Acórdão nº 279/10.0GARSD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelIN
Data da Resolução09 de Novembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I - Relatório No processo supra identificado o arguido A... , melhor identificado nos autos, por factos ocorridos entre 29/9/2010 e 30/12/2010, foi condenado por acórdão transitado em julgado em 21/3/2014, como autor de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.º e 204.º,n.º 2, als. a) e e), do Código Penal (CP), tendo-lhe sido aplicada uma pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

O arguido encontra-se actualmente a cumprir pena à ordem destes autos desde 30/6/2015, cfr. mandado de desligamento de fls.645 e liquidação de fls. 654.

* Posteriormente, nos termos dos art. 472.º, do CPP, foi realizada a audiência para efectivação de cúmulo jurídico com outras penas, aplicadas nos seguintes processos:

  1. No âmbito do PCS n.º 89/09.7GARSD, por factos ocorridos em final do ano de 2009, até ao mês de Dezembro de 2009, foi condenado por sentença de 3/3/2011, transitada em julgado em 4/4/2011, como autor de um crime de violência doméstica, na forma agravada, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, do CP, cfr. certidão de fls. 668 a 687, tendo sido condenado na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a tratamento médico e regime de prova.

  2. No âmbito do PCS n.º 197/10.1GARSD, por factos ocorridos no dia 30/8/2010, foi condenado por sentença transitada em julgado em 15/6/2011 como autor de um crime de condução sem habilitação legal, cfr. certidão de fls. 656 a 667, tendo sido condenado na pena de 4 meses de prisão substituídos por 300 dias de multa, à taxa de 5.00€.

    Por despacho de 29/3/2012, transitado em julgado, foi determinado o cumprimento da pena de 4 meses de prisão (cfr. fls760/761).

  3. No âmbito do PCS n.º 270/10.6GARSD, por factos ocorridos no dia 20/12/2010, foi condenado como autor de um crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo art. 348.º, n.º 1, al. b) do CP, cfr. certidão de fls. 696 a 708, tendo sido condenado na pena de 7 meses de prisão suspensa na sua execução por um ano.

    No âmbito deste mesmo processo foi efectuado o cúmulo jurídico da pena nele aplicada ao arguido com aquelas que lhe foram impostas nos processos 89/09.7GARSD e 197/10.1GARSD, tendo-lhe sido aplicada, em cúmulo jurídico, por decisão transitada em 6/9/2013, a pena única de 3 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, cfr. certidão de fls. 766 a 776.

    * Ao abrigo dos art. 77.º, n.º 1 e 2 e 78.º, n.º 1 e 2, do CP, foi o arguido condenado na pena única de 7 (sete) anos de prisão.

    * Do acórdão interpôs recurso o arguido, formulando as seguintes extensas conclusões:

    1. O Recorrente encontra-se detido desde 1 de Junho de 2012, data em que começou a cumprir pena à ordem do processo n.º 197/10, tendo depois passado a cumprir pena à ordem do processo n.º 89/09.7GARSD, seguidamente à ordem do processo n.º 270/10.6GARSD e desde 30/06/2015 à ordem dos presentes autos, ou seja, o Recorrente à data da prolação do acórdão recorrido, já havia cumprido uma pena de 3 anos e 10 meses à ordem dos processos objecto do presente cúmulo jurídico; B) Pelo que, no cálculo da pena de prisão a aplicar, teria que se abater aos 9 anos e 11 meses, 3 anos e 10 meses, sendo pois o limite máximo 6 anos e 1 mês; devendo assim a pena a fixar ter como limite máximo 6 anos e 1 mês e como limite mínimo 5 anos e 6 meses; C) É certo que quer o art. 77.º, quer o art. 78.º do Código Penal, são omissos relativamente à consideração da valoração, do tempo de pena já cumprido pelo agente, para efeitos de concurso de infracções, em sede de determinação do cúmulo jurídico, todavia, essa omissão constitui uma violação dos Direitos Liberdades e Garantias do arguido, configurando assim uma inconstitucionalidade por omissão, que se invoca para os devidos e legais efeitos; D) O princípio constitucional ne bis in idem impede que alguém seja julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo facto tipificado como crime, tal resulta do preceituado no art. 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa; assim, por maioria de razão, se um ato criminoso não pode ser julgado mais do que uma vez, um ato criminoso que foi alvo de julgamento e ao qual correspondeu a aplicação de uma pena de prisão já cumprida, ainda que parcialmente, não poderá ser alvo de nova pena; e o acórdão recorrido quando engloba, para efeitos de cômputo, o tempo de prisão já cumprido está a valorar, na determinação da medida da pena, uma condenação (ou parte dela), que se encontra já extinta por força do seu cumprimento, violando o referido princípio do ne bis in idem o que configura uma inconstitucionalidade, que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos; E) Se o arguido que tenha cumprido uma pena de prisão correspondente ao tempo da condenação, não pode sofrer qualquer outra consequência jurídica relativamente à mesma, de igual modo, aquele que cumpriu parte da pena, terá que beneficiar do mesmo tratamento relativamente ao tempo cumprido, por força do princípio da igualdade, pilar fundamental de um Estado de Direito, e que se encontra plasmado no art. 13.º da CRP, ao fazê-lo o acórdão recorrido enferma também por esta via de uma inconstitucionalidade, que se invoca para os devidos e legais efeitos; F) Do exposto resulta que a decisão que considerou para efeitos de fixação da medida da pena única, do cúmulo jurídico, o tempo de pena cumprida, viola o disposto nos art. 13.º n.º 1 e 29.º n.º 5 da CRP nos termos e fundamentos supra exarados; G) Na sequência do acidente de viação que sofreu no passado dia 15/12/2008, o Recorrente ficou com graves lesões na perna esquerda e na coluna, tendo grande dificuldade em deslocar-se, foi submetido a 4 intervenções cirúrgicas ao membro inferior esquerdo, tendo-lhe sido aplicado diverso material, que o fixou, ou seja, tem a perna fixa, não a conseguindo dobrar e mais pequena do que a direita, coxeando; motivo pelo qual não pode trabalhar, nem jogar futebol ou partilhar quaisquer brincadeiras com os seus colegas, no estabelecimento prisional, sendo tal motivo omitido no relatório apresentado; H) O problema do Recorrente, que terá estado na origem da prática dos crimes em que foi condenado, era o consumo excessivo de álcool, já havia sido já ultrapassado há mais de um ano antes daquele ser detido, encontrando-se assim totalmente ultrapassado; I) Na elaboração do cúmulo jurídico de penas (art. 77.º, n.º l do CP), o tribunal procede a uma reavaliação dos factos em conjunto com a personalidade do arguido, o que exige uma fundamentação especial da pena única, na sentença, o que não foi feito, sendo que a ausência de fundamentação integra a nulidade de sentença prevista no art. 379.º n.º 2 b) do Código de Processo Penal, nulidade que o Tribunal da Relação pode, no entanto, suprir, se os autos contiverem os elementos necessários para isso e que desde já se argue, para os devidos e legais efeitos, uma vez que tendo em consideração os documentos ora juntos, este Venerando Tribunal poderá suprir tendo em atenção todas estas circunstâncias e os problemas de saúde do Recorrente, aplicando uma pena mais benévola; J) Não podendo o cúmulo jurídico valer-se de um critério matemático, mas de um critério jurídico, atentos os limites máximo e mínimo das penas, na consideração conjunta, dos factos e da personalidade do agente, afigura-se-nos justo fixar a pena única em 6 anos.

      Nestes termos, nos melhores de direito e com o suprimento do muito omitido, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, deve declarar-se a inconstitucionalidade do acórdão recorrido ou caso assim se não entenda deve o mesmo ser revogado e substituído por acórdão que efetue o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao Recorrente, na pena única de 6 anos».

      * Respondeu o Ministério Público na 1.ª instância ao recurso interposto, nos termos do art. 413.º, do CPP, pugnando pela sua improcedência, alegando em síntese que foram observadas as regras para efectuar o cúmulo jurídico e o tribunal colectivo fundamentou devidamente a pena aplicada.

      * Nesta instância, após vista do art. 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, o ilustre Procurador-geral Adjunto, acompanhando a resposta da ilustre magistrada na 1.ª instância, emitiu douto parecer no sentido que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se integralmente a sentença recorrida.

      * Vejamos pois a factualidade que consta dos autos e respectiva fundamentação da decisão: I – Crimes e factos pelos quais o arguido foi condenado: «

    2. No âmbito dos presentes autos - P.C.C. 279/10.0GARSD: por factos ocorridos entre 29/9/2010 e 30/12/2010, foi condenado por acórdão transitado em julgado em 21/3/2014, como autor de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.º e 204.º, n.º 2, als. a) e e), do CP, em resumo, o arguido forçou os fechos de duas portas de acesso ao interior de uma casa de habitação e uma vez ai retirou do seu interior várias louças e peças de decoração, no valor global de 36.781,00€, as quais fez suas, bem sabendo que não lhe pertenciam e que agia contra a vontade da sua legítima proprietária.

    3. No âmbito do P.C.S. 89/09.7GARSD: por factos ocorridos em final do ano de 2009, até ao mês de Dezembro de 2009, foi condenado por sentença de 3/3/2011, transitada em julgado em 4/4/2011, como autor de um crime de violência doméstica, na forma agravada, p. e p. pelo art. 152, n.º 1, al. a) e n.º 2, do C.Penal, em resumo, o arguido em data não concretamente apurada, no período de vida em comum com a ofendida B... , até ao mês de Dezembro de 2009 pegou num banco de madeira e com o mesmo desferiu uma pancada na cabeça da ofendida (mãe das filhas), do que esta recebeu tratamento hospital. No mesmo período de vida comum, até à data da separação, no quarto comum do casal, o arguido quando se encontrava no quarto comum do casal e a ofendida se preparava para deitar, sem que nada o fizesse prever dirigiu-lhe as seguintes expressões...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT