Acórdão nº 2155/11.0TALRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelALICE SANTOS
Data da Resolução15 de Junho de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

***No processo acima identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou procedente, a acusação deduzida pelo Ministério Público e, em consequência: I – Condenou o arguido A... como autor material de um crime de crime de insolvência dolosa (art.º 227º-1-a)-b) do C. Penal) na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de €7,00 (sete euros);--------------- II – Condenou o arguido B...

como autor material de um crime de crime de insolvência dolosa (art.º 227º-1-a)-b) do C. Penal) na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros);--------------- III - Julgar provado e procedente o pedido de indemnização civil deduzido por E... , S.A.

e, em consequência, condenou os arguidos a pagar a esta sociedade a quantia de €36.365,13 (trinta e seis mil, trezentos e sessenta e cinco euros e treze cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde 21.12.2014, até integral pagamento;------------ IV - Julgar provado e procedente o pedido de indemnização civil deduzido por C... , S.A.

e, em consequência, condenou os arguidos a pagar a esta sociedade a quantia de €94.049,93 (noventa e quatro mil, e quarenta e nove euros e noventa e três cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde 21.12.2014, até integral pagamento;------------ Desta sentença interpôs recurso o arguido A... , sendo do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso: 1.

O presente recurso vem interposto do acórdão condenatório, proferido em 26.05.2015, o qual, injustamente, condenou o Arguido e aqui Recorrente como coautor de um crime de insolvência danosa, p. e p. pelo disposto no artigo 227/1/a e b do CP, na pena de 300 (trezentos) dias de multa à taxa diária de € 7,00 (sete euros).

  1. Mais julgou provados e procedentes os pedidos de indemnização civil deduzidos, condenando os arguidos a pagar as quantias de € 36.365,13 (trinta e seis mil, trezentos e sessenta e cinco euros e treze cêntimo) e € 94.049.93 (noventa e quatro mil, quarenta e nove euros e noventa e três cêntimos), acrescidas de juros de mora, e ainda no pagamento das custas civis e penais.

  2. Em face do disposto nos artigos 363 e 354 do CPP, conjugados com o disposto no artigo 410/3 do CPP, deve ordenar-se a baixa do processo ao Tribunal de primeira instância para repetição da prova testemunhal constituída pelas declarações prestadas por F... , dada a ausência da documentação das mesmas, o que consubstancia a omissão de um ato prescrito por lei que vicia o julgamento da matéria de facto, obrigando à anulação e repetição do ato viciado (e dos atos posteriores dele dependentes).

  3. Assim, apesar de se consignar na ata de 26-03-2015 da audiência de discussão e julgamento que “…o seu depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 11:14:59 horas e o seu termo pelas 11:48:11 horas.”, o mesmo é total e absolutamente inaudível, padecendo a aludida gravação de deficiência que torna impossível a apreensão deste elemento de prova, facultado ao Recorrente no dia 25 de junho de 2015, ou seja, ainda dentro do prazo do presente recurso (cfr. artigos 107-A/c) e 404/e, ambos do CPP).

  4. Uma interpretação dos artigos 363, 364/1 e 412/3/c), que permitisse concluir que, quando o depoimento de uma testemunha, mais a mais incluído na motivação da sentença, seja impercetível, não haveria, ainda assim, lugar à repetição desse depoimento, tornaria essas normas inconstitucionais, por violação do disposto nos artigos 18/1 20/1 e 32/1 todos da Constituição de República Portuguesa.

  5. No que respeita à decisão ora posta em crise, o tribunal a quo não faz, salvo o devido respeito, o percurso lógico-cognitivo, imposto pelo artigo 374/2 do CPP, uma vez que não enuncia os elementos que serviriam para formar a sua convicção.

  6. Da lista de factos provados não constam factos essenciais ao estabelecimento do mencionado percurso lógico, capaz de ser entendido como o trajeto que liga a premissa à conclusão.

  7. A sentença padece, ainda, de insuficiência ao nível explicitação do sentido e justificação da opção tomada quanto ao crédito ou descrédito que mereceram as testemunhas bem como quanto ao tratamento dos motivos de facto que se subsumem ao ilícito pelo qual o Recorrente foi condenado.

  8. O Tribunal a quo não pondera quaisquer fatores atinentes à credibilidade dos depoentes cujos depoimentos serviram de base ao juízo condenatório do Recorrente.

  9. Em lugar de tomar posição expressa quanto a estas matérias, o Tribunal a quo, cinge-se ao resumo e à enumeração da prova documental sem referir em que medida é que cada um desses elementos probatórios contribuiu para provar ou infirmar os factos pelos quais o Recorrente foi condenado.

  10. Ora, conforme teve o Recorrente oportunidade de explicitar supra[1], é inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 374.º do CPP, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1.ª instância.

