Acórdão nº 431/10.8TBOHP.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução18 de Outubro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na secção cível (3.ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra 1.Relatório 1.1 N..., padeiro, residente na ..., intentou a presente acção contra a R.C..., com sede na ..., pedindo a sua condenação no pagamento de € 46.290, 39, acrescida do que se liquidar posteriormente quanto a danos ainda não determinados ao tempo da propositura da ação.

Para o efeito diz, em síntese, ter sido interveniente em acidente de viação causado pelo veículo seguro pela Ré quando seguia tripulando um motociclo que foi abalroado por aquele veículo que, provindo de um parque de estacionamento, entrou na estrada sem curar da aproximação do motociclo, que em consequência do embate, sofreu lesões físicas graves que demandaram intervenções cirúrgicas, internamento, sofre incapacidade permanente para a sua actividade de padeiro, tendo tidos despesas médicas e outras (€ 5.463, 39) e perdido salários (Setembro de 2007 a Setembro de 2010).

1.2. A R contesta e diz, em síntese, que sua segurada saíu de um parque de estacionamento para entrar na via e seguir direção para a sua esquerda, verificando que nenhum veículo se aproximava, razão pela qual entrou na estrada, onde surgiu de forma súbita o A. que circulava a mais de 120 kms/hora, razão pela qual não conseguiu deter o motociclo, o que o torna corresponsável pelo sinistro, aceitando a Ré assumir apenas 75% da responsabilidade pelos danos, impugna o valor dos danos, afirmando ter-lhe já adiantado a quantia de € 11.500, 00, que deverá ser abatida no valor final.

1.3. A fls. 235 e 236 o A. responde em réplica e termina como na petição inicial.

1.4. A fls. 244 e ss. foi proferido despacho saneador e selecionada a factualidade relevante.

1.5. A fls. 348 e ss. veio o autor ampliar o pedido, considerando uma IPP de 65% e um rendimento médio mensal de € 930, 00, peticionando uma indemnização pela perda da capacidade de ganho de € 400.681, 62; mais € 13.698, 63, pela ITA e € 15.902, 32, pela ITP. Pelos danos não patrimoniais, pretende uma compensação de € 80.0000, 00.

Mais pretende, para além da indemnização reclamada inicialmente, € 30.000, 00, pela medicação que terá de tomar até aos 75 anos, e € 10, 00, diários pela privação do seu motociclo desde a data do sinistro até 17.10.08.

1.6. A Ré exerceu contraditório relativamente a este pedido de ampliação, o qual foi admitido por despacho de fls. 387 e ss., tendo sido fixados novos temas de prova. 1.7. A instância mantém-se válida e regular e procedeu-se á realização de audiência de discussão e julgamento, onde foi decidido julgar a ação parcialmente procedente e absolvendo a Ré do restante peticionado, condena-se a mesma a pagar ao A. a quantia de € 229.256, 54 (devendo descontar-se o valor já pago pela Ré ao A. a título indemnizatório – com exceção do que corresponde ao valor venal do veículo – a apurar em posterior liquidação), acrescida de juros de mora legais, atualmente à taxa de 4%, desde a citação, sobre € 26.756, 55, e desde esta data e até integral pagamento sobre a quantia restante, mais condena a Ré a pagar ao A. a quantia necessária para aquisição dos medicamentos supra descritos em 64 e 76, desde 31.8.2010 e até à idade de 70 anos, em valor a apurar em incidente de liquidação posterior.

1.8. Inconformados com a sentença dela recorreram o A. (fls. 531 a 540) e a R. (fls. 544 a 550).

1.9. O A. termina (fls. 538v a 540) a sua motivação com as seguintes conclusões: ...

1.10. A fls. 558 v.º a 561 a R. contra-alegou terminando referindo que o recurso da matéria de facto deve ser rejeitado por inobservância do preceituado no art.º 640º do nCPC ou caso assim não se entenda, julgado improcedente, por não provado, com todas as consequências legais.

1.11. A R. (a fls. 549 e 550) termina a sua motição com as conclusões que se seguem: ...

1.12. Colhidos os vistos, cumpre decidir.

2. Fundamentação 2.1. Factos provados em 1.ª instância (já com a alteração operada ao facto 2.1.36. que se encontra a negrito, face á alteração da matéria de facto por esta relação).

...

3.1. É, em principio, pelo teor das conclusões do/a recorrente que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso (cfr. art.s 608, n.º 2, 635, n.º 4 e 639, todos do C.P.C.).

As questões a decidir resumem-se, quanto ao recurso do A., a saber: I - Saber se a matéria de facto deve ser alterada; II – Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que atribua culpa exclusiva da segurada ou caso assim não se entenda nunca a responsabilidade será de 80% - 20%, não podendo nunca ser atribuída á A. parte superior a 5% .

III – Saber se as perdas salariais decorrentes da incapacidade absoluta que sofreu durante 1079 dias, ser com base no rendimento mensal de 806,99 (anual de 11.220,00€) e não apenas de um rendimento mensal de 770,00€ (ou anual de 10.220,00), o que significa que essas perdas ascendem a 33.398,33 €.

As questões a decidir resumem-se, quanto ao recurso da R., pois a saber I - Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que atribua culpa de 50% a A. e R..

II - Saber se deve ser fixado um valor indemnizatório de 130.00,00€ pela perda de capacidade de ganho, em vez dos 190.000,00€ fixados na sentença recorrida.

III – Saber se o montante a fixar pelos danos não patrimoniais deve fixar-se em valor não superior a 40.000,00€, em vez dos 80.000,00 fixados em 1.ª instância Tendo presente que ambas as partes recorreram, por uma questão metodológica iremos em primeiro lugar a analisar o recurso do A. e depois o recurso da R.

Atendendo que o A. recorre também da matéria de facto, iremos em primeiro lugar a analisar este e após o de direito.

3.1.2. Recurso do A.

3.1.2.1. – Recurso da matéria de facto.

O recorrente considera que foram incorrectamente julgados os pontos 32 e36 dos factos provados e o ponto 10 dos factos não provados.

A recorrida na resposta refere que o recurso da matéria de facto deve ser rejeitado por não observar o preceituado no art.º 640º do C.P.C.

Assim, antes demais cabe apreciar esta questão prévia, ou seja, saber se o recurso da matéria de facto deve ou não ser admitido.

Vejamos.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido art.º 607, n.º 5, do C.P.C.

Perante o estatuído neste artigo exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Basto, Notas ao C.P.C. 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pelo que: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da...

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