Acórdão nº 264/13.0TBPCV.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelV
Data da Resolução18 de Outubro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: *** I – Relatório ([1]) “T (…) Lda.

”, com os sinais dos autos, intentou ([2]) ação declarativa condenatória, com processo ordinário, contra “G (…), Companhia de Seguros SPA”, também com os sinais dos autos ([3]), pedindo a condenação da R. a pagar-lhe: “1.1. a quantia de Euros 36.842,90, correspondente ao valor do veículo e juros desde 21/09/2012, acrescida de juros legais desde citação até efetivo e integral pagamento.

1.2. a quantia de Euros 39,562,32, derivada do incumprimento contratual até à presente data, acrescida de € 235,49 diários até efetivo e integral pagamento da quantia referente à perda total do (....) LX” ([4]).

Para tanto, alegou, quanto ao agora relevante: - ser a A. locatária de um veículo pesado de mercadorias – de que é proprietária a aludida “C (....) ” –, tendo celebrado com a R. contrato de seguro automóvel, com transferência para esta da responsabilidade civil decorrente da circulação da viatura, bem como com cobertura facultativa de danos próprios, referentes, designadamente, a furto ou roubo; - ter, em 23/07/2012, aquela viatura sido parqueada em local identificado, do qual foi depois retirada, por pessoa desconhecida e não autorizada; - já não possuir o veículo, para além do mais, quando foi recuperado, os respetivos motor e caixa de velocidades, o que foi participado à R., que, embora considerando ocorrer situação de perda total e fixando o valor venal da viatura (deduzido do valor do salvado) em € 35.855,00, apesar de interpelada, nada pagou; - estar o veículo imobilizado desde a data do sinistro, com a inerente privação do uso, embora a A. continue a pagar a renda mensal resultante do contrato de locação financeira, o que a impede, por falta de capacidade económica, de adquirir um novo veículo.

Contestou a R., impugnando, no essencial, a factualidade alegada referente ao desaparecimento do veículo (furto), excecionando a nulidade do contrato de seguro facultativo de danos próprios por falta de interesse seguro pela A. (a tomadora do seguro e segurada, mas não proprietária, pois que apenas locatária financeira do bem), a nulidade, por impossibilidade legal, da cláusula de indicação da “C (....) ” (proprietária) como credora hipotecária (qualidade que não tem), a não cobertura, por não convencionada, do invocado dano decorrente de incumprimento contratual (privação do uso da viatura), não podendo ser devidos, nesta parte, mais que os juros legais moratórios, por estar em causa responsabilidade meramente contratual, a existência de dolo ou, ao menos, culpa grave do condutor do veículo e sócio-gerente da A., por omissão dos seus deveres de guarda e vigilância do bem, levando à exclusão da garantia de cobertura do seguro, e a existência de franquia (no valor de € 774,90), a dever ser descontada, como descontado deve ser o valor do salvado, que ficou para a A., e concluindo, assim, pela total improcedência da ação.

A A. exerceu o contraditório, mantendo o vertido na petição inicial e concluindo pela improcedência da matéria de defesa por exceção.

Realizada audiência prévia, saneado o processo e fixados o objeto do litígio e os temas da prova, procedeu-se depois à realização da audiência final.

Da sentença – proferida em 22/03/2016 – consta, no relevante, o seguinte dispositivo: «B) Julgo a ação parcialmente procedente por provada e em conformidade, condeno a ré G (…) - Companhia de Seguros, S.A. a pagar à autora: - A quantia de € 36.014,29 (correspondente ao valor do veículo, deduzida a franquia convencionada e juros desde 1/10/2012 até à data da propositura da ação), acrescida de juros legais desde citação até efetivo e integral pagamento; - A quantia de Euros 8,800,00, derivada do incumprimento contratual até à data da propositura da ação, acrescida de € 50,00 por cada dia útil, até efetivo e integral pagamento da quantia referente à perda total do (....) LX.

- Absolvo a R. do resto do pedido.».

Inconformada, vem a R. interpor recurso (fls. 264 e segs.), apresentando alegação, culminada com as seguintes (…) A A./Apelada contra-alegou, pugnando pela total improcedência do recurso.

Este foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime e efeito fixados.

Colhidos os vistos, e nada obstando ao conhecimento da matéria recursória, cumpre apreciar e decidir.

*** II – Âmbito do Recurso Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso, não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito recursório, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor e aqui aplicável (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([5]) –, o thema decidendum, incidindo sobre a decisão da matéria de facto e de direito, consiste em saber ([6]):

  1. Em matéria de facto: 1. - Se devem ser dados como não escritos, por conclusivos, segmentos da matéria julgada provada (parte dos pontos fácticos n.ºs 4.- e 14.-); 2. - Se deve proceder a impugnação da decisão de facto (pontos 3.- a 6.- e 8.- dos factos provados, a deverem ser agora julgados não provados, por total ausência de prova); b) Em matéria de direito: 3. - Se não se demonstra, por falta de prova de factos de suporte, o invocado furto/sinistro; 4. - Se ocorre nulidade do contrato de seguro por falta do interesse seguro (não se mostrar ser a A./Apelada proprietária ou locatária financeira do veículo); 5. - Se a conduta do motorista do veículo merece um juízo de culpa grave (omissão de vigilância e cuidados de segurança quanto à coisa segura), determinando a exclusão da garantia do seguro; 6. - Se, em matéria de seguro de danos, com responsabilidade meramente contratual do segurador, está afastada a indemnização pela privação do uso do bem, desde que não convencionada, desencadeando a não entrega do capital seguro apenas a reparação pela mora, através dos respetivos juros; 7. - Se foi fixada dupla indemnização pelo mesmo dano, o do não pagamento do capital seguro (juros moratórios desse capital e indemnização pela privação do uso).

    *** III – Fundamentação

    1. Aspeto conclusivo de segmentos do quadro fáctico Pretende a R./Apelante, desde logo, sejam dados como não escritos, por conclusivos, dois segmentos da matéria julgada provada (parte dos pontos fácticos n.ºs 4.- e 14.-).

      Trata-se, assim, quanto ao facto 4.-, da expressão “sem que ninguém devidamente autorizado” e, quanto ao facto 14.-, do segmento “imprescindível para a atividade exercida”.

      É o seguinte o teor integral desses pontos dados como provados: “4º No entanto, sem que ninguém devidamente autorizado tenha movido o veículo, no dia 25 de Julho de 2012, pelas 14 horas, a viatura já não se encontrava naquele local”; e “14º O veículo (....) LX irremediavelmente imobilizado desde a data do sinistro, estando a Autora impedida de utilizar o veículo de que é locatária e que é imprescindível para a atividade exercida pela mesma (transporte internacional de mercadorias)”.

      Ora, dir-se-á que o termo devidamente autorizado contém, efetivamente, uma dimensão inevitavelmente conclusiva, já que faz apelo ao que é devido (ou não devido) com reporte a um ato de autorização (existente ou não).

      Na verdade, se o termo (não) autorizado – obviamente, reportado à ora A./Apelada, como (não) concedente de autorização –, contextualizado perante as circunstâncias do caso e do contrato de seguro celebrado, ainda assume dimensão fáctica, é certo que o segmento devidamente, como qualificador da não autorização, já assume uma dimensão conclusiva/valorativa, que não deve ter assento no quadro fáctico da decisão, mas na subsequente fundamentação de direito, onde – aí sim – devem ser extraídas as conclusões e operadas as valorações jurídicas adequadas (cfr. art.º 607.º, n.ºs 3 a 5, do NCPCiv., com inequívoca separação entre o âmbito fáctico e o de direito da sentença, tal como, do mesmo modo, o art.º 659.º do CPCiv. revogado).

      Por isso, deve apenas expurgar-se o segmento devidamente, mantendo-se o termo autorizado, que ainda consente dimensão factual, pois que reportado à A./Apelada.

      Donde que, assim corrigido, o ponto 4.- aludido passe a ter a seguinte redação: “4º No entanto, sem que ninguém autorizado pela A. tenha movido o veículo, no dia 25 de Julho de 2012, pelas 14 horas, a viatura já não se encontrava naquele local”.

      Sem prejuízo, obviamente, da subsequente apreciação da respetiva impugnação recursória da decisão de facto.

      Quanto ao mais (ponto 14.-), deve dizer-se ainda que, como é consabido, o uso de adjetivos – como irremediável (o que não tem remédio ou solução, que não se pode evitar) ou imprescindível (que é absolutamente necessário) – haverá de ser evitado em sede de enunciação dos factos concretos provados, pois que tais adjetivos comportam uma evidente dimensão conclusiva/valorativa, que não deve ter assento na parte fáctica da sentença, mas apenas na sua fundamentação jurídica.

      Assim sendo, devem tais adjetivos ser suprimidos, pela via recursória, deste ponto fáctico julgado provado, com o que procede parcialmente, nesta vertente, a impugnação recursiva.

      E, visto o que consta de 31.- a 33.- do quadro fáctico julgado provado pela 1.ª instância – matéria contratual, de que haverá de extrair-se, no plano jurídico, em jeito conclusivo (e qualificativo jurídico), a relação da A./Apelada com a viatura segura (proprietária, locatária financeira, ou não) –, também parece claro, salvo o devido respeito, que não deve ter assento no corpo fáctico da sentença que a A. é locatária da viatura.

      O mesmo se diga quanto à referência ao sinistro, cuja noção está enunciada no art.º 99.º do RJCS ([7]) e cujo recorte conceitual, assim legalmente definido ([8]), faz dele uma figura jurídica, a ser integrada em sede de...

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