    Com efeito, incorreu o tribunal a quo na nulidade prevista no artigo 379/1/a do CPP, fundamento do recurso, nos termos do artigo 410/3.

  11. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada constitui o vício a que alude o artigo 410/2/a do CPP.

  12. No caso vertente a sentença recorrida padece deste vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, porquanto lhe faltam factos, individualmente considerados, de entre a extensa lista de condutas consideradas provadas e não provadas, que autorizem as conclusões tiradas e que permitam, dessa forma, suportar a decisão dentro do quadro das soluções de direito plausíveis.

  13. Com efeito, os elementos probatórios de que dispunha o tribunal não permitiam chegar às conclusões a que chegou, havendo vários segmentos da motivação, os quais, se devidamente ponderados, apontariam para a conclusão de que o grau de participação do Recorrente nos factos é ínfimo ou mesmo inexistente.

  14. De entre a panóplia de factos invocados não existe, nem foi, como tal, dado como provado, qualquer facto que concretizasse: A alegada intenção dos arguidos de prejudicarem os credores; O mau propósito subjacente à venda da D... ; Que valor tinha, afinal, o ativo da D... em nos anos de 2009 e 2010.

  15. As testemunhas evidenciaram total desconhecimento da situação concreta da empresa e do aludido negócio.

    Ou seja, resulta do próprio texto da decisão recorrida, não ter havido uma testemunha que revelasse conhecimento direto acerca da situação financeira da D... e que, na posse desse conhecimento, infirmasse que, como sustenta o Recorrente, o verdadeiro propósito da venda foi “para poder pagar o que esta firma devia…”.

  16. Face à prova carreada para os autos – ponderada na motivação da sentença – forçoso seria o tribunal a quo dar como provado que a D...

    vendeu alguns produtos à BB... .

  17. Porém, contrariamente ao que resulta, inequivocamente, da prova produzida, o tribunal não dá como provada (i) a venda (deixando o intérprete num autêntico vazio lógico-dedutivo), como também não concretiza, (ii) qual o real objetivo da venda dos bens da D... à BB... , (iii) por que valor foram vendidos os bens e, finalmente, (iv) que destino foi dado ao produto da venda.

  18. O facto de a D... ter vendido determinados bens à BB... resulta, desde logo, do “…teor das faturas de compra de material pela BB... à D... , de fls. 649 a 695, juntas na fase de instrução” e, ainda, do “teor dos documentos tendentes a comprovar o pagamento das faturas de aquisição de materiais da BB... à D... , de fls. 803 a 808.”[2] 20.

    Este facto foi reforçado por aquilo que, segundo a sentença, foi proclamado pelos arguidos e por quase todas as testemunhas.

  19. Estando provado que a remoção dos bens, aludida nos pontos 19 a 23 da matéria de facto provada, teve por base um negócio de compra e venda, mister seria apurar o que foi vendido, por que preço e o que foi feito ao dinheiro que constituiu o produto dessa venda.

  20. Tratam-se de questões a que a sentença não responde, apesar de nenhum elemento contrariar o que, neste aspeto, foi aduzido pelos arguidos: A... e B...

    .

  21. Não existem elementos probatórios a infirmar que a compra dos bens foi realizada com o intuito de arrecadar dinheiro para a D...

    .

  22. O dinheiro entrou na caixa da sociedade, pelo que os credores ficaram na mesma situação em que se encontravam anteriormente à venda. A venda é, assim, neutra, no que respeita à tangibilidade do património da D... e não pode ser tratada como ato de dissipação, que, por acaso é mesmo o único ato de dissipação recenseado em concreto.

  23. O produto da venda ficou, pois, a constar do património da D... , o que desde logo se comprova pela conjugação das declarações dos arguidos A...

    e B...

    e destes com os documentos de fls.643 a 695 e 803 a 808, já supra aludidos.

  24. Não resulta provada a situação económica difícil da empresa à data dos factos de que os arguidos vêm acusados e pelos quais foram condenados.

  25. O crime de insolvência dolosa, previsto e punível pelo artigo 227/1/a e b do CP, está inserido no capítulo dos crimes contra direitos patrimoniais.

  26. A declaração de insolvência atua como mera condição para que quem tenha feito desaparecer tais bens possa ser punido criminalmente, mas não integra o comportamento proibido.

  27. A ação típica perpetrada pelo devedor tem de ter a intenção de prejudicar os credores; retardar a falência; vender ou utilizar em pagamento por preço sensivelmente inferir ao corrente; e a intenção de beneficiar o devedor. Nada disto ocorreu no caso em apreço. A decisão não explica o motivo pelo qual os factos, individualmente considerados, ou eventualmente combinados, configuram o crime em causa.

  28. Como antes se referiu, estamos perante uma evidente falta de fundamentação, com insuficiência da matéria de facto...

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