Acórdão nº 26/14.7T8CNT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelMOREIRA DO CARMO
Data da Resolução12 de Janeiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I - Relatório 1. J (…) e esposa M (…) instauraram contra a “Brisa-Concessão Rodoviária, SA” e “K... – Companhia de Seguros, SA, no Tribunal de Cantanhede, acção declarativa, de condenação, sob a aforma de processo comum.

Pediram: A condenação das rés a pagarem-lhe uma indemnização no montante global de 7.205,28 €, acrescido de juros de mora desde citação, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.

Alegaram, em síntese: no dia 08.10.2011, cerca das 19.40h, a autora mulher, condutora do veículo ligeiro de passageiros de matrícula (...)VF, pertença dos demandantes, quando circulava na auto-estrada nº 1, ao Km 35/150, zona de Ançã, no sentido Figueira da Foz-Coimbra, foi surpreendida pelo súbito atravessamento de um animal de raça canina, acabando por embater com parte da frente do veículo no referido animal. Desse acidente resultaram danos para os autores, da responsabilidade da ré Brisa Auto-Estradas de Portugal, SA, porquanto sendo concessionária da auto-estrada não tomou as precauções necessárias para prevenir o acidente, e da ré seguradora na medida em que assumiu a responsabilidade civil daquela pelo pagamento das indemnizações devidas a terceiros naquela sua qualidade de concessionária.

Ambas as rés apresentaram contestação impugnando a factualidade alegada pela autora.

Prosseguiram os autos com a prolação de despacho saneador, tendo sido agendada audiência de julgamento no início da qual, e uma vez frustrada a tentativa de conciliação, foi proferido despacho, concedendo-se oportunidade às partes de se pronunciarem relativamente à (in)competência do tribunal em razão da matéria.

Notificadas, pronunciaram-se as partes no sentido da competência deste Tribunal, aduzindo essencialmente que à ré Brisa não é aplicável o regime específico da responsabilidade do estado e demais pessoas colectivas públicas, e que a mesma não é uma pessoa colectiva pública, mas uma sociedade anónima de direito privado que não actua com as prerrogativas de direito público.

  1. Seguidamente foi proferido despacho no qual se decidiu: «…ao abrigo dos normativos atrás citados, decide-se declarar a incompetência absoluta deste Tribunal em razão da matéria por tal competência pertencer aos Tribunais Administrativos e, consequentemente, absolver as rés da instância.» 3. Inconformados recorreram os autores.

    Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: I-No âmbito dos presentes autos, foram as rés absolvidas da instância em virtude do Tribunal a quo se ter declarado absolutamente incompetente, em razão da matéria, por tal competência pertencer aos Tribunais Administrativos, nos termos da al. i) do nº1 do artigo 4º do ETAF.

    II-Assim, para que tal entendimento fosse sufragável era necessário que: 1.A acção tenha por objecto a responsabilidade civil extracontratual; 2. O responsável seja uma entidade privada; 3.À entidade privada responsável seja aplicável o regime específico da responsabilidade do estado e demais pessoas colectivas de direito público; III-Ora, a Brisa-Concessão Rodoviária, S.A. é uma pessoa colectiva de direito privado, tendo sido demandada para efectivação da sua responsabilidade civil extracontratual, na qualidade de empresa concessionária da via rodoviária onde ocorreu o acidente, devido àquela não ter assegurado a segurança da circulação da via, como estava obrigada, pelo que se encontram verificados os pressupostos referidos em II.1 e II.2.; IV-Sucede que, em nosso entender, falece a verificação do último pressuposto, uma vez que a responsabilidade da ré Brisa por indemnizações devidas a terceiros por acidentes de viação ocorridos nas auto-estradas por falha objectiva das condições de segurança, na qual se incluiu o atravessamento de animais, como sucede no caso dos autos, não se encontra sujeita ao regime previsto na Lei 67/2007 que regula a responsabilidade extracontratual do Estado e demais entidades Públicas; V-No mais, o legislador afastou expressamente a co-responsabilidade do Estado nessas circunstâncias, uma vez que o nº1 da Base XLIX sob a epígrafe “Indemnizações a terceiros” dispõe que “São da inteira responsabilidade da concessionária todas as indemnizações que, nos termos da lei, sejam devidas as terceiros em consequência de qualquer actividade decorrente da concessão”; VI-Ora, tal disposição acentua a natureza privada da responsabilidade da concessionária perante terceiros, afastando a existência de prerrogativas de direito público; VII-Razão pela qual entendemos que é inaplicável ao caso sub judice o regime específico da LRCEE mas sim as regras do direito civil, tratando-se de um conflito de natureza privada em que ré Brisa não actua investida de jus imperii, como entendemos verificado in casu.

