Acórdão nº 784/12.3TACVL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução27 de Janeiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco – Covilhã – Instância Local – Secção Criminal – J1, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, dos arguidos A...

e B...

, ambos com os demais sinais nos autos, imputando a cada um a prática, em autoria material, de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art. 360º, nºs 1 e 3 do C. Penal.

Por sentença de 12 de Fevereiro de 2015 foram os arguidos absolvidos da prática do imputado crime.

* Inconformada com a decisão, recorreu a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: 1. O Ministério Público entende que a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, conjugada com as regras da razão, da lógica e da experiência, impunha que se considerasse, para além da matéria de facto dada como provada, se desse como provada toda a matéria de facto não provada pelo Tribunal a quo, que: a.

Do teor das declarações prestadas nos dois momentos processuais distintos, verificam-se duas versões antagónicas e incompatíveis sobre a mesma realidade, logo desconformes com o que aconteceu.

b.

Pelo que, necessária e forçosamente, os arguidos, num desses momentos, narraram factos que divergem do acontecido e percepcionado por si.

c.

Os arguidos faltaram conscientemente à verdade ou no dia em que prestou depoimento em sede de inquérito ao ser inquirida como testemunha, ou no dia em que foi ouvido em sede de audiência de julgamento, como testemunha.

d.

Os arguidos agiram do modo descrito, de forma livre voluntária e consciente querendo com a sua conduta subtrair-se, como subtraíram, ao dever de prestar declarações com verdade.

e.

E tinham pela consciência que os seus comportamentos eram ilícitos e proibido pela lei penal.

Porquanto: 2. O Tribunal a quo julgou improcedente, por não provada, a acusação e, consequentemente, absolveu os arguidos A... e B... , pela prática, como autores materiais, de um crime de falsidade de testemunho p. e p. pelos artigos 26.º e 360.º, n.º 1 do Código Penal (CP) por ter dado como não provado essa matéria.

  1. Para o efeito, foi determinante a valoração efectuada pelo Tribunal a quo dos efeitos do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 1 0.12.2013 o qual julgou nulo o acórdão proferido em sede de primeira instância no âmbito do processo n.º 3/10.7PBCVL por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410.º, n.º 2 al. a) do CPP) e, e consequência, anulou o julgamento reenviando o processo para novo julgamento nos termos do artigo 426.º-A do CPP.

  2. Considerando assim que este acórdão superior declarou não apenas a nulidade do acórdão, mas também a nulidade do julgamento com o reenvio consequente do processo por ter ocorrido uma nulidade insanável, a qual implica a invalidade não só do julgamento anulado, mas também dos actos que dele dependerem e aqueles que poderem afectar considerando o teor do artigo 122.º do CPP.

  3. Bem como que essa nulidade com o consequente reenvio arrasta consigo toda a prova testemunhal, incluindo, assim o depoimento prestado pela arguida em audiência de julgamento.

  4. Tal como as declarações prestadas pela arguida nesse processo não são inexistentes, mas não têm qualquer valor jurídico não podendo ser valoradas por qualquer forma, nomeadamente para aferir se a arguida prestou ou não, em dois momentos distintos, depoimentos contraditórios, pelo que, também com este fundamento, teria que tal materialidade ser dada como não provada.

  5. E o crime de falsidade de depoimento, aqui em análise, constitui um ilícito típico de mera actividade cujo comportamento ilícito se esgota precisamente na efectivação da conduta proibida: a prestação do depoimento falso e tal declaração falsa só deve ser considerada tipicamente relevante quando for processualmente valorável.

  6. Entendendo que anulado o julgamento nesse processo onde alegadamente foram proferidas as falsas declarações, tais depoimentos não são valoráveis com a consequente inexistência de termo de comparação (outro depoimento) para aferir da sua coerência e conformidade.

  7. O Tribunal a quo não deu como provada a materialidade vertida nesta sede porque, em síntese, declarado nulo o julgamento e por arrastamento o depoimento da arguida, este não pode ser valorado; e, por outro lado, anulado o julgamento, o depoimento não reveste qualquer relevância processual no processo e, nessa medida, não é tipicamente relevante.

    Quanto à matéria de facto: 10. Em primeiro lugar, afigura-se-nos necessário considerar a data da prática do crime imputado aos arguidos.

  8. Para responder a esta questão, importa considerar, no nosso entender, os dois momentos relevantes: aquele em que os arguidos prestam declarações na PSP da Covilhã e o outro posterior em que os mesmos são ouvidos como testemunhas na audiência de julgamento nesse processo n.º 3/10.7PBCVL.

  9. Ora, é neste segundo momento em que o crime se considera praticado na medida em que nesta ocasião se constata a contradição entre os depoimentos prestados pelos arguidos na fase de inquérito e na fase de julgamento sendo os arguidos devidamente advertidos dessa falsidade ao que ambos mantêm as contradições inconciliáveis nos seus depoimentos.

    13. Destarte, cumpre esclarecer que o crime pelo qual os arguidos foram julgados foi cometido antes do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 10.12.2013 já que os aqui arguidos depuseram nesse processo n.º 3/10.7PBCVL como testemunhas a 30.04.2010 e 31.05.2010 na fase de inquérito e em 14.09.2012 na fase de julgamento.

  10. Releva para o tratamento do caso em apreço considerar que o Tribunal da Relação de Coimbra julgou nulo o acórdão por falta de fundamentação e não por ter considerado que se verificou qualquer nulidade insanável nos termos do artigo 119.º do CPP com os efeitos previstos no artigo 122.º deste diploma legal ou vícios na prestação dos depoimentos das testemunhas aqui arguidos.

  11. Assim, esta prova aí produzida que deu origem a estes autos não se encontra de modo algum afectada.

  12. Consequentemente, o julgamento foi então anulado já que para fundamentar o acórdão aí proferido é necessária a realização de novo julgamento atenta a insuficiência da fundamentação para o acórdão que foi aí proferido em 1ª instância.

  13. Entendemos que as decisões proferidas nesse processo apenas serão relevantes na eventualidade de colocarem em crise esses dois depoimentos dos arguidos nas duas fases processuais em que foram ouvidos como testemunhas, sendo agora indiferentes para a apreciação deste crime decisões de nulidade que afectam o arguido desse processo ou outros sujeitos processuais do mesmo.

  14. As decisões posteriormente proferidas nesse processo que não digam respeito a estes arguidos não relevam na medida em que não constituem, além do mais, decisão prejudicial nos termos do artigo 7.º do CPP.

  15. Esta é a única interpretação in casu compatível com a obediência ao princípio da suficiência do processo penal e respeito pelo objecto do processo.

    20. Consideramos, ainda, que, mesmo que o arguido desse processo fosse aí absolvido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, o crime já estaria cometido pelos aqui arguidos quando tal decisão fosse proferida.

  16. Importa considerar o esclarecimento que presta Paulo Pinto de Albuquerque: "A declaração pode ser oral, por gestos ou por escrito. É irrelevante a natureza, a fase e o resultado do processo em que é feita a declaração e a circunstância de a declaração ser a favor ou contra o réu ou arguido" (in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, pág. 934 nota 6).

  17. Tal acórdão não afecta as declarações já anteriormente prestadas nesse processo porquanto se trata de um meio de prova validam ente produzido em termos processuais penais.

  18. A doutrina esclarece a este propósito que as declarações das testemunhas não poderão ser consideradas típicas se forem prestadas por uma entidade incompetente, ou em violação de formalidades essenciais e exista uma proibição de valoração da declaração como utilização de um método proibido de prova ainda que neste último caso não de uma forma tão pacífica (in Comentário Conimbricense, do Código Penal, parte especial, Tomo III, Coimbra Editora 2001, pág. 470 a 473).

  19. A este propósito aqui esclarece Medina Seiça: "A violação dos dispositivos processuais relativos à prestação da declaração que impliquem, endo-processualmente, a proibição da valoração, tem como consequência a negação da tipicidade do depoimento não conforme à verdade. O mesmo é dizer que uma declaração falsa só é tipicamente relevante quando for processualmente valorável", E acrescenta "Note-se, porém, que a impossibilidade de valoração tem de fundar-se numa violação processual que respeite à própria declaração probatória (…) Outro tipo de violações, ainda que determinem a nulidade de todo o processo como a irregular composição do Tribunal, ou o emprego de forma especial fora dos casos previstos, ou a violação de disposições sobre a presença obrigatória do arguido, não excluem a tipicidade.

  20. Em segundo lugar, atentemos para a circunstância de a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo e a sua motivação padecer de uma contradição evidente já que a nulidade do acórdão e consequentemente do julgamento realizado no processo 3/10.7PBCVL, com o consequente reenvio, arrasta consigo toda a prova testemunhal, incluindo, assim o depoimento prestado pelos aqui arguidos em audiência de julgamento.

  21. Contudo, apesar desta consideração, o Tribunal a quo faz constar na matéria de facto provada tais depoimentos prestados na audiência de julgamento nesse processo na qualidade de testemunha pelos aqui arguidos.

  22. O Tribunal a quo, ao dar como provados os depoimentos prestados pelos arguidos na fase de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT