Acórdão nº 1565/14.5T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelPAULA DO PA
Data da Resolução14 de Janeiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório Centro Hospitalar (...) , S.A.

, veio impugnar judicialmente a decisão da Autoridade Para as Condições do Trabalho (doravante designada apenas por ACT), que lhe aplicou uma coima única de € 36.000,00, resultante da prática de três infrações contraordenacionais, em relação às quais foram aplicadas as seguintes coimas parcelares: · Processo n.º 161300346: uma coima de € 35.700,00 (trinta e cinco mil e setecentos euros) por infração do disposto no artigo 29.º, nºs. 1 e 4 do Código do Trabalho; · Processo n.º 161300344: uma coima de € 1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros) por infração do disposto na alínea a), do n.º 3, do artigo 108.º, da Lei n.º102/2009, de 10.09; · Processo n.º 161300358: uma coima de € 714,00 (setecentos e catorze euros) por infração do disposto no n.º 9, do artigo 241.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12.02.

Admitida a impugnação judicial, realizou-se a audiência de discussão e julgamento.

Seguidamente foi proferida sentença, cuja parte decisória tem o seguinte teor: «Pelos fundamentos expostos, decide-se julgar improcedente o presente recurso e, em consequência: a) Manter a condenação da Arguida, “Centro Hospitalar (...) , S.A.”, pela prática de uma contraordenação prevista e punida pelos art.ºs 29.º, n.º 1 e 4 e 554.º, n.º 4, al. e) do Código do Trabalho, de uma contraordenação prevista e punida pelos art.ºs 108.º, n.ºs 3, al. a) e 7 da Lei n.º 102/2009, de 10/09 e 554.º, n.º 3, al. e) do Código do Trabalho, e de uma contraordenação prevista e punida pelos art.ºs 241.º, n.ºs 9 e 10 e 554.º, n.º 2, al. b) do Código do Trabalho, nas coimas parcelares, respetivamente de € 35.700 (trinta e cinco mil e setecentos euros), de €1.836 (mil oitocentos e trinta e seis euros) e de €714 (setecentos e catorze euros) e, efetuando o cúmulo jurídico das três coimas parcelares, condenar a Arguida “Centro Hospitalar (...) , S.A.” numa coima única de € 36.000 (trinta e seis mil euros).

b) Aplicar à Arguida a sanção acessória da publicidade da presente decisão condenatória.» Inconformada com esta decisão, o impugnante veio interpor recurso da mesma, finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões [que se transcrevem]: […] Com o recurso foi apresentada uma sentença proferida no Processo nº (…) que correu termos no Tribunal do Trabalho de Leiria e um parecer subscrito pela Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Maria João Antunes.

Admitido o recurso e notificado o Ministério Público, foi oferecida resposta, no âmbito da qual se propugnou pela improcedência do recurso.

Tendo os autos subido à Relação, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, no douto parecer emitido, acompanhou a resposta do Ministério Público apresentada nos autos.

A recorrente respondeu, discordando de tal parecer. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

* II. Documentos apresentados com o recurso Admite-se a junção aos autos dos documentos apresentados, que consubstanciam pareceres.

* III. Objeto do recurso É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (RGCO) e artigos 50.º, n.º 4 e 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro.

Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso e que importa conhecer são: 1ª Do alegado não cometimento da infração contraordenacional imputada por violação do artigo 29º, nº1 do Código do Trabalho; 2ª Da invocada ilegalidade praticada com a aplicação da sanção da publicidade da sentença; 3ª Das invocadas inconstitucionalidades.

* IV. Matéria de Facto A matéria de facto dada como provada na 1ª instância foi a seguinte: […] * V. Infração contraordenacional Não se conforma a recorrente com a decisão judicial que confirmou a prática da contraordenação resultante da violação do artigo 29º, nº1 do Código do Trabalho.

No essencial, argumenta que os factos constantes dos autos não consubstanciam mobbing praticado contra o trabalhador Dr. A... .

Apreciemos! Na sentença recorrida, escreveu-se, com interesse, o seguinte: «Começando pela primeira contraordenação pela qual foi condenada a Arguida, importa verificar se se registam todos os elementos da contraordenação prevista no art.º 29º do atual Código do Trabalho, relativa à prática do chamado mobbing ou assédio moral.

O assédio corresponde a “um comportamento indesejado, que viola a dignidade do trabalhador ou candidato a emprego e cujo objetivo ou efeito é criar um ambiente hostil ou degradante, humilhante ou desestabilizador para o trabalhador ou o candidato a emprego”, podendo ser “moral não discriminatório, quando o comportamento indesejado não se baseia em nenhum fator discriminatório, mas, pelo seu carácter continuado ou insidioso, tem os mesmos efeitos hostis, almejando em última análise, afastar aquele trabalhador da empresa (mobbing)” – MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho II, 3.ª Edição, Coimbra, 2010, p. 177.

De facto, “O assédio moral, também conhecido por mobbing, está contido no art. 24, é considerado pelo legislador como uma das formas de discriminação, e pode concretizar-se não apenas quando se apura que era objetivo do empregador afetar a dignidade do trabalhador, como também nos casos em que não tendo sido esse o desiderato, o efeito obtido seja o de afetar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante e desestabilizador, como expressamente refere a parte final do citado artigo. Depois de vários estudos de cariz psicológico e sociológico, que foram desenvolvidos sobretudo na Suécia e nos EUA, onde se constatou a existência, em larga escala, do fenómeno do assédio no local de trabalho - que consiste essencialmente em humilhar, vexar ou desprezar o trabalhador a fim de o afastar do mundo do trabalho, cientes da gravidade dessa realidade e das suas consequências - alguns países têm vindo a consagrar legislação sobre essa matéria. A União Europeia, revelando estar atenta a essa realidade emitiu, a propósito, a Resolução A5-0283/2001, do Conselho, onde, para além do mais, chama a atenção para as consequências devastadoras do assédio moral, quer para o trabalhador quer para sua família, que frequentemente necessitam de assistência médica e terapêutica, e que induz aqueles a ausentarem-se do trabalho ou a demitirem-se; e sublinha que as medidas de luta contra o assédio moral no trabalho devem ser consideradas como um elemento importante dos esforços destinados a melhorar a qualidade do emprego e as relações sociais no local de trabalho, que contribuem também para lutar contra a exclusão social. Como tem sido assinalado pela doutrina, as fórmulas mais frequentes de mobbing consistem na marginalização do trabalhador, no esvaziamento das suas funções, desautorização, ataques à sua reputação e assédio sexual” – Acórdão da Relação do Porto de 2 de Fevereiro de 2009, retirado de www.dgsi.pt, referindo-se ao anterior art.º 24º do Código do Trabalho de 2003.

O art.º 29.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2009 prescreve que “Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”, sendo que “Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto neste artigo” (n.º 4).

Em anotação a este artigo, escreve-se que o assédio “constitui um conjunto concatenado de comportamentos que tem por objetivo ou efeito criar um ambiente de tal forma hostil, que o trabalhador se vê na contingência de, ele próprio, por se sentir marginalizado, pretender desvincular-se perante o empregador, pondo termo à relação laboral”, sendo que “O conceito é francamente amplo, abrangendo não apenas as hipóteses em que se vislumbra na esfera jurídica do empregador o objetivo de afetar a dignidade do visado, mas também aquelas em que, ainda que não se reconheça tal desiderato, ocorra o efeito” – PEDRO ROMANO MARTINEZ E ET AL, Código do Trabalho Anotado, 8.ª Edição, Coimbra, 2009, p. 188.

Ou, de outra forma, muito expressiva, “o mobbing ou assédio moral é percebido, quase unanimemente, como uma ‘prática insana de perseguição’, metodicamente organizada, temporalmente prolongada, dirigida normalmente contra um só trabalhador que, por consequência, se vê remetido para uma situação indefesa e desesperada, violentado e frequentemente constrangido a abandonar o seu emprego, seja por iniciativa própria ou não” – MARIA REGINA REDINHA, apud ABÍLIO NETO, Novo Código do Trabalho e Legislação Complementar Anotados, 2.ª Edição, Lisboa, 2010, p. 155.

Por outro lado, nos termos do art.º 15.º do Código do Trabalho, o empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e o trabalhador gozam do direito à respetiva integridade física e moral, constituindo justa causa de resolução do contrato a ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticada pelo empregador ou seu representante (art.º 394.º, nº 2, al. f), do Código do Trabalho).

Segundo ROCHA PACHECO, o art.º 29.º do Código do Trabalho, por si só, não regula o assédio moral no trabalho. Apesar da ausência de um conceito de assédio moral expressamente consagrado no ordenamento nacional, o apoio normativo basilar, conferido a este fenómeno, encontra-se no art.º 25º da Constituição Portuguesa, mais especificamente no reconhecimento do direito à integridade moral, que por consequência, proscreve todos aqueles tratos comissivos ou omissivos degradantes, humilhantes, vexatórios em...

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