    VIII-Assim sendo, não se encontram reunidos os pressupostos para sujeitar a determinação de tal responsabilidade aos tribunais administrativos, nos termos do disposto no nº1 do artigo 4º do ETAF, funcionando, assim, a regra da competência residual dos tribunais judiciais pelo que o Tribunal a quo é o competente para conhecer do objecto da acção. Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso merecer provimento em toda a sua extensão e, em consequência, ser a douta Sentença revogada, considerando-se o J1, Secção Cível- Instância Local de Cantanhede-Comarca de Coimbra, materialmente competente para o Julgamento da causa.

  2. Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte: - Competência material: do tribunal comum ou do tribunal administrativo? 5. Apreciando.

    A questão está mais do que debatida e escalpelizada nos seus possíveis argumentos.

    Os que defendem a competência do tribunal administrativo em casos como o presente, - a maioria na jurisprudência, vg. do tribunal de conflitos – argumentam tal como expendido pela julgadora do caso sub judice, a saber: «A competência em razão da matéria é fixada em função dos termos em que a acção é proposta, tendo em conta o teor da pretensão do autor e dos fundamentos em que a baseia. Cfr. Ac T. Conflitos. 23.09.2004, proc. 05/04, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário reza assim: “I - A determinação do tribunal materialmente competente para o conhecimento da pretensão deduzida pelo Autor deve partir do teor desta pretensão e dos fundamentos em que se baseia sendo, para este efeito, irrelevante o juízo de prognose que se possa fazer relativamente à viabilidade da mesma (por se tratar de questão atinente ao mérito da pretensão). II - A competência terá, por isso, de se aferir pelos termos da relação jurídico-processual tal como foi apresentada em juízo.” Na presente lide pretendem os autores a condenação das rés no pagamento de indemnização pelos danos decorrentes do acidente de viação ocorrido na A1 no dia 08.10.11 de que a 1ª ré é concessionária causado pelo súbito atravessamento de uma animal de raça canina, e que a 1ª ré, que para a segunda transmitiu a responsabilidade civil por danos sofridos por terceiros utentes da via, não evitou como devia, omitindo o cumprimento dos deveres decorrentes do contrato de concessão celebrado com o Estado.

    Dada a relação material controvertida tal como é configurada pelos autores e a pretensão apresentada, trata-se de uma acção para efectivação da responsabilidade civil da 1ª ré, demandada na qualidade de empresa concessionária da via rodoviária onde ocorreu o acidente devido àquela não ter assegurado a segurança da circulação na via como estava obrigada.

    Nos termos do art. 38º da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei nº 62/2013 de 26.08 - LOSJ) e art. 61º do Código de Processo Civil (CPC) a competência dos tribunais judiciais fixa-se no momento em que a acção é proposta, sendo irrelevantes as modificações de facto ou de direito que ocorram posteriormente, a menos que seja suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou lhe seja atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa. O momento em que a acção é proposta é também o relevante na fixação da competência dos tribunais administrativos (art. 5º da Lei nº 13/2002 de 19.02 (ETAF).

    Os tribunais judiciais são os tribunais com competência material residual, conforme resulta dos arts. 211º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP), art. 40º, nº 1 da LOSJ e art. 64º do CPC.

    O art. 212º, nº 3 da CRP preceitua que: “Compete aos Tribunais Administrativos e Fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”. Este preceito constitucional consagra uma reserva relativa de jurisdição atribuída aos tribunais administrativos, daí resultando serem estes os Tribunais comuns em matéria administrativa.

    Significa isto que o conhecimento de uma questão de natureza administrativa pertence aos Tribunais da ordem administrativa se não estiver expressamente atribuída a nenhuma outra jurisdição (quanto ao alcance da reserva constitucional da jurisdição administrativa, vd. Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa”, 6ª ed. Almedina, pag. 109 e ss e Ac. STA de 28.11.2007, proc. 06/07).

    Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são assim os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (art. 1º, nº 1 do ETAF).

    “A doutrina entende que devem ser consideradas relações jurídicas administrativas as relações interpessoais e inter-administrativas em que de um dos lados da relação se encontre uma entidade pública, ou uma entidade privada dotada de prerrogativas de autoridade pública, tendo como objecto a prossecução do interesse público, de acordo com as normas de direito administrativo .... “ (Jonatas E. M. Machado, “Breves Considerações em torno do âmbito da justiça administrativa. Reforma da Justiça Administrativa”, Boletim da Faculdade de...

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