Acórdão nº 439/13.1TBFIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução12 de Janeiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

M (…), intentou contra I (…) – COMPANHIA DE SEGUROS, S. A. – cuja denominação social foi entretanto alterada para F (…) – COMPANHIA DE SEGUROS S.A, ação declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário.

Peticionou: A condenação da ré a pagar-lhe quantia não inferior a €20.684,79, a título de indemnização por danos patrimoniais.

Alegou: No dia 1 de Abril de 2012, pelas 17:45 horas, quando circulava na Rua Nova, 3060-286 Covões, Cantanhede, sentido Aveiro-Figueira da Foz, deflagrou um incêndio no veículo de matrícula ( ...) DC, marca Ford, modelo Transit, da sua propriedade, tendo sido chamados os Bombeiros Voluntários de Cantanhede ao local e as autoridades policiais, não se tendo contudo evitado que o incêndio se propagasse ao resto da sua viatura e originasse a sua perda total.

Na viatura eram transportados bens de uma familiar, que a viatura se encontrava coberta por seguro de responsabilidade civil automóvel obrigatório junto da ré e que o incêndio que deflagrou na sua viatura não é da sua responsabilidade.

Após o acidente, foi dado conhecimento do mesmo à ré, a qual colocou à disposição da autora uma viatura de substituição, tendo a ré procedido à peritagem da viatura sinistrada e tendo sido proposto por esta o pagamento do valor de €10.000,00, ficando o salvado na posse da autora, sendo que, por carta de 11.04.2012, a ré considerou concluída a regularização do sinistro e, por carta de 03.07.2012, a ré recuou na posição anteriormente declarada, considerando que as circunstâncias que envolveram a participação não permitem enquadrar as mesma nas coberturas da apólice, assim encerrando o processo.

Desde o dia da devolução da viatura de substituição, viu-se privada da possibilidade de adquirir outra viatura em substituição da sinistrada, reclamando, também, uma indemnização pela privação do uso da viatura por um período de 180 dias, até à propositura da acção, acrescida de €100,00, a título de despesas do processo e ainda de €1.000,00, referente ao valor da carga transportada na viatura.

A ré contestou.

Disse que o capital seguro não corresponde ao valor real do veículo em causa nos autos; desconhece se, à data do incêndio, o veículo pertencia ou não à autora.

Admite ter remetido as cartas constantes da petição inicial, tendo-o feito no pressuposto de que se tratava de um incêndio súbito, fortuito e independente da vontade da segurada, tendo posteriormente alterado tal entendimento por duvidar das circunstâncias em que o evento ocorreu, já que a autora terá ligações a um comerciante de automóveis, de nome (…), o qual estará relacionado com outros eventos em que terão ocorrido incêndios noutras viaturas.

No caso de se considerar que houve um incêndio fortuito, nunca a autora poderá receber mais do que o valor real do seu veículo, sob pena de enriquecimento sem causa, estando em causa um caso manifesto de sobresseguro.

Não tem aplicação, no caso dos autos, o artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 291/2007.

A atender-se ao valor a título de paralisação, nunca o mesmo poderá ser calculado com base nos valores diários pretendidos pela autora, assim como a autora não deverá ser indemnizada pela destruição das mobílias transportadas, já que tais “danos” estão excluídos da cobertura da apólice.

Respondeu a autora.

Disse que o veículo em causa nos autos lhe foi vendido.

A conduta da ré é abusiva, quanto ao que considera ser o “valor real do veículo”, já que a mesma reconheceu indemnizar a quantia de €10.000,00;.

A ré atua em manifesto abuso de direito, já que aceitou segurar o veículo da autora pelo valor de €10.500,00, para receber um prémio equivalente àquele valor, vindo agora referir que o mesmo apenas vale €5.500,00.

  1. Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «Pelo exposto, e nos termos dos fundamentos de direito invocados, julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, condeno a ré F (…) – Companhia de Seguros, S. A. a pagar à autora a quantia de €10.000,00 (dez mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação até integral pagamento, absolvendo a ré do demais peticionado pela autora.» 3.

    Inconformada recorreu a ré.

    (…) 4.

    Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 1ª – Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

    1. – Improcedência da ação por nulidade da declaração da ré que pôs à disposição da autora a quantia de 10.000,00€ e/ou existência de sobresseguro.

  2. Apreciando.

    5.1.

    5.1.1.

    No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5 do CPC.

    Perante o estatuído neste artigo exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

    O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245.

    Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

    Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

    Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

    Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

    Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional...

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