Acórdão nº 73/14.9GAPNL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelIN
Data da Resolução13 de Julho de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra I- Relatório No processo supra identificado o Ministério Público deduziu acusação contra A...

, solteiro, pintor decorador, nascido em 30/07/1964, natural de Londres, Reino Unido, filho de (...) e de (...) , portador da Autorização de residência n° (...) , emitida em 02/04/2007 e residente em (...) PENELA, imputando-lhe a prática de dois crimes de homicídio negligente, p. e p. pelo art. 137.º, n.º 2 do Código Penal, e dois crimes de condução de veículo em estado de embriaguez e sob a influência de estupefacientes, p. e p. pelo art. 292.° n.º 1 e n.º 2 do Código Penal.

* O arguido requereu a abertura de instrução, com o fundamento de que inexiste qualquer probabilidade do arguido poder vir ser condenado por qualquer um dos crimes de condução de veículo em estado de embriaguez e sob a influência de estupefacientes.

Declarada aberta a instrução e efectuado o debate instrutório foi proferido despacho de não pronúncia quanto aos dois crimes de condução de veículo em estado de embriaguez e sob a influência de estupefacientes, p. e p. pelo art. 292.° n.º 1 e n.º 2 do Código Penal.

Despacho recorrido: «(…) Vem o arguido acusado por dois crimes de condução em estado de embriaguez e sob a influência de estupefacientes, previstos e punidos pelo artigo 292.°, n.ºs 1 e 2 do Código Penal.

Dispõe o artigo 292.º, n.° 1 do Código Penal que, "quem, pelo menos por negligência, conduzir veiculo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com urna taxa de álcool no sangue igualou superior a 1,2g/1, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal".

O n.º 2 da mesma norma legal estipula que "na mesma pena incorre quem, pelo menos por negligência, conduzir veiculo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar sob influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo perturbadores da aptidão física, mental ou psicológica.

Quanto ao n.° 1 da norma, para preenchimento do tipo legal basta aqui, pelo lado objectivo, a condução na via pública ou equiparada com uma taxa de álcool no sangue igualou superior a 1,2 gr./l. Trata-se de um crime de perigo abstracto - cfr. Maia Gonçalves, Código Penal Português anotado, l0-ª ed., pág. 812.

Está em causa a segurança da circulação rodoviária, se bem que indirectamente se protejam outros bens jurídicos que se prendem, com a segurança das pessoas face ao trânsito de veículos, como a vida ou a integridade física.

Por via pública entende-se, nos termos conjugados dos artigos 1.º e 2.º do CE, toda a via do domínio público do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais. Encontram-se assim abrangidas pela noção, estradas, auto-estradas e vias de acesso ás mesmas, praças, cruzamentos e entroncamentos, parques e zonas de estacionamento, passagens de nível, vias reservadas, corredores de circulação e pistas especiais. O conceito estende-se ainda, por força do n.º 2 do artigo 2.° do mesmo diploma legal, a vias do domínio privado, quando abertas ao trânsito público.

Uma vez que o bem jurídico protegido é a segurança do tráfego, a condução de veículo só se torna relevante face a esse mesmo bem jurídico ao ter lugar numa via pública destinada á circulação de veículos com ou sem motor.

Quanto ao elemento subjectivo, o preenchimento do tipo legal tanto poderá ter lugar a título doloso como negligente - cfr. Comentário Conimbricense ao Código Penal, II, pág. 1093 e seguintes.

Relativamente ao n.º 2 da norma, cumpre frisar que "não se tendo apurado que a presença do produto psicotrópico no corpo do condutor era perturbadora da sua aptidão física, mental ou psicológica para a condução, fica apenas demonstrado que aquele se encontrava sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, não preenche o tipo de crime de condução de veículo sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, antes se verificam os elementos de contra-ordenação ao Código da Estrada, para tal, basta conduzir sob a influência de produtos psicotrópicos na medida em que o Código da Estrada estabelece directamente aquela proibição" - Ac. da RC de 6.4.2011, in jusnet.pt.

* Cumpre agora apreciar as várias questões suscitadas no RAI.

No que respeita á invocada nulidade do artigo 120.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal, por falta da notificação da acusação ao arguido devidamente traduzida, diga-se que, a ter existido tal nulidade, a mesma encontra-se sanada.

De facto, nos termos da referida norma legal "constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais, a falta de nomeação de intérprete, nos casos em que a lei a considerar obrigatória".

Acontece que já depois do RAI ter dado entrada nos autos, ainda nos serviços do M. P., foi traduzida a acusação proferida nos autos e notificada ao arguido devidamente traduzida. É o que resulta das 493 a 503.

Assim, corno se disse, mesmo que tivesse sido cometida a invocada nulidade, encontra -se neste momento sanada, pelo que nada mais há a ordenar nesse particular.

* Relativamente ao crime do artigo 292.°, n.° 2 do Código Penal - condução de veículo sob a influência de estupefacientes - cumpre desde já atentar no relatório do INML junto aos autos.

Como se lê a fls. 512v "nesta amostra foi apenas detectado o THC-COOH. Trata-se de um metabolito que é inactivo, não exercendo os efeitos psicoactivos dos canabinóides, não influenciando, assim, o indivíduo na sua condução. A presença desta substância no organismo é unicamente indicativa do consumo de canabinóides, não se podendo estabelecer uma relação directa entre a sua presença no sangue e eventuais alterações na aptidão física, mental ou psicológica do indivíduo".

Assim, não se pode concluir que o arguido não estava em condições de conduzir em segurança, por se encontrar sob influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo perturbadores da aptidão física, mental ou psicológica.

Vejamos mais alguma jurisprudência para além do Ac. da RC de 6.4.2011, supra mencionado.

Segundo o Ac. da RP de 7.9.2011, in jusnet.pt "A presença de uma substância psicotrópica no corpo do condutor, para que preencha o crime de condução sob efeito de substâncias psicotrópicas, a mesma tem de ser perturbadora da aptidão física, mental ou psicológica para a condução".

No mesmo sentido o Ac. da RE de 5.6.2012, in jusnet.pt, nos termos do qual "para integração do tipo legal, não basta a condução sob o efeito de estupefacientes, é necessário a alegação e prova de que a presença dos produtos estupefacientes no corpo do condutor perturbou a sua aptidão física, mental ou psicológica e que essa perturbação o influenciou de modo a concluir que o mesmo não é capaz de efectuar uma condução em segurança".

...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT