Acórdão nº 59/13.0TAGVA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelIN
Data da Resolução12 de Outubro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I- Relatório No processo supra identificado para ser julgado em processo comum com intervenção de tribunal singular, foi pronunciado o arguido A....

, casado, reformado, nascido a 26/07/1944, natural da freguesia de (...) , concelho de Oliveira de Azeméis, filho de (...) e de (...) , residente na Rua (...) , em Coimbra, pela prática, em autoria material, de um crime de difamação, previsto e punido, pelos artigos 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal, pelos factos constantes de fls. 320 a 323.

* O demandante/assistente B...

, de fls. 113 a 123 deduziu pedido de indemnização civil contra o demandado/arguido, peticionando a sua condenação no pagamento da quantia de € 10.102,00, a título de danos não patrimoniais (€ 10.000,00) e danos patrimoniais (€ 102,00), sendo estes respeitantes a taxa de justiça pela constituição como assistente.

* O tribunal, sobre o objecto do processo, decidiu:

  1. Condenar o arguido A...

    pela prática, em autoria material, de um crime de difamação, previsto e punido nos artigos 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros); b) Condenar o demandado A...

    no pagamento ao demandante B...

    da quantia de € 3.000,00 (três mil euros), a título de danos não patrimoniais, absolvendo do demais peticionado.

    * Inconformado recorreu o arguido, o qual, em primeira fundamentação pugna pela sua absolvição, formulando as seguintes conclusões: «1. Estamos perante um debate de ideias no campo do debate público, dada a qualidade de deputado com que o assistente assinou o artigo, estava no exercício de funções, porquanto, exercia o mandato de deputado na altura, e escreve o artigo numa altura em que o tema do envelhecimento da população estava em debate no parlamento por causa da sustentabilidade da segurança social e com isso, quis trazer a discussão para a arena pública.

    2. As expressões utilizadas, ácidas, agressivas e contundentes, não podem ser isoladas do contexto em que foram escritas de forma a atribuir-se-lhes um significado de ofensa á honra do assistente, porque assim, talvez o sejam, mas antes, devem ser contextualizadas no espaço do debate entre no caso um deputado nossa Assembleia da República e um cidadão que com ele conversa de forma mais quente dada a ofensa de que se sentiu alvo pela frase por si usada "a nossa pátria foi infectada pela já conhecida peste grisalha".

    3. Tal tipo de debate, aquele que resulta de alguma conflitualidade entre pessoas quando discutem opiniões e ideias, é normal que tal conflitualidade tenha expressão num discurso mais acalorado, com o uso de expressões acintosas e por vezes agressivas, algo que é amplamente sufragado pela nossa jurisprudência já invocada nos presentes autos, que se dá como reproduzida.

    4. Não foi respeitado o princípio in dubio pro reo, uma vez que os factos dados como provados assentam num exercício de mera opinião sobre os mesmos, lidos através de uma lente do leitor/julgador que não pode nem deve fornecer um seguro critério decisório, criando uma indubitável dúvida razoável quanto a estes, pelos quais vinha acusado.

    Em suma, nos presentes autos, não só ficou cabalmente provado que o recorrente não praticou o crime em que foi condenado, como foi criada uma claríssima dúvida razoável quanto aos factos pelos quais vem acusado e quanto à sua culpa, pelo que deve ser absolvido do crime em que foi condenado.

    No entanto, admitindo-se que o arguido cometeu o crime pelo qual foi condenado, deve ser-lhe aplicada uma pena menor, quer a título de indemnização civil, quer a título de sanção penal, atentos os fracos rendimentos auferidos por este, expostos no relatório social junto aos autos, quer pelos danos realmente causados ao assistente».

    * Em cumprimentos do art. 413.º, n.º 1, do CPP, notificados os sujeitos processuais, respondeu o Ministério Público na 1.ª instância e assistente, concluindo pela improcedência do recurso.

    * Nesta instância, os autos tiveram vista do Ex.mo Senhor Procurador-geral Adjunto, para os feitos do art. 416.º, n.º 1, do CPP, a qual, em síntese, emitiu douto parecer acompanhando de perto a posição do Ministério Público na 1.ª instância, no sentido de que deve improceder totalmente o recurso, mantendo-se a sentença recorrida * Notificados o arguido e assistente, nos termos do art. 417.º, n.º 2, do CPP, não apresentaram respostas.

    * Foi cumprido o art. 418.º, do CPP, e uma vez colhidos os vistos legais, indo os autos à conferência, cumpre decidir.

    * Vejamos pois a factualidade apurada pelo tribunal.

    Factos provados: «1. O assistente B... exercia, à data dos factos, as funções de deputado na Assembleia da República – XII Legislatura –, desde 20 de Junho de 2011; 2. O assistente exerce ainda funções de advogado, com escritório nas comarcas de G (...) e S (...) ; 3. Na edição do Jornal “ X... ”, de z... de (...) de 2013, foi publicado um texto escrito e assinado pelo arguido, denominado “A peste grisalha -carta aberta a um deputado do Q (...) ”, iniciando com uma citação de Óscar Wild “Os loucos por vezes curam-se, os imbecis nunca”; 4. Na aludida carta, referindo-se àquele assistente B... , Deputado da Assembleia da República, como acima mencionado, escreveu “Exmo. Sr. B... , Por tardio não peca. Eu sou um trazedor da peste grisalha cuja endemia o seu partido se tem empenhado em expurgar, através do Ministério da Saúde e outros “valorosos” meios ao seu alcance, todavia algo tenho para lhe dizer. A dimensão do nome que o titula como cidadão deve ser inversamente proporcional à inteligência – se ela existe – que o faz blaterar descarada e ostensivamente, composições sonoras que irritam os tímpanos do mais recatado português. Face às clavas da revolta que me flagela, era motivo para isso, no entanto, vou fazer o possível para não atingir o cume da parvoíce que foi suplantada por si, como deputado do Q (...) e afeto à governação, Sr. B... , quando ao defecar que “a nossa pátria foi contaminada com a já conhecida peste grisalha”, se esqueceu do papel higiénico para limpar o estoma e de dois dedos de testa para aferir a sua inteligência. A figura triste que fez, cuja imbecilidade latente o forçou à encenação de uma triste figura, certamente que para além de pouca educação e civismo que demonstrou, deve ter ciliciado bem as partes mais sensíveis de muitos portugueses, inclusivamente aqueles que deram origem à sua existência – se é que os conhece. Já me apraz pensar, caro Sr., que também haja granjeado, porém à custa da peste grisalha, um oco canudo, segundo os cânones do método bolonhês. Só pode ter sido isso. Ainda estou para saber como é que um homolitus de tão refinado calibre conseguiu entrar no círculo governativo. Os “intelectuais” que o escolheram deviam andar atrapalhados no meio do deserto onde o sol torra, a sede aperta a miragem engana e até um dromedário parece gente. É por isso que este país anda em crónica claudicação e por este andar, não tarda muito, ficará entrevado. Sabe Sr. B... , quando uma pessoa que se preze está em posição cimeira, deve pensar, medir e pensar muito bem a massa especifica das “sentenças”, ou dos grunhidos, -segundo a capacidade genética e intelectual de cada um – que vai bolçar cá para fora. É que, milhares pessoas de apurados sentidos não apreciam o cheiro pestilento do vomitado, como o sr. também sente um asco sem sentido e doentio, à peste grisalha. Pode ser errado, mas está no seu direito…ainda que torto. Pela parte que me toca, essa maleita não o deve molestar muito, porque já sou portador de uma tonsura bastante avantajada, no entanto, para que o sr. não venha a sofrer dessa moléstia, é meu desejo que não chegue a ser contaminado pelo vírus da peste grisalha e vá andando antes de atingir esse limite e ficar sujeito a ouvir bacoradas iguais ou de carácter mais acintoso do que aquelas que preteritamente narrou como um “grande”, porém falhado, “artista”.

    E mais devo dizer-lhe: quando num cesto de maçãs uma está podre, essa deve ser banida, quando não infecta as restantes; se isso não suceder, creio que o partido de que faz parte, o Q (...) , irá por certo sofrer graves consequências decorrentes da peste grisalha na época da colheita eleitoral. Pode contar comigo para a poda. Atentamente.” 5. A carta supra aludida e transcrita, da autoria do arguido, foi lida por centenas de pessoas, residentes no concelho de G (...) , em Portugal e outras com ligações a G (...) ; 6. Agiu o arguido livre, deliberada e conscientemente, querendo e sabendo que o texto por si escrito e assinado e enviado para publicação no “Jornal X... ” escrevia expressões e afirmações, dirigidas a terceira pessoa, referentes ao Deputado da Assembleia da República...

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