Acórdão nº 11/14.9S1LSB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução19 de Outubro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Moimenta da Beira – Instância Local – Secção de Competência genérica – J1, mediante despacho de pronúncia, foram submetidos a julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, os arguidos A...., Lda. e B...., com os demais sinais nos autos, a quem era imputada a prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 2º, nº 5, l) e 86º, nº 1, a), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro (na redacção da Lei nº 53/2013, de 27 de Julho e por referência ao Dec. Lei nº 376/84, de 30 de Novembro) quanto ao arguido, e p. e p. pelos arts. 2º, nº 5, l), 86º, nº 1, a) e 95º da Lei nº 5/2006 de 23 de Fevereiro (na redacção da Lei nº 53/2013, de 27 de Julho e por referência ao Dec. Lei nº 376/84, de 30 de Novembro) quanto à sociedade arguida. Por sentença de 29 de Setembro de 2015 foram os arguidos absolvidos da prática dos imputados crimes.

* Inconformada com a decisão, recorreu a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: I – O Tribunal a quo não valorou o depoimento das testemunhas D.... e E....da PSP – porquanto entendeu que o seu depoimento se baseou nos elementos que obtiveram no local através de C.... (também conhecido por C.... e irmão do arguido B....) e, por força dessa relação familiar, tendo o irmão do arguido recusado prestar depoimento, em audiência de julgamento, considerou a M.ma Juíza a quo que atender ao depoimento daqueles polícias violaria o disposto nos arts. 356º, nº 6, 129º, nº 1 e 3 e 355º, nº 1 do CPP.

II – Ora, salvo o devido respeito, a M.ma Juíza labora em erro de raciocínio jurídico na aplicação das mencionadas normas, pois se é verdade que a testemunha C.... é irmão do arguido B...., tal não sucede quanto à sociedade arguida A...., ou seja, C.... não é irmão da sociedade arguida, não estando sequer em causa a violação do disposto no art.º 356º, nº 6 do CPP.

III – Ao não valorar o depoimento dos polícias, o Tribunal a quo violou o disposto nos art.º 125º, 127º, 128º e 355º do C.P.P, porquanto tal prova não era proibida, ao contrário do alegado na sentença, e nessa decorrência, deverá o julgador analisar tais depoimentos e, conjugando-os com a restante prova testemunhal e documental produzida, concluir se poderia dar como provados os factos constantes da acusação pública, o que não fez e a tal estava obrigado.

IV – Do erro notório na apreciação da prova: Da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente, do depoimento prestado pela testemunha F...., a M.ma juíza a quo refere na sentença proferida que a testemunha F.... disse "possuir uma casa perto da pedreira em causa, e sendo que há já alguns anos a empresa arguida a explorava, pedindo-lhe várias vezes para proceder ao tratamento dos explosivos, tendo em conta que o mesmo possui a formação para tal." Para logo a seguir dizer que a mesma testemunha afirmou que a empresa era do arguido B...., mas não tinha a certeza, sendo que tratava sempre de tudo com C..... Não obstante o depoimento desta testemunha ter-se apresentado, tal como a nós, como sincero, concluiu o julgador que a direcção fáctica ocorria sob as ordens de C...., irmão do arguido.

V – Ora do depoimento da referida testemunha (transcrito nas alegações que antecedem – fls. 4 a 6) verifica-se que a testemunha, a testemunha não disse que possuía uma casa, mas sim um barraco/terreno “encostadinho” à pedreira, que conhecia a empresa arguida e o arguido, que C.... (conhecido pela testemunha como C....) era irmão do arguido B.... e que as suas funções eram as de encarregado da obra, afirmando sempre que o gerente da sociedade arguida era o Sr. B.... e que, no momento da apreensão, dos explosivos, também o era. Em momento algum a testemunha referiu que não tinha a certeza se B.... era o gerente da empresa arguida A....ou que o C.... ( C....) era quem explorava aquela pedreira – cfr. minuto 4.20 a 6.55 da prova áudio digital atrás transcrito.

VI – Não foi produzida qualquer outra prova que infirmasse que aquela pedreira fosse explorada pela A...., cujo gerente é o arguido B.....

VII – Deverá, pois, ser alterada na matéria dada como provada toda a matéria constante da acusação pública e que consta na sentença como matéria não provada nas als. A a F).

IX – Assim, foram violadas as disposições constantes nos arts. 125º, 127º, 128º e 355º todos do Código Processo Penal, pelo que deverá o julgador proferir nova sentença em que valore toda a prova produzida em audiência de julgamento, designadamente, o depoimento das testemunhas D.... e E.....

Nestes termos que Vªs Exªs doutamente suprirão, deve determinar-se que o Tribunal recorrido profira nova sentença, devendo para o efeito valorar o depoimento de todas as testemunhas que prestaram depoimento em audiência de julgamento, porquanto não existe qualquer proibição de prova ao atender ao depoimento das testemunhas D.... e E....e, consequentemente, condenar as arguidas pelo crime pelo qual foram acusadas.

Contudo, V. Exas decidindo farão, uma vez mais, a costumada JUSTIÇA! * Respondeu ao recurso o arguido, alegando que não estava no local dos factos nem para aí foi convocado, que o auto de notícia refere como suspeito C...., que o auto de apreensão refere que o material explosivo a este foi apreendido, que o auto de destruição refere como presente o mesmo C...., que o depoimento das testemunhas agentes policiais é indirecto pois o que sabiam foi adquirido através do C.... que, por seu turno, recusou depor nos termos do art. 134º do C. Processo Penal pelo que, não podendo tais depoimentos ser valorados, é evidente a ausência total de prova contra si, e concluiu pelo não provimento do recurso.

* Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador da República emitiu parecer, acompanhando os fundamentos da motivação do recurso e concluiu pela procedência do recurso.

* Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

* * II. FUNDAMENTAÇÃO Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pela Digna Magistrada recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são: - A indevida consideração de proibição de valoração de prova relativamente aos depoimentos dos OPC; - O erro notório na apreciação da prova; - O erro de julgamento e a incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto; - A qualificação da conduta e suas consequências.

* Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

  1. Nela foram considerados provados os seguintes factos: “ (…).

    1. No dia 9 de Abril de 2014, pelas 10h, na pedreira designada “ (...) ”, na freguesia de (...) , concelho de Moimenta da Beira, na sequência de uma acção de fiscalização da Brigada da Divisão de Investigação do Departamento de Armas e Explosivos da PSP foi encontrado: - 1 (um) quilograma de Pólvora negra comprida 2P 1.1 D e - 30 (trinta) metros de Rastilho (cor verde) 1.4S; 2. A sociedade arguida e o arguido B...., à data não possuíam qualquer autorização para deter, usar e armazenar qualquer engenho explosivo civil.

    [No mais se provou:] 3. O arguido B.... não estava presente no local, sequer, na data referida em 1.

    [Das condições económicas, sociais e pessoais:] 4. O arguido B.... encontra-se, na presente data, desempregado.

    1. O arguido B.... possui os seguintes antecedentes criminais registados: a) Condenação, por sentença transitada em julgado em 26-04-2013, no proc.3384/12.4IDPRT no 1º Juízo do Tribunal Judicial do Marco de Canavezes, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 6,00 €, num total de 900,00 €, pela prática em 07-04-2012 do crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo art.º 105º do RGIT.

      1. Condenação, por sentença transitada em julgado em 26-11-2014, no proc.6778/11.9IDPRT no J5 da Secção Criminal da Instância Local do Tribunal da Comarca do Porto, na pena de 210 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, num total de 1050,00 €, pela prática em 2012 do crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo art.º 30º nº 2 do C.P. e 105º nº 1 do R.G.I.T.

    2. A arguida A....Lda não possui antecedentes criminais registados.

    3. A arguida A....Lda encontra-se, actualmente, em fase de liquidação.

      (…)”.

  2. Nela foram considerados não provados os seguintes factos: “ (…).

  3. A pedreira designada “ (...) ”, no citado dia, era explorada pela sociedade “ A...., Lda.”, representada pelo arguido B.... e o material lá encontrado estava destinado a ser utilizado na pedreira.

  4. Sabia o arguido que a pólvora e o rastilho que tinha consigo continham produto explosivo e que tinham capacidade explosiva.

  5. Sabia, de igual modo, que não podia deter, usar e armazenar qualquer engenho explosivo civil sem a respectiva autorização, e, não obstante isso, quis detê-los nas circunstâncias descritas.

  6. Mais sabia o arguido que a detenção dos explosivos civis que tinha consigo está sujeita a licenciamento administrativo, de que o mesmo e a sociedade não eram titulares, e que, por isso, não podiam deter tais materiais.

  7. O arguido actuou sempre de forma deliberada, livre e consciente, agindo em nome e no interesse da sociedade “ A...., Lda.”.

  8. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

  9. São várias as empresas que exploram a mesma pedreira, pelo que poderia ter sido qualquer outra pessoa (ao serviço dessas empresas) a praticar os factos no dia descrito na acusação.

    (…)”.

  10. E dela consta a seguinte motivação de...

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