Acórdão nº 1289/08.2TBCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução12 de Janeiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

C (…) requereu a inabilitação de M (…), seu pai.

Alegou: Desde há mais de 15 anos, o requerido sofre, de anomalia psiquiátrica que o leva a realizar gastos injustificados e desproporcionados em relação à sua situação financeira e, ainda, a contrair empréstimos junto de instituições bancárias, familiares e pessoas amigas.

Sabe que os rendimentos de que dispõe não permitem solver tais empréstimos, com o consequente avolumar das suas dívidas sem que modifique a sua conduta ou respeite os programas de tratamento de que carece.

O descrito comportamento do requerido, sendo recorrente, é revelador da sua incapacidade para reger convenientemente o seu património, fazendo temer que venha a alienar, ou a onerar, o único bem que possui, identificado no artigo 36º da petição inicial.

Pede: Seja decretada a inabilitação do requerido por prodigalidade (sendo o requerido privado da prática de atos de administração e de disposição dos seus bens “inter vivos”) e, bem assim, a sua inabilitação provisória - pela necessidade de acautelar a dissipação ou oneração do património do requerido.

Foi ordenada a afixação de editais e a publicação do anúncio a que se refere o artigo 945º do CPC pretérito, decretada a inabilitação provisória do requerido e nomeado tutor provisório – L (…) O requerido, regulamente citado, não contestou, assim não contestaram o tutor provisório e o MºPº, este citado nos termos e para os efeitos previstos na parte final do n.º 2 do artigo 947º e 15º do mesmo diploma, prosseguindo os autos com a elaboração do despacho saneador e a seleção da matéria de facto, assente e controvertida.

Procedeu-se ao interrogatório e ao exame pericial do requerido.

  1. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foram fixados os factos provados e proferida sentença na qual se decidiu: «- decretar a inabilitação de M (…) por habitual prodigalidade.

    - nomear como curador o tutor provisório já designado, L (…) - com vista à constituição do Conselho de Família, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 154º, nomear como vogais C (…), esta como subcuradora, e J (…)».

  2. Inconformado recorreu o requerido.

    Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: (…) Contra alegou a requerente, pugnando pela manutenção do decidido.

  3. Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 1ª – Nulidade da sentença nos termos do artº 615º nº 1 als. b), c) e d) do CPC.

    1. - Improcedência da ação.

  4. Apreciando.

    5.1.

    Primeira questão.

    5.1.1.

    Estatui, no que para o caso interessa, o artº 615º do CPC: 1 - É nula a sentença quando: b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; 5.1.2.

    Da falta de motivação. Nos termos do artigo 205º, nº1 do Constituição: «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».

    E estatui o artº 154º do CPC: 1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.

  5. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.

    A necessidade da fundamentação prende-se com a garantia do direito ao recurso e tem a ver com a legitimação da decisão judicial.

    Na verdade a fundamentação permite fazer, intraprocessualmente, o reexame do processo lógico ou racional que lhe subjaz.

    Ela é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões.

    Porque a decisão não é, nem pode ser, um ato arbitrário, mas a concretização da vontade abstrata da lei ao caso particular submetido à apreciação jurisdicional, as partes, maxime a vencida, necessitam de saber as razões das decisões que recaíram sobre as suas pretensões, designadamente para aquilatarem da viabilidade da sua impugnação.

    E mesmo que da decisão não seja admissível recurso o tribunal tem de justificá-la.

    É que, uma decisão vale, sob o ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos, pois que estes destinam-se a convencer que a decisão é conforme à lei e à justiça, o que, para além das próprias partes a sociedade, em geral, tem o direito de saber – cfr. Alberto dos Reis, Comentário, 2º, 172 e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, 1982, 3º vol., p.96.

    Mas se assim é, dos textos legais e dos ensinamentos doutrinais se retira que apenas a total e absoluta falta de fundamentação pode acarretar a nulidade.

    Na verdade a lei não comina com tão severo efeito uma motivação escassa, ou, mesmo deficiente. E onde a lei não distingue não cumpre ao intérprete distinguir.

    Nem tal exigência seria de fazer considerando a «ratio» ou finalidade do dever de fundamentação supra aludidos.

    O que a lei pretende é evitar é a existência de uma decisão arbitrária e insindicável. Tal só acontece com a total falta de fundamentação. Se esta existe, ainda que incompleta, errada ou insuficiente tal arbítrio ou impossibilidade de impugnação já não se verificam.

    O que nestes casos apenas sucede é que a própria decisão pode convencer menos, dada a debilidade ou incompletude dos seus fundamentos. Mas pode ser sempre atacável e modificável.

    Assim sendo, a grande maioria da nossa jurisprudência tem-se pronunciado no sentido de que só a carência absoluta de fundamentação e não já uma motivação escassa, deficiente, medíocre, incompleta ou errada, acarreta o vício da nulidade da decisão – cfr. Entre outros, Ac. do STA de 18.11.93, BMJ, 431º, 531 e Acs. do STJ de 26.04.95, CJ(stj), 2º, 57, de 17.04.2004 e de 16.12.2004, dgsi.pt.

    Poder-se-á fazer aqui, «mutatis mutandis», uma equiparação com o que sucede com a ineptidão petição inicial, por falta de «causa petendi», a qual origina a nulidade de todo o processado - artº 193, nº1 e nº2, al.a) do CPC.

    É que como ensina o Mestre Alberto dos Reis, Comentário, 2º, 372: «Importa não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente …quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite facto ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que a ação naufraga».

    5.1.3.

    Da oposição dos fundamentos com a decisão.

    A oposição dos fundamentos com a decisão reconduz-se a um vicio lógico no raciocínio do julgador, em que as premissas de facto e de direito apontam num sentido e a decisão segue caminho oposto, ou, pelo menos, direção diferente.

    Distinguindo-se das situações em que tal disparidade advém de mero erro material, pois, neste caso, a oposição não é substancial mas apenas aparente, dando apenas direito à retificação, enquanto que no caso invocado e que ora nos ocupa a invocada contradição, a existir, é autentica e real - pois que o juiz escreveu o que queria escrever -, a qual, verificando-se, acarreta um vício de conteúdo da sentença que implica a sua nulidade – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 1981, 5º, 141, Castro Mendes, Direito Processual Civil, ed. AAFDL, 1978, 3º, 302 e Abílio Neto, Breves Notas ao CPC, 2005, 195.

    5.1.4.

    Da omissão de pronúncia.

    Este segmento normativo ínsito na al. d) do artº 615º do CPC conexiona-se com o estatuído nos arts. 154º e 608º do mesmo diploma, ou seja, com o dever do juiz administrar a justiça proferindo despachos ou sentenças sobre as matérias pendentes – artº 152º - e com...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT