramos que comportamento foi pelo mesmo adoptado que integre o normativo pelo qual foi condenado.
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Acresce que, os antecedentes criminais não podem servir para formar a convicção do Tribunal. O facto de o arguido ter sido condenado há pouco tempo pela prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, não é elemento de prova. Só com factos concretos é que o tribunal pode condenar, tudo o resto são meras especulações ou conclusões que se não forem corroboradas por elementos de prova, não passam disso mesmo, ou seja, de especulações ou conclusões.
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Por todo o exposto deveria o recorrente ter sido absolvido da prática do ilícito em causa.
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Com o acórdão proferido foi violado o disposto no art. 25º do DL 15/93 de 22 de Janeiro.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, conforme o alegado, assim sendo feita JUSTIÇA! * Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões: 1 – Na discordância que manifestou quanto ao decidido em matéria de facto, o recorrente limita-se a alegar a existência de dúvidas, a desvalorizar as declarações prestadas pela testemunha C... e o teor dos escritos juntos ao processo e a transcrever excertos de um ou outro depoimento que, em seu entender, justificariam interpretação que, sendo diversa daquela a que o tribunal chegou, corresponderia àquela por si pretendida. fá-lo, porém, de forma não integrada, descontextualizada de uma análise de cada meio probatório no seu todo e de uma apreciação concertada de todos eles, apenas de modo a fundamentar uma opinião diferenciada e que mais lhes conviria.
2 – No entanto, a impugnada decisão em matéria de facto resultou de uma livre e fundamentada apreciação da prova, privilegiada pela oralidade e imediação na sua produção e aferida pelas regras da experiência, constituindo o julgamento de facto uma das possíveis soluções, segundo as regras da experiência comum.
3 – A essa apreciação da prova veio a corresponder uma acertada enumeração da factual idade provada e não provada, devidamente fundamentada, e um subsequente e correcto enquadramento dos factos no direito.
4 – Assim e perante a prova produzida e decorrente da factual idade estabelecida, concluiu, o Tribunal, como se impunha, pela verificação de todos os elementos (objectivos e subjectivo) constitutivos do crime imputado e censurado ao arguido.
5 – No crime de tráfico de estupefacientes «punem-se, como realizações do crime consumado, comportamentos recuados, em relação à efectiva consumação, dado o cariz particularmente perigoso das actividades em questão e a ideia do tráfico como processo e não como resultado dum processo, não sendo, pois, concebível a tentativa deste tipo de crimes».
6 – O douto acórdão recorrido não interpretou deficientemente qualquer preceito legal e, designadamente, o disposto nos artigos 21.º e 24.º, alínea h) e 25.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e os artigos 22.º, 23.º e 73.º do Código Penal.
Nestes termos e pelo mais que, Vossas Excelências, Senhores Juízes Desembargadores, segura e sabiamente não deixarão de suprir, negando-se provimento ao recurso interposto e, consequentemente, confirmando-se o acórdão condenatório proferido, far-se-á Justiça.
* Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando a resposta do Ministério Público, e concluiu pelo não provimento do recurso.
* Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
* II. FUNDAMENTAÇÃO Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as...
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