Acórdão nº 245/13.3SAGRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução29 de Junho de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório:

  1. No âmbito do processo comum (tribunal singular) n.º 245/13.3SAGRD que corre termos na Comarca da Guarda - Instância Local – Secção Criminal – Juiz 1, em 11/2/2015, foi proferida Sentença, cujo DISPOSITIVO é o seguinte: “III. DECISÃO: Por todo o exposto, julga-se a acusação parcialmente procedente, por provada, termos em que se decide: a) CONDENAR o arguido A...

    pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de armas e munições proibidas, previsto e punido pelo artigo 86º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva.

    1. CONDENAR a arguida B...

      pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de armas e munições proibidas, previsto e punido pelo artigo 86º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 2 (dois) anos de prisão suspensa na sua execução por idêntico período de 2 (dois) anos.

    2. ABSOLVER ambos os arguidos A... e B...

      da prática de uma contra-ordenação p. e p. pelo artigo 97º da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.

    3. Determinar a perda a favor do Estado de todas as armas e munições apreendidas nos autos, devendo as mesmas ser entregues à PSP, que promoverá o seu destino, tudo após o trânsito em julgado da presente sentença.

      Custas pelos arguidos, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC’s para cada um.

      Boletim ao registo criminal.

      Após a leitura da presente sentença, proceder-se-á ao respectivo depósito.

      Notifique.

      Após trânsito, extraia certidão da presente sentença, com nota de trânsito, e junte a mesma ao processo n.º 99/12.7SAGRD, hoje desta mesma Instância Local Criminal da Guarda, para os fins que aí sejam tidos por convenientes.” **** B) Inconformado com a decisão recorrida, dela recorreu, em 18/3/2015, o arguido A... , extraindo da motivação as seguintes conclusões: 1) Na sentença revidenda foi dado como provado («inter alia») que “foram encontrados em poder dos arguidos (…) No mesmo quarto, dentro do roupeiro: - Uma carabina de ar comprimido, calibre 4,5mm, sem marca, n.º de série 5720108, de cor preta e castanha; (…).

      Entre o mesmo roupeiro e uma parede adjacente: uma espingarda de caça, calibre 12, de um cano, marca “Benelli”, n.º M149076, de cor preta; Na despensa da residência: uma espada em metal, com o comprimento de lâmina de 88cm, e 12cm de comprimento do punho.” (sublinhado nosso).

      2) Da acusação não constam alegados os factos tal como eles foram dados como provados na sentença revidenda.

      3) Por isso que, salvo o devido respeito e melhor opinião, se verifica a nulidade da sentença revidenda.

      4) Foi dado como provado que « (…) foram encontrados em poder dos arguidos (…)».

      5) Mas, na verdade, o que se provou foi que «na residência dos arguidos foram encontrados» determinados objetos; e não que os mesmos estavam em poder dos arguidos (até porque o recorrente não se encontrava sequer na sua residência, no momento da busca ali realizada).

      6) Logo, dar como provado «que estavam em poder dos arguidos» não é uma constatação de facto, mas antes uma conclusão, um juízo de valor – circunstância esta que constitui nulidade que afeta a sentença revidenda e que, por isso, deve ser declarada.

      7) Foi ainda dado como provado que «na data dos factos os arguidos viviam juntos, em condições idênticas às dos cônjuges, na residência acima indicada e ambos tinham conhecimento da existência das armas na residência, querendo detê-las» (sublinhado nosso).

      8) Ora resulta da prova produzida na audiência de discussão e julgamento (gravação áudio da mesma) que a acusação não logrou provar que o recorrente tivesse conhecimento da existência das armas na sua residência.

      9) Logo, não é legalmente possível em processo penal, por presunção, dar por provado aquele facto (é que, ainda que não se acredita na versão trazida pelos arguidos, não pode dar-se por provada coisa diferente – o seu contrário), sem qualquer elemento de prove que o suporte.

      10) Foi dado como provado que «os arguidos não se encontram licenciados nem autorizados a deter as armas acima referidas, e não apresentaram qualquer razão para a posse dos referidos objetos, sendo que as mesmas, naquelas circunstâncias, não tinham qualquer outra função que não fosse servir como instrumento de agressão (…)» (sublinhado nosso).

      11) O apreendido sob sublinhado não é a descrição de um facto: é uma conclusão, uma extrapolação – o que viola o disposto nos artigos 374º/2 e 379/1, alínea a), do CPP.

      12) Não encontramos na sentença ora em crise a descrição de razões (de facto e de direito) que justifiquem a diferença na medida da pena aplicada aos arguidos (com base nos mesmos factos): 2 anos e 6 meses, num caso; 2 anos, no outro.

      13) O que, além de constituir uma violação do princípio da igualdade (constitucionalmente consagrado no artigo 13º/1, CRP), viola os mais elementares princípios do direito penal legalmente consagrados.

      14) Foi o recorrente condenado no âmbito dos presentes autos sem que do processso conste relatório social atualizado sobre o recorrente e a sua evolução desde a última condenação por ele sofrida.

      15) Na verdade, para a melhor solução do caso sempre seria preferível (atendendo até ao número de familiares que dependem do trabalho do recorrente) colher previamente junto do IRS ou de outra entidade oficial vocacionada para o efeito profícua informação sobre as condições socio-familiares do recorrente – é que o juízo de prognose desfavorável subjacente à decisão em análise esbarra com o juízo de prognose favorável determinante da suspensão da execução das penas já aplicadas ao mesmo recorrente.

      16) E daí que, em face da insuficiência de elementos atinentes ao arguido/recorrente se devia amadurecer melhor a avaliação da situação deste, por forma a que se pudesse seguramente concluir que o condenado já não era merecedor de qualquer prognose favorável, ainda que acompanhada de deveres ou regras de conduta.

      17) A sentença revidenda violou, entre outras, as normas dos artigos 370º, 374º/2, 379º/1, alínea a), CPP; e artigo 13º, CRP.

      **** C) O recurso, em 23/3/2015, foi admitido.

      **** D) O Ministério Público, em 6/5/2015, respondeu ao recurso, contra-alegando, em resumo, o seguinte: 1) A requisição de relatório social é uma prerrogativa de que o julgador se pode socorrer. No caso dos autos, não havia motivo para o solicitar.

      2) A matéria tida por provada retratou de forma exemplar a verdade material.

      3) As condenações aplicadas a ambos os arguidos não podem ser idênticas.

      **** E) Em 17/6/2015, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer, no sentido da improcedência do recurso.

      Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido exercido o direito de resposta.

      Foi aberta conclusão nos autos, em 13/7/2015.

      Por motivo da situação de baixa médica prolongada da Exma. Relatora, em 4/5/2016, foi lavrado nos autos, a fls. 237, Termo de Cobrança e Redistribuição Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar a legal conferência, cumprindo apreciar e decidir.

      **** II. Decisão Recorrida: “ (…) II. FUNDAMENTAÇÃO

  2. DOS FACTOS 1. FACTUALIDADE PROVADA Discutida a causa, resultaram provados, com relevância para a decisão final, os seguintes factos: A) No dia 12 de Setembro de 2013, pelas 15:15, no decurso de uma busca realizada na residência dos arguidos, sita na Rua (...) , Guarda, autorizada por despacho da Mma. Juiz nos autos de inquérito com o NUIPC 93/13.0GBTCS, que correu termos na comarca de Trancoso, foram encontrados em poder dos arguidos os bens descritos nos autos de busca e apreensão, de fls. 10 a 12 e 13 e 14, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, designadamente: No quarto do casal, no interior das gavetas da mesa-de-cabeceira: - Uma arma de fogo transformada, calibre 6,35mm, marca “Browning”, com um carregador municiado com duas munições; - Uma licença de uso e porte de arma de caça e outra de arma de defesa, emitidas em nome de D... (falecido no dia 6 de Setembro de 2009); No mesmo quarto, dentro do roupeiro: - Uma carabina de ar comprimido, calibre 4,5mm, sem marca, n.º de série 5720108, de cor preta e castanha; Por cima do mesmo roupeiro, no interior de um cofre: - Vinte e seis munições de calibre 6,35mm; - Vinte e sete munições de calibre 7,65mm; - Uma arma de fogo, calibre 7,65mm, marca CZ VZOR 50, de cor preta, com dois carregadores; Entre o mesmo roupeiro e uma parede adjacente: - Uma espingarda de caça, calibre 12, de um cano, marca “Benelli”, n.º M149076, de cor preta; Na despensa da residência: - Uma espada em metal, com o comprimento de lâmina de 88cm, e 12cm de comprimento do punho.

  3. Na data dos factos os arguidos viviam juntos, em condições idênticas às dos cônjuges, na residência acima indicada e ambos tinham conhecimento da existência das armas na residência, querendo detê-las.

  4. Os arguidos não se encontram licenciados nem autorizados a deter as armas acima referidas, e não apresentaram qualquer razão para a posse dos referidos objectos, sendo que as mesmas, naquelas circunstâncias, não tinham qualquer outra função que não fosse servir como instrumento de agressão; sabiam que as detinham fora das condições legais.

  5. Agiram os arguidos com intenção de ter na sua posse armas e munições, com as descritas características, sabendo que a detenção das mesmas não lhe era permitida; sabendo que podiam ser utilizadas e eram aptas a ferir ou matar alguém.

  6. Ao agir da forma acima descrita, os arguidos sabiam que as descritas condutas lhe estavam vedadas por lei e que as mesmas lhes eram censuradas pela comunidade em geral, não obstante actuaram sempre de forma livre, voluntária e conscientemente bem sabendo que as respectivas condutas eram ilícitas e puníveis por lei.

  7. O arguido A... é vendedor ambulante em feiras, mediante o que aufere rendimentos compreendidos entre €300,00 a €600,00 por mês. Vive em união de facto com a co-arguida B...

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