Acórdão nº 293/14.6TBSEI.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução13 de Julho de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção): I – RELATÓRIO S (…) & Filhos Lda., intenta a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra: 1. J (…); 2. H (…), porquanto, no dia 11 de outubro de 2007, a autora celebrou com o R. marido uma escritura pública pela qual lhe declarou vender uma moradia unifamiliar, pelo preço de 110.000,00 €, a pagar no prazo de cinco anos; no dia 30 de junho de 2008, a Autora celebrou com J (…) e mulher, com A (…) e marido e com os aqui RR., J (…) e mulher, H (…), um documento que denominaram “Contrato de Transmissão Singular de Dívida”, pelo qual o 1º casal transmitiu aos outros dois a dívida que detinha perante a sociedade aqui autora, no valor de 302.254,49 €; no mesmo dia, a Autora celebrou com M (…) e marido, com A (…) e marido e com os aqui RR., J (…) e mulher, H (…), um documento que denominaram “Contrato de Transmissão Singular de Dívida”, pelo qual o 1º casal transmitiu aos outros dois a dívida que detinha perante a sociedade aqui autora, no valor 130.000,00 €; ainda no mesmo dia, a autora celebrou com M (…)e marido, com M (…) e marido, J (…) e mulher, A (…) e marido, e contra os aqui RR., J (…) e mulher, H (…), uma escritura pública, pelo qual os aqui Réus (juntamente com A (…) e marido) declararam assumir a dívida de J (…) e esposa à sociedade aqui autora, no valor 197.500,00 €.

Em consequência, pede: a) a condenação dos réus a pagarem, solidariamente à A. a quantia de 542.254,49 € acrescida de juros calculados à taxa legal, desde a data da citação, até efetivo pagamento; b) a condenação do R. J (…) a reconhecer que deve à A. a quantia de 49.375 € e que tem que a pagar até ao dia 30 de Junho de 2023; c) a condenação da Ré H (…) a reconhecer que deve à A. a quantia de 49.375 € e que tem que a pagar até ao dia 30 de Junho de 2023; Apenas a Ré, M (…) contesta, alegando, em síntese: a presente ação é simulada, tendo sido interposta para obter o efeito de contrariar a partilha conjugal; apenas são verdadeiros os factos alegados nos arts. 1 a 6º, sendo falso o restante; no inventário apenso ao divórcio, nunca o réu afirmou a existência de qualquer dívida, tendo afirmado a inexistência de passivo; como consta do referido inventário, a quota do casal seria de 442 536,11 €; as dívidas invocadas são fictícias, tendo sido declaradas apenas para efeitos fiscais; o ato constante do doc. nº5, doações de quotas partilha parcial em vida é um negócio dissimulado, que esconde uma verdadeira cessão aos casais; a nulidade está essencialmente na declaração de transmissão de dívida, porquanto as dívidas em causa não existiam a não ser para efeitos contabilísticos, por artifícios do progenitor; a não ser assim, as quotas do casal réu e as do Réu são, afinal, bens comuns do casal; os contratos estão interligados, não envolvendo uma doação pura, mas uma cessão onerosa para os casais; Conclui pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido ou que se declararem nulos os negócios havidos como doações de quota, caso se mantenha a declaração de transmissão de dívida, sendo nesse caso tais quotas bens comuns do casal. Mais requer que os demais intervenientes, A (…) e marido, e J (…) e esposa, sejam declarados partes interessadas, intervindo de forma provocada nos autos.

O Réu J (…), um dos legais representantes da autora, e que, juntamente com a referida A (…), subscreve a procuração que está na base na presente ação, como era de esperar, não apresenta contestação.

A Autora responde, limitando-se a alegar que os contratos celebrados pelas escrituras juntas correspondem à realidade.

Por despacho de fls. 74, o juiz convidou a Ré H (…) a esclarecer a que título pretende ver efetuado o chamamento por si requerido, desde logo, se a título principal ou acessório (uma vez que alude, por um lado, ao interesse direto em contradizer e, por outro lado, a um eventual direito de regresso).

A Ré responde de modo perfeitamente confuso, referindo, por um lado, que a intervenção deve ser acessória, mas citando os arts. 316º e 317º do CPC, respeitantes à intervenção principal[1].

Por despacho de fls. 87, foi admitida a intervenção acessória passiva nos termos dos arts. 321º e ss., CPC, de A (…) e marido, A (…), e de J (…)e esposa, G (…).

Devidamente citados, também os intervenientes se remeteram ao silêncio.

Procedeu-se a audiência de julgamento, sendo proferida sentença a julgar a ação parcialmente procedente: - condenando os Réus J (…) e H (…) a pagar, solidariamente, à Autora, a quantia de € 432.254,49, acrescida de juros calculados à taxa legal, desde a data da citação, até efetivo pagamento; - condenando o Réu J (…) a pagar à Autora a quantia de € 110.000,00, acrescida de juros calculados à taxa legal, desde a data da citação, até efetivo pagamento; - condenando o Réu J (…) a reconhecer que deve à Autora a quantia de €49.375,00, a liquidar até ao dia 30 de Junho de 2023; - condenando a Ré H (…) a reconhecer que deve à Autora a quantia de €49.375,00 a liquidar até ao dia 30 de Junho de 2023; - no mais, absolve a Ré H (…) do contra si peticionado.

* Inconformada com tal decisão, a Ré H (…) dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões: 1. Do facto de a lei dizer que o peticionado em ação é invocável pelo autor do chamamento em nova ação, não se segue sem mais que se não fixe na sentença aquilo que resulta quanto aos chamados, mesmo que não resulte em condenação quanto a esses, que ocorre por nova sentença.

  1. Se se omite qualquer referência nas considerações de direito relativamente aos chamados, ocorre nulidade de sentença.

  2. Acresceu ao Réu mais uma quota de 7.481, 97€, resultante da unificação de quotas, uma de 4 987,08€, e outra de 4 987, 28€, adquiridas na escritura de 30 de junho de 2008.

  3. Estas duas quotas foram avaliadas e tiveram valor atribuído nessa escritura respetivamente em 134.275€ e 268.500€, ou seja, 402.775€.

  4. Não integra juízo de experiência e normalidade, um gerente casado, que confia os negócios sociais à sua irmã e ao pai, e que acaba a assinar assumir dívida a favor da mesma sociedade sem que se considere que nova ação intentada contra a Ré visa obstar a cumprimento daquele perante esta.

  5. Tal como não está de acordo com a experiência, que o faça se essa sociedade lhe deve valores avultados em dividendos e acabar a passar uma procuração a favor da mesma para ser ele acionado judicialmente.

  6. O que seria normal é que deliberasse em assembleia, abstendo-se.

  7. Pelo que o mandato constitui em si mesmo nulo, porque devia ser concedido em assembleia.

  8. Nem há normalidade no facto de isso ser feito após divórcio e mapa de partilha em que tem que partilhar-se quota comum do casal. A experiência ensina que se tentam todos os obstáculos ao direito do ex-cônjuge, ainda que esses não sejam causa prejudicial uns dos outros.

  9. Há nos autos factos concludentes e integradores concretizadores (art. a e b, art. 5 do CPC), que devem ser considerados pelo Juiz e, se não se deduzir que integram simulação, tais factos permitem integrar, concluir e concretizar uma relação umbilical entre negócios, interpretando-se enquanto tal, desde que ocorra uma unidade funcional.

  10. Se a matéria a decidir, que visa responsabilizar ambos os cônjuges, é matéria em que importa a qualidade de sócio e o direito a dividendos não é indiferente a natureza da respetiva quota para se considerar ou não se os factos produzem o efeito jurídico que se pretende, porque pode integrar compensação.

  11. Esse direito reconhecido na sociedade é em si mesmo impeditivo de cumprimento que resulte de assunção de dívida, por compensação, e em nada é afetado na ideia de abstração da assunção de dívida.

  12. Todos os sócios e seus cônjuges de uma sociedade pretensamente credora e ao mesmo tempo devedora (de dividendos) não são terceiros que possam socorrer-se do princípio da abstração. E mesmo que o fossem é possível deduzir todos os meios de defesa comuns (exceto aos pessoais, pois).

  13. Factos confessados, como o de que o progenitor concebeu negócio a que os filhos se sentiram, por obediência, dever de obedecer, interessam à causa.

  14. Se essa declaração é feita pelos gerentes, mesmo que feita na base de declarações de parte, é confissão e como tal tem que ser considerada.

  15. Deve ser dada como provada a distribuição de quotas antes e depois de escritura em que se partilharam em vida novas quotas recebidas de progenitor, que por sua vez as recebeu de filhos.

  16. Se o casal tem quota comum equivalente a 20% do capital social e em resultado de ato um dos cônjuges este unifica outras duas quotas recebidas por doação, importa levar à matéria fatual a identificada distribuição.

  17. O juiz está sujeito à alegação das partes mas não está quanto ao enquadramento jurídico (art. 5, nº 3, do CPC) e isso significa que tem que ter preocupação de enquadrar juridicamente a matéria em causa, não bastando do ponto de vista jurídico uma interpretação atinente em abstrato relativamente a cada ato jurídico, mesmo que um deles esteja marcado pelo princípio da abstração.

  18. Se cada ato é em si mesmo um negócio típico, tem o tribunal ainda que curar de ver se existe nexo estre atos, e se existe e há uma realidade económica que se percebe e intui sem grande esforço que está na base do segundo dos atos, então há uma coligação de contratos, que exige uma interpretação unitária.

  19. Uma interpretação conforme à teoria da obrigação complexa considera o universo das prestações e tira daí as devidas consequências.

  20. O acordo de vontades com intuitos simulatórios pode passar por considerar dívida de casal que responsabiliza casal para afinal adquirir bens próprios.

  21. Existe ainda intuito simulatório se, no momento da cessão a filho de quota, se concebe e coloca para assinatura do casal deste assunção de dívida e com essa se consegue ficcionar que o valor a receber, que importa para determinar mais-valias, é agora menor, e assim permitir-se pagar menos IRS por esse facto. Isso é um facto notório, que nem...

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